Algumas Gerais das Minas: Botumirim e Januária

 

Gerais. Substantivo masculino plural. Segundo o dicionário Michaelis, significa: 1. Área de grande extensão, coberta de vegetação rasteira, típica do Planalto central; 2. Localidades distantes e desertas; 3. (regionalismo nordestino) Terrenos cobertos de mato. Indo além do que diz o dicionário, as regiões do norte do estado de Minas Gerais são popularmente conhecidas como “Gerais”. E o geraizeiro é o habitante tradicional que vive geralmente às margens do rio São Francisco. Essa breve viagem traçou percurso em um pedaço das famosas Gerais, eternizadas na literatura de Guimarães Rosa.

Rio São Francisco, Januária

Botumirim-MG

Botumirim é uma cidade que provavelmente você nunca ouviu falar. Possui pouco mais de 6 mil habitantes (Censo 2010) e está localizada a 180km a leste de Montes Claros, a maior cidade do norte mineiro (414 mil habitantes, estimativa do Censo 2022). Botumirim se tornou conhecida (ao menos entre ornitólogos e observadores de pássaros) a partir de 2015, quando, por acaso, um ornitólogo da UFMG fez uma descoberta. Melhor dizendo, fez uma redescoberta. Avistou nas gerais do município uma espécie dada como extinta havia mais de 70 anos: a rolinha-do-planalto. O achado foi tão surpreendente que uma reserva ambiental foi criada, em 2018, a fim de ajudar na preservação do habitat natural da espécie: a Reserva Natural Rolinha-do-planalto. Na época, diziam existir somente em torno de 30 indivíduos. Desde então, pesquisadores, observadores de aves e turistas de natureza do Brasil e do mundo (sim, um punhado de gringos com suas câmeras, microfones, cadernetas, chapeuzinhos de escoteiro e tudo mais) tem ido ao local por causa do animal alado.

Não foi precisamente em razão da rolinha-do-planalto que fomos a Botumirim. Mas, sem dúvidas, toda essa história foi decisiva. Através de uma dupla de passarinheiros que seguimos no Instagram (Irmãos Pompéu) descobrimos a existência de um sítio-pousada no município (Recanto das Aves) cujo chamariz são (adivinhem) os pássaros, obviamente. Pensamos: “poxa, esse lugar bacana está relativamente próximo de onde moramos (600km de Patos de Minas), então por que não ir?”. E fomos. Mas antes de lá chegar fizemos uma parada em Montes Claros, onde paramos para dormir e encontrar uma amiga de Ana. Nesse dia conhecemos uma bebida onipresente na viagem, o suco de coquinho. Bastante popular no norte de Minas. Tem gosto de pequi e, como bom goiano, me apeteceu. Porém o pequi é uma comida “quente” e o suco, refrescante.

Ao chegarmos no Recanto das Aves no dia seguinte, fomos recebidos por Nide, nossa anfitriã e proprietária do local. É uma senhora que mora e administra sozinha a pousada. Ela nos contou que, em 2020, após o falecimento do marido, decidiu abrir a residência para o turismo. “90% dos hóspedes são passarinheiros”, revelou. É um lugar simples, com jeito de roça, mas com um cuidado de chácara. Cavalos, vacas, galinhas, mas também jardins bem cuidados e pomares. Ela montou um comedouro para os pássaros na frente da área externa da casa. Dá para ficar sentadinho, tomando suco e tirando fotos de canários-da-terra, sabiás, sanhaços, cardeais-do-nordeste, pipiras-pretas, beija-flores e outras tantas espécies. Os passarinhos ficam folgados e começam a fazer ninhos dentro da casa. Uma pequena corruíra cantarolava e construía seu ninho dentro de uma cabaça colorida como boneca, que ficava na sala de estar. Nos pomares são usadas algumas técnicas da agroecologia e é possível avistar duas espécies de codornas que vão lá se alimentar com frequência (embora não as tenhamos visto). Dentro do sítio há também um córrego e uma cachoeira, o que é bastante útil em vista do calor torturante que faz no norte de Minas. A cachoeira fica bem protegida em uma matinha, mas infelizmente o poço estava consideravelmente raso devido à escassez de água nessa época do ano. Mesmo assim, é claro que demos um tchibum.

Cachoeira do Recanto das Aves (tentativa de foto conceitual)


Em um dos dias fomos ao Rio do Peixe. 14km da pousada via estrada de terra. Chegamos a errar o caminho (se não for assim, não é a gente). Mas depois deu certo. Como não tinha chovido, a estrada estava firme e foi relativamente tranquilo passar com um carro sem tração. Mas não sei. Acho que na época de chuva deve ficar bem mais complicado. O Rio do Peixe me lembrou algumas paisagens da Serra da Canastra e, ao mesmo tempo, da Chapada dos Veadeiros. Pelas rochas e pela vegetação em volta. O curso de água estava estreito. Ainda assim, vários poços e piscinas naturais se formavam nos caminhos entre as pedras nuas de água. E mesmo na secura, o lugar tem uma beleza de se admirar. Em uma de suas margens, forma-se uma verdadeira prainha. Chegamos no fim da tarde e não deu para aproveitar muito. Mas com certeza era um lugar que dava para passar pelo menos metade do dia (claro, levando comida, água e etc.). Havia outras atrações em Botumirim, como um sítio arqueológico e outras cachoeiras e rios. Algumas muito distantes e que não compensavam na ocasião. Até cogitamos ir a outra cachoeira (“das quatro oitavas”) que ficava a 3km da cidade, porém declinamos em razão da possível falta d’água. Vou deixar link para um site que traz informações sobre as “belezas de Botumirim”.

