Porto Alegre não me encantou. Se bem que, embora esperasse
mais, a expectativa não era alta. E isso não quer dizer que a cidade não seja
boa. Vou compartilhar aqui minhas impressões. É uma mini São Paulo, aquela
correria louca de metrópole que mistura modernidade a prédios antigos ali mesmo
no centrão da cidade. A personalidade do porto-alegrense, no entanto, é carioco-paulista:
algo entre o profissionalismo frio do paulistano, a pressa e a impaciência, e a
falta de interdição social (para alguns, desinibição extrema) do carioca, sempre
preparado para arrumar um barraco caso seja preciso. Esta condição me
surpreendeu. Vi e fui participante passivo de pelo menos um (quando, ao
perguntar se havia nota fiscal, testei o espírito de um daqueles vendedores ambulantes
de celulares com “origem duvidosa”). E a tal da civilidade vinda da colonização
europeia de que alguns se orgulham? Não vi nada disso. Brasileiríssimos.
Macunaíma também é gaúcho, pelo menos em alguns traços.
Passou-se quase um mês que voltei desta viagem. Devido ao
lugar não ter me instigado tanto como Rio e Bahia quase não escrevi a respeito.
Vou tentar remontar o percurso.
Fomos para realizar uma prova de concurso. Sabíamos da chance
escassa de passar e por esta razão resolvemos chegar uns dias antes para
conhecer a cidade. Assim que chegamos recebemos um presente da companhia aérea
(Azul): malas extraviadas. Minha previsão sinistra se confirmara. Voo com três
escalas, é matemática, se atrasar um pouquinho a mala fica. De Uberaba a
Campinas, de Campinas a Curitiba, de Curitiba a Porto Alegre. Em Curitiba
aterrissamos em cima da hora, nos sentimos em um filme de ação ao sair do avião
escoltados por um afobado comissário do aeroporto que levava a nós e um gringo
com roupa de gringo até o voo com destino a POA. O tal comissário estava mais
perdido do que nós. “Number?”, correndo que nem Forrest Gump o gringo perguntou
o número do portão. “Thirt.... é... é... no, fourteen!”, respondeu o
funcionário parando no caminho e depois correndo mais do que todos ao lembrar
que ele mesmo é quem deveria validar nossas entradas no tal Gate 14. Nossa chegada
foi antes do anoitecer mas as malas só apareceram umas duas horas da madrugada
(e isso depois de muitas ligações efusivas de Ana: ma petite amie e companheira de saga). A região do hotel em que
ficamos inicialmente era suja e poluída visualmente. Calor. Poucos pedestres. Parecia
um bairro industrial apesar de não ser. O hotel tinha naipe de motel (aliás todas
as pistas levavam a crer que também funcionavam como tal) e o que salvou foi o
atendimento cordial do recepcionista (o Indião) e sua indicação de uma
lanchonete boa e barata para nos alimentar. Primeiros impactos: os nomes das
comidas e o sotaque. Primeira conclusão: gaúcho adoooora carne. Lembrei e
compartilhei trechos da história da pecuária brasileira no contexto sulista.
Longa duração, diria Braudel.
No dia seguinte mudamos para outro hotel da mesma rede,
porém mais perto do centro. Este não parecia motel e tinha melhor estrutura. Antes
do almoço demos um rolê no chamado centro histórico. A avenida de acesso,
chamada Voluntários da Pátria, lembrava alguma coisa da famosa 25 de Março. Uma
babilônia em versão mais modesta do que a paulista, óbvio. Comércio pulsante. Avistamos
uma feirinha de artesanato e entramos no histórico Mercado Público. Estranhas
frutas e verduras, gente oferecendo almoço, gente usando roupas esquisitas, uma
feira de especiarias. O objetivo era encontrar o escondido Museu Militar e no
fim acabamos conhecendo o Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Havia uma exposição
interessante de uma artista da terra, Zoraia Berthiol e outras nem tanto.