 

Rio do Peixe em outubro, Botumirim (foto: Ana Rita Silva)

Para fechar o rolê por Botumirim, resolvemos fazer o passeio do Parque Natural da Rolinha-do-planalto. Digo “resolvemos” porque, pelo menos de minha parte, não havia tanto entusiasmo em ir lá ver a tal rolinha, não. Honestamente, não imaginava a dimensão de importância que esse bichinho tinha para o povo botumirinense. Há placas e pequenos outdoors sobre as "belezas de Botumirim" nas ruas da pequena cidadezinha e cujo destaque é a rolinha. Mas é aquela coisa que sempre falamos durante as viagens malucas que fazemos: “já que estamos aqui”. Não é barato. Paga-se 70,00 reais por pessoa para acessar a reserva com um guia e conseguir avistar o raro pássaro. Achei que seria difícil encontrá-lo. Achei errado. Encontramos o guia Gleidson no início da estrada que contorna o parque. Nós de carro, o guia de quadriciclo atrás e na frente de todos, um micro-ônibus apinhado de gringos dos Estados Unidos e da Holanda, quase todos idosos. Em menos de 20 minutos param. Desce todo mundo do carro. Sacam as câmeras, os microfones, os binóculos, os telescópios (é sério). Tudo muito chique e possivelmente caro. O guia que eles levaram avistou a rolinha à média distância. Lá vai todo mundo observar o penoso e ouvir seu canto, que parecia um coaxar de anuro. Depois, de quatro em quatro, o guia autoriza atravessar a cerca, entrar de fato na área do parque (pois é, estávamos nos arredores, na estrada) para chegar mais perto do bicho e fotografá-lo. Felizmente para nós é uma espécie muito mansa e aceita a aproximação. Fica parada no mesmo local por muitos minutos. O que deve ser ruim para ela, tornando-se presa mais fácil. Gleidson nos explicou que atualmente restaram apenas dois indivíduos: Benjamin e Solteirão. Sim, os bichos são tão poucos que até nomes têm. Sobraram dois machos. E isso significa o que você está pensando mesmo. Parece ser o fim. Fim da linha para a rolinha-do-planalto na natureza. Estão fazendo de tudo para uma reprodução em cativeiro, em laboratório, levar ovo para não sei onde. Mas está difícil. Uma pena! Com o perdão do trocadilho. Logo agora que eu tinha simpatizado com o bichinho.

Terminado o avistamento da ave em extinção eminente, o guia nos levou estrada adentro para ver se conseguíamos fazer registros de outras espécies de ocorrência por aquelas bandas. Não conseguimos tirar fotos da meia-lua-do-cerrado, mas não saímos de mãos abanando. Deu para registrar choca-do-nordeste, tem-farinha-aí, vite-vite-de-olho-cinza, periquito-da-catinga e chorozinho-de-chapéu-preto. O pessoal é bastante criativo ao colocar esses nomes populares oficiais nos pássaros. Me divirto. Sobre o “tem-farinha-aí”, dizem que canta essa frase. Tem que forçar demais o ouvido para entender! No retorno, paramos para pegar o quadriculo do guia e aí quem estava na cerca, bem pertinho da gente? Ela mesma, a rolinha-do-planalto. Mais tranquila do que vaca na Índia. Serena. Nem imagina que sua espécie vai de arrasta para cima. Deu para tirar fotos melhores. Para finalizar, adentramos com o guia na reserva, mas já era tarde e o sol ardia. A passarinhada já tinha em boa parte se escondido nas matas. Nos restou experimentarmos frutas do cerrado: mangaba e guariroba (genérica).

Rolinha-do-planalto, toda encolhida no início da manhã

 

Januária-MG

Era para a viagem ter finalizado aí e voltarmos para casa para descansar durante o resto da semana do saco cheio, essa gloriosa instituição mineira ô salve, salve. Mas decidimos seguir uma dica de um amigo da amiga da Ana (que conhecemos na passagem por Montes Claros) e acabamos rumando para Januária. Um desvio de uns 200km na rota de retorno. Ele nos contou que, nessa época do ano, o Rio São Francisco fica com as águas baixas e forma praias em Januária, atraindo centenas de banhistas. O “porém” é que, segundo ele, tudo acabaria no domingo em razão do início das chuvas. Além do mais, a outra atração turística supimpa em Januária é um parque/sítio arqueológico.

Chegamos no finzinho da tarde em Januária e conseguimos uma hospedagem barata (embora apenas para um dia) cuja sacada tinha vista para o Rio São Francisco. Sobre Januária, trata-se de uma cidade de 67 mil habitantes (Censo de 2010), com importante patrimônio histórico, material e imaterial. Embora seja a terceira maior do norte de Minas, os problemas infra-estruturais e a pobreza saltam aos olhos. Para começar, uma parte da cidade ainda tem ruas de chão batido. No centro, há casarões antigos como parte do patrimônio histórico e ruas calçadas de pedras, como em Diamantina. No entanto, o patrimônio histórico me pareceu descuidado. Acredito que parte desse patrimônio deve ter sido destruído porque não havia homogeneidade entre as construções. Apesar de local turístico e de um baita feriado, o clima é de cidade pequena, sem agitação. Rodando pelo norte mineiro, ouvindo o sotaque do povo e o trato, a impressão é que se está em outro estado que não Minas Gerais. Quer dizer, ao menos aos olhos de quem passou a maior parte da vida no Goiás e no Triângulo Mineiro.


Parque Nacional Cavernas do Peruaçu

O parque cavernoso fica localizado entre os munícipios de Januária e Itacarambi. Não é pertinho do centro de Januária. Na verdade, uns 40km pela rodovia. Depois mais alguns por estrada de terra, a depender da entrada do parque que escolher entrar. É imenso o tal parque. 56 mil hectares de área. E nós tivemos muita sorte. Há um limite de visitantes por dia, controlado pelo ICMBio, que administra a Unidade de Conservação. Quando chegamos em Januária, não tínhamos a mínima informação disso. Tampouco sabíamos que, para entrar no parque, era necessário contratar um(a) guia. Conseguimos o contato de uma guia recomendada pelo recepcionista do hotel. Já era tarde da noite quando finalmente combinamos os detalhes do passeio. No máximo, às 8h da manhã tínhamos que estar no início da estrada que dá acesso ao parque. 200,00 reais esse rolê. Como estávamos apenas em dois, ficou carinho. Mas o grupo pode ter oito pessoas. Posteriormente, a guia Amanda nos revelou que todos os dias desse feriado prolongado já estavam preenchidos. Para nossa alegria, houve desistência de um dos grupos previamente agendado e entramos nessa vaga. Descobrimos que havia muitos roteiros para percorrer no parque e muitos sítios para visitar. Para ver tudo o que é aberto ao público, levaríamos entre quatro a cinco dias. Amanda nos recomendou o passeio do Janelão, porque a trilha é curta e relativamente leve, além de que haveria mais diversidade em relação ao que ver.

Pinturas rupéstres na entrada do Janelão, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu


A trilha do Janelão começa dentro da mata, protegida pela sombra de um cânion. Esse início é bem leve e íamos sendo acompanhados por passarinhos e mocós, muitos mocós (um pequeno roedor que parece um preá). Finalizada essa parte da mata chega-se a um paredão com muitas pinturas rupestres. A guia explicou que há pelos menos três estilos de traçados artísticos nas paredes, com datações distintas. O que leva a concluir que tiveram povos diferentes que passaram por aquele local. Os tais seres humanos das cavernas, ao menos por aquelas bandas, não viviam dentro das cavernas, mas fora. Protegidos das chuvas pela inclinação do cânion, do sol pelas matas e dos perigos (animais, grupos rivais) pela visibilidade exterior das cavernas. Depois, finalmente, entramos na caverna propriamente dita. É um negócio absolutamente gigantesco. Nada parecido com as cavernas de nossa imaginação. O teto é da altura de um prédio de, sei lá, uns 200 andares. Sem brincadeira. Ao mesmo tempo em que as paredes formam abóbodas, há também aberturas circulares por onde entra a luz do sol. É iluminado o local. Lá dentro, uma vegetação própria e um microclima específico. Muito mais fresco e agradável. A trilha passa a exigir um pouco mais porque aparecem degraus feitos pelo pessoal do parque para descer ao fundo do buraco. Dentro corre um pequeno riacho, o que faz com que o cenário se assemelhe ao filme Jurassic Park. Nas formações rochosas, além das estalactites e estalagmites, aparecem figuras que as pessoas interpretam: uma tartaruga, uma bruxa, um conjunto de cogumelos, uma perna de bailarina. Depois de caminhar um tantinho bom dentro da caverna, chega-se finalmente ao tal janelão. Uma abertura imensa no fim desse trecho. Tudo é muito bonito, mas bonito não é a palavra exata. É interessante, curioso, instigante e surpreendente. Sei lá. Só visitando mesmo para ter a real impressão. Apesar de ser graduado em história, é a primeira vez que visito um sítio arqueológico. Não é minha praia de estudos, mas gostei demais do passeio.

 

Gruta do Janelão (foto: Ana Rita Silva)

Amanda explicou que há partes do parque que não são abertas ao público. Há cavernas escuras. Muitas pesquisas continuam sendo feitas, bem como estratégias estão sendo pensadas para receber turistas em outros desses locais. Há também um projeto de tornar o parque digital. A ideia é basicamente que as pessoas possam ver de casa todos os lugares do parque por meio de algo semelhante ao Google Street. Creio que não demora a ficar pronto. Sobre a antiguidade da cultura material, para terem uma ideia, a datação mais antiga de ossadas humanas encontradas no sítio possui 10 mil anos. Mas há utensílios líticos datados com mais milênios. Sobre a visitação turística, o parque está aberto desde 2015. Se quiser mais informações, vou deixar o link de acesso ao site. Nele, há uma lista de guias (condutores). Seja mais esperto do que vos escreve e agende com antecedência.

 

Praia do Rio São Francisco

Depois da canseira da caminhada no parque e um saboroso almoço no Recanto das Pedras (um restaurante/pousada na saída do parque), no fim da tarde fomos para nosso segundo destino em Januária: a praia de água do doce. Assim como foi com o parque, confesso que subestimei o tamanho deste evento. É basicamente uma praia com mesma dimensão e estrutura de uma praia convencional de mar. Sem tirar nem pôr. Tinha bastante gente. Claro que não igual a Copacabana no verão. Mas uma Ubatuba da vida, vai. Barracas, bares, cerveja, caixa de som, gente vendendo coisas, balanços, barcos, jet-skis, caiaques, guarda-vidas. Tudo igual. A água, é claro, é água de rio. Mais turva. Menos fria. Na real, uma temperatura excelente para amenizar (essa é a palavra) o calor do norte mineiro. A prefeitura colocou um cordão com boias para avisar ao pessoal sobre os limites do Rio São Francisco. Onde não se deve passar. Sabe como é, esse rio não é para brincadeiras. Já levou muita gente. Se bobear, leva mais. E realmente me impressionou bastante a força da correnteza. Quer dizer, o rio estava raso. Dava para ir caminhando em uns 30% de sua extensão lateral. Mas mesmo assim, mesmo nesse ponto raso, era possível sentir a correnteza arrastando. Se soltasse o corpo, ia sem CVC para Alagoas. Como não queríamos essa viagem (não desse jeito), ficamos ali na boa curtindo o que as Gerais podiam nos oferecer de melhor.

Ana, naquela foto de turistão (praia do rio São Francisco, Januária)

...