Outro museu que visitamos, depois de muito rodar em ônibus e
a pé, foi o de Ciências e Tecnologia da PUC-RS. Foi bastante divertido o
passeio e compensou o ingresso, apesar da fome e dos estresses em caminhos
errados sobretudo devido às informações imprecisas que os gaúchos nos davam (com
raras exceções, são péssimos neste quesito). Havia interatividade e uma
infinidade de objetos de variadas áreas do conhecimento ali no museu. Corrida,
teste de força, de equilíbrio, de memória, show de eletricidade e até um
simulador de gravidade zero. Voltamos à infância.
Além dos museus, há alguns bons parques em Porto Alegre.
Fomos em dois. No mesmo dia do Museu de Ciências, mesmo cansados, visitamos o
Jardim Botânico, que era relativamente perto dali. Lugar bonito porém necessita
de mais cuidado. O público inclusive estava estressando os animais ao pegá-los
nos braços, cisnes e jabutis que ali viviam (alertou minha bióloga particular
ali do lado). Deste local eu esperava muito mais organização e atrações por conta
da expectativa gerada após a visita que fiz ao Jd. Botânico do Rio. Tratou-se
no fim de um simples parque mesmo, onde as famílias gaúchas vão fazer
piquenique, deitar na grama e nada mais que isso. No último dia, num baita
domingo também de sol e calor, demos um rolê de bike dentro do Parque Farroupinha,
no bairro da Redenção. O nome veio a calhar. Realmente nos redimiu do tédio que
havia contaminado este domingo insosso e esvaziado do centro de POA (sequer
encontramos restaurantes abertos e tivemos que almoçar no shopping, também
vazio). O Parque da Redenção é bem bonito e gigantesco e sem as bicicletas
teríamos cansado em menos da metade do caminho. Havia muitas pessoas ali. Correndo.
Caminhando. Comendo pipoca e dando risada. Conversando. Namorando. Enfim. Socializando.
Não é de todo irrelevante dizer que Porto Alegre não é só a
beleza dos parques e a riqueza dos museus. O segundo hotel situava-se ao lado
de um viaduto de onde podíamos ver, à noite, bastante movimentação de coletores
de materiais recicláveis e pessoas em situação de rua. Há inúmeros pedintes por
toda a volta. Gente dormindo em caixas de papelão, vivendo de subempregos e
vendendo bugigangas nas ruas. Nesta situação notei uma preponderância de
descendentes de indígenas, imigrantes hispano-americanos (talvez peruanos,
bolivianos ou equatorianos) e africanos. Os porto-alegrenses negros e mestiços
foram os que nos trataram melhor quando pedíamos informações ou comprávamos
algo. Eram mais cordiais e pacientes. Em função do Grêmio ter se sagrado
campeão a poucos dias, parecia que só havia gremistas na cidade, sobretudo
comemorando a queda do rival. Pouquíssimos colorados. Coincidentemente um
mendigo dormia na calçada e sob o sol escaldante vestindo a camiseta do
Internacional.
Para fechar o relato, o que mais me surpreendeu em Porto Alegre
foi um bairro boêmio com nome de Cidade Baixa. Me avisaram que ali existia uma
rua considerada das mais belas do mundo, arborizada, calçada de pedras, onde as
copas das árvores se encontravam. Não achei lá essas coisas. Contudo o
movimento do bairro à noite me deixou embasbacado. Intenso, barulhento, efervescente,
um carnaval underground. Mais ou menos umas quatro ruas lotadas de gente jovem.
Circulamos, desnorteados e maravilhados (ao menos eu). O rock comendo solto em
pubs e boates. Uma galerinha alternativa. Hippies, indies, punks, roquistas, estudantes
universitários... em alguns lugares pagava-se caro para entrar. Mas também
tinha aquelas turminhas que ficavam na calçada bebendo e trocando ideia. Surpreendeu-me
igualmente uma espécie de rave-pub LGBT, moçada sem camisa e besuntada de
glitter. Esse caos me lembrou em alguma medida as festas de república em Ouro
Preto/Mariana numa proporção homérica. Entramos num destes pubs. Um calor. Só o
ar condicionado para nos remeter ao imaginário clima do sul. Os preços não eram
nada convidativos mas a banda fazia ótimos coveres. Valeu pela experiência.
Agora posso dizer que visitei pelo menos um lugar das cinco
regiões do Brasil. Até a próxima.
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06 jan. 2017
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