 

 

Escrito em 19 out. 2023

Curitiba e litoral catarinense

 

Se, um dia antes da viagem, alguém dissesse que o destino final seria o litoral de Santa Catarina, eu desconfiaria. A verdade é que, ainda que essa viagem tenha ocorrido nas férias, o intuito estava longe de ser turismo e por isso não planejamos nenhum roteiro. O que sabíamos é que estávamos indo de carro para um concurso em Curitiba (Ana, a concurseira e eu, o motorista e navegador). Finalizado o processo, poderíamos aproveitar que já estávamos no Paraná e ir até Foz do Iguaçu-PR, ver as cataratas, conhecer a região do oeste paranaense e quem sabe o início do Paraguai. Outra possibilidade era irmos ao PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), onde tem umas cavernas cabulosas e cachoeiras bacaninhas. Ou, já que íamos passar por Passos-MG no retorno para visitar meus sogros, poderíamos fazer um tour pelo sul de Minas. Contudo, Florianópolis estava, sim, no radar. Embora Foz do Iguaçu mais ao centro. Ana se preocupava somente com o concurso, por óbvio.

Saímos daqui (Patos de Minas) na quinta-feira pela manhã, dia 13/07, com o intuito de dormir no meio do caminho (em Campinas-SP ou Registro-SP) e finalizar até Curitiba no dia seguinte. A prova ocorreria domingo, dia 16/07. Deu tudo certo. Dormimos em Registro. Mas não antes sem tomar um susto. O líquido da bateria do carro “supitou”, como diz o vocabulário goiano. Extravasou. Foi de arrasta para cima. Tinha mais ácido do que em Woodstock. Saiu maior cheirão podre e estávamos achando que era algo externo. Demoramos a perceber. Ao pararmos em um posto para abastecer, cerca de 80km de Registro, dei a partida e o carro não ligava mais. Por sorte (no azar) havia uma oficina atrás do posto de gasolina e desembolsamos uns 330 mirréis por uma bateria nova de marca chinfrim. No dia seguinte, bem pela manhã, resolvemos visitar o Bosque Municipal de Registro. Limpo, mas pequenininho e vazio e meio borocoxô. Contudo, avistamos pela primeira vez o Tiê-Sangue, um pássaro do porte de um canário e que é a ave símbolo da Mata Atlântica. Mal sabia eu, mas ainda ia ouvir falar bastante sobre a Mata Atlântica nessa viagem. É que o tema sorteado da prova do concurso, 24h antes, foi biomas brasileiros. Daí, como eu era o único público disponível para Ana treinar sua aula, fui obrigado a ser um aluno assíduo e atento. Mas estudei tanto que fiz mais do que isso e a ajudei a organizar uma apostila como material didático.

Os dias que antecederam o concurso, passamos basicamente trancados dentro do quarto do hotel, que alugamos próximo à rodoviária. E isso se deu não apenas pelo concurso, mas pelo frio tiritante que fazia em Curitiba. A janela amanhecia sempre coberta por uma névoa úmida. Para não dizer que não saímos, nesse ínterim, fomos ao Mercado Municipal almoçar (tudo caro!) e, noutra oportunidade, saí em missão para procurar estróbilos de araucária para serem utilizados como ilustração na aula. Não sabe o que é um estróbilo? Eu não lembrava. Pesquise. Mas, hein, as araucárias são uma belezinha, viu. Na estrada, a gente sabe que está entrando no Paraná quando começa a mudar a vegetação e aparecer centenas de milhares de araucárias. Para não dizer que Curitiba foi só trabalho e frio, visitamos dois pontos turísticos interessantes e vou discorrer sobre eles. 

 

Copa das cerejeiras no Jardim Botânico, Curitiba

Jardim Botânico de Curitiba

Já haviam me falado sobre o Jardim Botânico de Curitiba (acho que a própria Ana), mas pensava que seria bastante parecido com o do Rio de Janeiro. Não é não. O do Rio é menor e mais fechado, com relação à vegetação. Menos bonito, sem dúvidas. O de Curitiba é um verdadeiro parque, aberto, e um jardim que realmente parece um jardim. Há um belo caminho no meio das cerejeiras (demos sorte de pegá-las floridas) que leva a um jardim gigante que, por sua vez, lembra em alguma medida o jardim à frente do Museu Paulista em São Paulo. Muito bem cuidado e simétrico. Tão simétrico que dava até medo. Após o jardim, há duas estufas. A que mais chama atenção tem formato de castelo transparente, que é bonito por fora, mas que por dentro, blé. Havia muitos turistas no Jardim de Curitiba e isso me surpreendeu. Não imaginava que a cidade recebia tantos turistas assim. Outra coisa que surpreendeu foi a presença da comunidade japonesa. Inúmeras referências da cultura nipônica e muitos descendentes. Também dentro do parque, fazendo a volta até a saída norte (?), há um lago e sobre ele uma charmosa ponte de madeira. Depois dela, uma galeria para venda de bugigangas turísticas, artes e plantinhas.

Estufa em formato de palácio do Jd. Botânico, Curitiba


Parque Barigui

Olha, se for contar por extensão em tamanho o Barigui só perde para o Ibirapuera entre todos os parques que já visitei. Quando você acha que acabou tem outra parte que você nem imaginava que existia. Mas assim, não é tão belo quanto o Ibirapuera, o Parque do Sabiá ou o próprio Jardim Botânico. É um parque funcional. Fundamentalmente para praticar esportes ou passeio ao ar livre sem grandes distrações. Há grandes lagos e há um córrego. Capivaras e cutias. Patos e marrecos. Martim pescador e tudo mais. Há uma grande pista pavimentada de caminhada e bicicleta. Há uma trilha para quem quer andar a pé ou de bike dentro de uma floresta (e que fomos só até o comecinho). Há parquinhos para crianças. Espaços para churrasco (não sei se liberam) e piquenique. Há várias quadras de, principalmente, areia, onde uma galera jogava vôlei ou beach tênis (que modinha, hein!) e virava tobogã de bicho geográfico. E é isso. Quando termina, precisa atravessar por um viaduto (dentro da área do parque) que passa embaixo da avenida e dá na outra parte do parque que, sinceramente, não chegamos a explorar. Mas dava para ver um lago imenso e mais outros espaços iguais aos que tínhamos visto. É realmente enorme e até cansamos de andar.

 

Um dos poucos lugares com mata fechada do Parque Barigui, Curitiba

Balneário Camboriú

Finalizado o rolê em Curitiba, partimos para Florianópolis. Mas acabamos saindo relativamente tarde da capital paranaense (após um almoço na casa de Danilo e Elis, amigos de Ana) e por isso atrasamos. Chegamos a parar em Joinville-SC para abastecer e comer alguma coisa. Contudo, preferimos não tocar direto até Floripa e paramos para dormir em Balneário Camboriú-SC. Por ser um local turístico, acreditávamos que encontraríamos facilmente um hotel tranquilo e barato para dormir, já que fazia frio na semana e o céu não estava para praia. Longe disso. Lembrando que não havia muito tempo desde que um ciclone havia passado pela região. Porém nos engamos. Depois de comer um hambúrguer (em uma hamburgueria cujo dono era um sósia do véio da Havan), rodamos bastante na cidade e não encontramos nada digno e justo. Ou era quarto compartilhado ou era cativeiro ou era com aquele preço candango: uns 300 por uma noite de sono. Daí resolvemos aceitar o convite de uma amiga que morava em Uberaba (Amanda) e que hoje vive com os pais aposentados em Balneário.

 

Fim do Deck do Pontal Norte, Balneário Camboriú

No dia seguinte, Amanda nos levou para conhecer a orla da cidade. E o que dizer sobre a “Dubai brasileira” que a direita farialimer daqui tanto louva? Bonita a cidade. Um tanto cafona? Sim. Tenta emular uma Miami? Também. Mas tem partes bonitas. Mas, claro, não estou me referindo àqueles prédios gigantescos sem sentido fazendo sombra na faixa de areia, aliás, aumentada artificialmente para fugir das sombras. Isso é tosco. Nem da própria praia em si, que é padrãozinho e o dia nublado não a ajudava. Também não me refiro à rampa que fizeram para lembrar uma Bervely Hills de baixo orçamento e nem à roda-gigante na praia. Breguíssima. G-zuis! Mas Amanda nos levou no Deck do Pontal Norte, que vai contornando parte da orla e chega até umas rochas (sim, essas naturais) e uma prainha, e que parece um pedaço do litoral caiçara. Ali é bonito, ali é bacana, ali eu queria estar.

 

Florianópolis

Dali a alguns quilômetros de rodovia e, passando a ponte, estávamos na ilha de Florianópolis. A ilha da magia, disseram. Tem um clima de cidade grande, uma vibe metropolitana, com trânsito relativamente caótico (não tanto quanto o de Curitiba) e transeuntes agitados. Pela primeira impressão achei a cidade bonita e isso se confirmou pelas praias. Eu diria que Florianópolis é peculiar. Quando se sai do centrão, dos pontos agitados nos arredores do centro e chega-se nos bairros, parece uma cidade pequena de interior. O trânsito fica mais lento, as pessoas menos agitadas e o clima turístico. É como se existissem algumas cidades dentro de uma. No meio da ilha, aparentemente há bastante preservação da natureza. É grandinha. Estávamos hospedados no litoral leste da ilha. Mas precisamente próximo à famosa praia da Joaquina, onde o Guga surfava. E, em um dos dias, fomos de carro no sentido nordeste da ilha. Possivelmente rodamos uns 40km mais ou menos até chegar no final. Nesse passeio constatamos que havia realmente várias cidades dentro da cidade de Floripa. O tipo de ocupação urbana vai se alterando conforme o setor (“igual a toda cidade”, você deve pensar), mas eles são separados uns dos outros por áreas florestais.

 

Pose de segurança na Barra da Lagoa, Florianópolis

Entre os lugares que visitamos e que me chamou a atenção pela beleza intimista está a Barra da Lagoa. Me pareceu menos turístico e mais de moradores e pescadores. Mas ali ao lado de uma pequena península (ou geograficamente seria um cabo?), desce um córrego de águas verdes da lagoa da Conceição que achei muito charmoso, lembrando os canais de Amsterdã (que um dia pretendo conhecer presencialmente). Da Barra da Lagoa passamos rapidamente pela Praia dos Ingleses e Canasvieiras, onde, nessa última, paramos para tomar um açaí e um café (cada um com os seus). Na Praia da Joaquina, sim, demoramos mais tempo. Gastamos um terço do dia mais ou menos nela. Que lugar bonito! É um combo de belezas: as dunas, a restinga, as rochas da praia e a praia em si. Andamos no meio da restinga como se estivéssemos gravando algum documentário da National Geographic. Bem, depois de ter algumas aulas sobre os domínios associados do bioma Mata Atlântica ficou mais “instigante” conhecê-los de pertinho. Nesse dia o sol resolveu abrir um pouco e fez um dia bonito, embora a temperatura ainda não nos convidasse para a água. No caminho em direção à Joaquina, logo depois de sair da pousada, aconteceu uma das coisas que mais marcaram essa viagem. Conto no próximo parágrafo.

 

Restinga da Praia da Joaquina, Florianópolis

Desde que comecei nesse rolê passarinheiro (observar e fotografar aves) que qualquer passeio ao ar livre se torna pretexto para procurar os penosos mais diferenciados. E nessa viagem para o sul não foi diferente. Contudo, devido ao frio e mau tempo, não nutria grandes expectativas. No entanto, esperava que, pelo menos, conseguiria avistar a Gralha-Azul, ave símbolo do Paraná e cujo prato principal (se é que podemos dizer assim) é o pinhão da araucária. Pois bem. Em Curitiba, nada de avistar a famosa gralha. Nem na cidade, nem nos parques em que fui. Decepção. Vi outros pássaros, mas nada demais. Descobri que Curitiba é a capital dos sabiás-laranjeiras. Estão em todos os lugares. Enfim, acabei desencanando da gralha. Me dei por vencido. Florianópolis estava fora de cogitação. Sabia que a área da gralha era restrita e pelo fato de ter sido um animal em extinção nos anos 90, inferi que minhas chances eram baixíssimas. Eis que, no dia do passeio na Joaquina, logo que saímos da pousada, começamos a ouvir um barulho diferente de pássaros e que logo nos chamou a atenção. Ana teve olhos mais atentos do que os meus para observar que, provavelmente, se tratava de uma gralha-azul. Uma nada! Era um bando delas. Cantarolando aos quatro ventos e comendo a semente do pinheiro (o pinus, não a araucária). Aí eu fiquei maluco. Bicho inquieto e difícil de fotografar. O céu nublado e a ausência de luz nessa estradinha não ajudavam, mas, ainda assim, foi possível tirar algumas fotografias para registro. Posteriormente, ao subir a foto no Wikiaves, descobri centenas de registros da gralha-azul em Floripa. Muito mais do que em Curitiba. Desconhecimento meu. O recepcionista da pousada revelou que elas realmente são muito comuns em Florianópolis e que, “infelizmente, se adaptaram à vida urbana da ilha, comendo de um tudo, inclusive lixo” (palavras dele).

 

Gralha-azul, Florianópolis

Trilha da Lagoinha do Leste

Já que a temperatura não ajudava entrar na água, a ideia era realizar uma trilha no último dia em Florianópolis. Demos uma olhada e decidimos fazer a trilha da Lagoinha do Leste, sentido sul/sudeste da ilha. Fomos até o último bairro residencial de carro, Açores, demos uma olhada (praia bonita, mas moradia de burguês) e voltamos para o bairro Pântano do Sul, onde começamos a trilha. Na verdade, havia duas opções, uma que passa pela Praia do Matadeiro, que nos disseram ser mais fácil, entretanto, mais demorada. E outra, pelo Pântano do Sul, mais íngreme, difícil, porém (supostamente) menos demorada por ser mais curta. Até fomos à Praia do Matadeiro colher informações. Mas vocês sabem bem qual das trilhas escolhemos, né? Não sei se por cálculo equivocado (leia-se “burrice”) ou espírito aventureiro (ou as duas coisas). Lá vamos nós sem almoço pelo lado do Pântano do Sul. O início é tranquilo. Para quem já fez alguma trilha na vida, é suave. Mas daí você anda, anda, anda e não chega ao destino final (que é um mirante). A trilha começa a ficar difícil. Trechos íngremes. Pedras e mais pedras. Raízes, mais raízes. Há várias bifurcações e por diversas vezes achávamos que estávamos perdidos. Desorientados, sem dúvidas. Desconfiados que estávamos indo no caminho errado, sempre. Obviamente, devido ao tempo e ao avançar das horas, só tinha a gente nessa trilha. Mas enfim, depois de muita suadeira, indecisão e arrependimento, chegamos ao mirante Morro da Coroa. E aí, meus amigos, é o seguinte: simplesmente fenomenal! Muito alto. Uma das vistas naturais mais bonitas que tive. Rivaliza com a beleza do lago Titicaca no alto do Cerro Calvário. Ao norte, avista-se a Praia da Lagoinha do Leste, desértica. Antes dela, um rio serpenteia entrecortando a Mata Atlântica preservada. Ao leste, a imensidão azul do oceano Atlântico. Valeu toda a dor e sofrimento.

 

Morro do Coroa, fim da trilha Lagoinha do Leste, Florianópolis

A volta foi bem mais rápida do que a ida, agora que sabíamos o caminho. Sabe como é, para descer todo santo te empurra. Chegamos por volta das 17h30 no vilarejo do Pântano do sul, varados de fome. Por coincidência, paramos em um restaurante tradicional do bairro. Trata-se do Bar do Arante. Funciona desde a década de 70. Pagamos barato numa porção de peixes com arroz e outros acompanhamentos. A despeito da fome, veio tanta comida que não conseguimos finalizar tudo. Este restaurante possui uma característica especial. Cada visitante escreve um bilhetinho, um recado, uma frase em um papel e prega na parede. E lá fica. Portanto, havia milhares de bilhetes espalhados pelas paredes. De gente de tudo quanto é canto do Brasil e até do mundo. Um bilhete provavelmente escrito em turco (?). Recados de amor. Pensamentos de (suposta) sabedoria. Frases de para-choque de caminhão. Provocações. E por aí vai. Tinha tanto bilhete que faltava espaço para pregar mais algum. Por isso não deixamos nada senão nossos mirréis justamente pagos pelo almoço às 18h.

 

Janela do Bar do Arante, Florianópolis (isto não é um quadro)

Guarda do Embaú

Passamos nossos dois últimos dias de viagem sulista em Guarda do Embaú (uns 70km da Praia da Joaquina), uma vila dentro da área municipal de Palhoça-SC. A ideia era conhecer o local que havia sido bem recomendado (Elis e meu primo Vinícius tinham falado muito bem) e aproveitar mais trilhas. Sim, não aprendemos nada com todo o martírio que havíamos passado há pouco. Nas suas devidas proporções (bem menores), Guarda do Embaú se assemelha a Pipa ou qualquer um desses vilarejos praianos hippie-chique. Bonitinha. Ficamos em um chalé ajeitado.

No mesmo dia de chegada decidimos fazer uma trilha. Só para esquentar os pulmões. Vale da Utopia. Nossa anfitriã recomendou que fôssemos costeando a orla da praia, passando na lateralzinha que iríamos chegar ao vale. Lá fomos nós. Primeira parada, um conjunto de rochas chamada de Panorama, de onde há uma bela vista. Subindo e descendo morros da restinga, fomos passando em prainhas e enfrentando um sol estatelado. Até que chegou uma parte do relevo que não havia mais praia, nem rochas espraiadas. Era preciso subir um morro de gramíneas e uma leve erosão. Um cachorro apareceu do nada e começou a nos acompanhar. Mais na frente, ao passarmos por uma cerca: bois e vacas (!). Não lembro de ter visto criação de vaca do lado da praia. Depois dessas vacas, arbustos e mais arbustos. Seguimos. De repente nos afastamos do trilheiro (caminho por onde passam animais) e as árvores começaram a aumentar de tamanho e a mata se fechar. Pronto, estávamos perdidos. Na verdade, eu, particularmente, estava exausto nesse dia. Não havia dormido bem na noite anterior e talvez nem me recuperado completamente da outra trilha. Além disso, carregar uma mochila com uma câmera de três quilos, torna tudo mais puxado. Arreguei. Não quis tentar achar outros caminhos como Ana gostaria. Voltamos. Decepcionados por não termos chegado ao destino almejado.

 

Cenários que se avistam a caminho do Vale da Utopia, Guarda do Embaú

No dia seguinte, logo bem cedinho, fomos ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro com o intuito de encontrar alguns penosos. Não achamos nada. Nem as antas que costumam ser fotografadas estavam de bobeira. Mas foi bacana conhecer o parque e bater um papo com os monitores, uma bióloga (e sua filhinha “assistente”) e um ecólogo. Depois voltamos para terminar o que havíamos começado sem finalizar no dia seguinte: Vale da Utopia. Desta vez com um roteiro diferente. Em vez de fazer o acesso pela Praia da Guarda, fomos para o outro lado, pela Praia da Pinheira (Pinheira é outra vila, paralela à Guarda do Embaú, onde há várias praias também). Deu certo, fomos pulando de pedra em pedra até a Ponta das Andorinhas. Tiramos umas fotos nesse belo local que possui variadas formações rochosas feitas pelo bater das ondas e, depois, seguimos subindo o morro pela trilha. Nos perdemos um pouquinho, encontramos um casal também perdido, atravessamos fazendas, mas dali a poucos minutos estávamos chegando ao Vale da Utopia. De fato, muito bacana. Mas já tínhamos ido a outros lugares tão ou mais belos nessa viagem e por isso nosso padrão estava alto. O nome promete demais.

Nesse mesmo dia, já cansados, pensando somente em tomar um chopp de leve e ficar na orla da Praia da Guarda, fomos fazer isso. Só que aí avistamos uma placa sinalizando a subida para a Pedra do Urubu. Outra trilha! Outro mirante! Mas já começava a entardecer. Umas 16h por aí. A gente sem água, sem vestimenta nem calçado adequado (Ana portando uma havaiana genérica). Copo de chopp na mão. “Ah, bora nessa bagaça”. “Já que estamos aqui mesmo”. Frases ditas antes da desgraça acontecer. É verdade que eram só 30 minutos. Mas a escalada era íngreme e tortuosa. Tinha uma galera morrendo de canseira no meio do caminho. Para a gente, depois de todas as aventuras com trilha, essa foi a mais leve. O álcool deve ter ajudado. Menos de meia hora estávamos em cima do morro contemplando uma vista maravilhosa para a praia, a vila e o oceano. Na descida, Ana foi desafiada e resolveu entrar cinco minutos no mar gelado. Fechamos com glória Guarda do Embaú.

 

Alto da Pedra do Urubu, Guarda do Embaú

Praia do Rosa

“Mais praia? Não cansa, não?!” O passeio no Parque da Serra do Tabuleiro nos rendeu uma informação que nos escapava. O ecólogo que lá trabalhava nos disse que estava em temporada de baleias (período em que as baleiras-francas vêm para o litoral brasileiro) e que seria fácil avistá-las. Ele falou sobre um aplicativo no celular que seria possível fazer esse monitoramento. Baixamos. Havia registros de avistamento a uns 80km de Guarda do Embaú, sentido sul, na cidade de Imbituba-SC. Mais precisamente na Praia do Rosa. Daí isso se tornou nossa última missão. Com o mesmo espírito de “ah, já estamos aqui mesmo, bora!” acordamos bem cedo, fechamos a conta no chalé, botamos as malas no carro e seguimos para a praia das baleias. As expectativas eram baixas e nos questionamos dessa decisão algumas vezes, já que o objetivo era voltar para casa (melhor dizendo, para Passos) nesse mesmo dia. Fazia sol, era perto das 9h quando chegamos na praia. Uma galera lançava as vistas ao mar para ver se flagrava alguma coisa. Esse evento é realmente um evento. Em nossa defesa, não era só a gente de “bobo” ali, não. Havia outros. Uns 20 minutos depois de espera, eis que surgem partes da baleia a uns 500m de onde estávamos. Ela estava tímida. Só deixava parte do corpo de fora. Depois mergulhava, desaparecendo de nossos olhares. Ainda assim, foi uma experiência ímpar avistar uma baleia. Cara, é uma baleia! Saímos felizes e recompensados. Missão cumprida. Uma alegoria de toda essa viagem pelo litoral catarinense: entregou mais do que esperávamos. O pouco que foi muito.

 

....

Escrito em: 18 e 30 set.

De Minas a Porto Seguro

 

Devoramos concreto e asfalto

Foram mais de 1700km na ida. De carro. Eu e Ana. Sem dúvidas a viagem mais longa que fizemos dirigindo. Atravessamos de Passos-MG (onde passamos o natal), sudoeste mineiro ao sul baiano. Mas sem passar pelo caminho mais curto. Por vários motivos: 1) evitar a região metropolitana de BH, intensamente movimentada; 2) evitar a região do Vale do Rio Doce e do Vale do Mucuri, devido à inviabilidade de algumas estradas, interditadas por causa de fortes chuvas; 3) desviar de um trecho do nordeste de Minas (oficialmente parte final do Jequitinhonha mineiro), de Almenara-MG a Eunápolis-BA, onde havia mais de 100km de estrada de terra, na ocasião, pura lama. Entretanto, os obstáculos 2 e 3 só foram descobertos pouco antes de iniciar ou durante o percurso.

Digamos que o “Plano A” era rodar pelos vales do Rio Doce e do Mucuri, inclusive, parar em São Mateus-ES e curtir a primeira praia. O problema é que, em dezembro, parte da cidade ficou inundada, literalmente embaixo d’água, como vários municípios capixabas, mineiros e baianos. Fomos para o “Plano B”. Ir de Passos a Diamantina (560km) no primeiro dia e lá pousar. Depois Diamantina até Almenara (493km), passar a noite. E, no último dia, Almenara a Porto Seguro (250km). Ainda não sabíamos das condições da estrada ou sequer da ausência de pavimentação em partes da última rota. O projeto era uma viagem de três dias sem correria, sossegada, fotografando pássaros, parando onde quiséssemos.

Não deu certo. E a viagem se tornou uma epopeia. Em razão das chuvas, de alguns trechos de rodovias ruins entre o oeste de Minas e a central mineira, rodamos 592km no primeiro dia (somando um retorno que, alertados por frentistas de Vargem Grande, tivemos que fazer devido a uma tentativa equivocada de atalho que nos levava a estrada de terra após o município de Papagaios). Após sair de Passos, às 10h, almoçamos em Formiga (67 mil hab.), passamos na lateral de Divinópolis, Pitangui e Martinho Campos, fizemos um lanche em um posto de Pompéu e paramos para dormir em Curvelo (80 mil hab.), já perto das 21h. Ou seja, nem ao menos conseguimos chegar a Diamantina.

No dia seguinte, saímos às 9h30 de Curvelo com ideia de fazer uma parada em Diamantina. A estrada é cheia de curvas, mas com poucos buracos e uma vista sensacional das montanhas. Paramos para almoçar e também conhecer a cidade histórica de Diamantina (48 mil hab.), com suas ruas calçadas de pedras, seus casarões e igrejas e a rica cultura mineira do Vale do Jequitinhonha. Assim fizemos. Almoçamos e conhecemos a Casa de Chica da Silva, onde agora também é o Museu do Diamante. Foi bacana conhecer, mas nada demais, poucos artefatos.

Diamantina, do alto do mirante na saída norte

Era 14h30 quando retornamos à estrada. E aí, pouco a pouco, os buracos na pista foram aumentando em número e tamanho quanto mais nos afastávamos de Diamantina. Até Turmalina (19 mil hab.), onde paramos para comer um pão de queijo que minha sogra havia feito no natal, o trecho estava aceitável. Porém deste ponto em diante, chuva, escuridéu, falta de sinalização e buracos. Isso sem falar nas corrutelas preenchidas de ladeiras que tivemos que atravessar pelo meio, com asfalto esburacado ou toda assentada em grandes pedras. Depois de rodar por horas e horas a região do Jequitinhonha, concluímos que não daria para chegar em Almenara neste dia. O ponto de descanso passou a ser Araçuaí. Antes de chegar lá, os moradores do pequenino município de Berilo (12 mil hab.) gritaram de um bar ao nos verem pegando a estrada para Virgem da Lapa (era o traçado pelo Google Maps). Nos alertaram a passar por Francisco Badaró (10 mil hab.), onde a estrada estaria melhor e pavimentada. O trecho entre F. Badaró e Araçuaí não era extenso (40km), mas pareceu infinito por causa do cansaço e da chuva. Chegamos exaustos às 21h em Araçuaí (36 mil hab.), tendo rodado 450km desde Curvelo. Foi o tempo de encontrar uma pousada e dormir.

Apesar dos problemas, se continuássemos na mesma toada, rodando 450km, chegaríamos em Porto Seguro. Contudo, antes de dormir em Araçuaí, fui alertado pelo Tiago Caminha (um colega professor de geografia com quem trabalhei no Amapá e que atualmente mora em Almenara) que a estrada para Porto Seguro estava péssima. Havia ocorrido uma inundação do Rio Jequitinhonha semanas atrás e os cem quilômetros de terra viraram um lamaçal ardiloso. Foi então que decidimos mudar o trajeto. Fazer um desvio, dar uma volta passando por Vitória da Conquista-BA, a fim de contornar esse obstáculo.

Conseguimos sair mais cedo desta vez, às 7h55 já estávamos no volante. Entretanto, a rodovia entre Araçuaí e Itaobim estava horrível. As piores condições de estrada que enfrentamos, sobretudo no trecho até Itinga. Eram milhares de buracos, enormes, largos, profundos. Para não estragar o carro e ter que lidar com mais problemas (os que tínhamos eram suficientes!), fomos devagarinho, desviando das crateras lunares. Gastamos mais de 2h para rodar 75km. No percurso, nas entradas de cidades e vilarejos, vimos muitas pessoas, crianças, idosos, homens, mulheres tapando os buracos com terra e pedindo dinheiro pelo serviço. Cabe aqui observar que são escancaradas a pobreza, a falta de infraestrutura e o descaso governamental com boa parte da região do Jequitinhonha, Mucuri e norte de Minas Gerais. Passamos por vilarejos paupérrimos, mais pobres do que o trecho em que rodamos pelo sertão baiano.

Contudo, de Itaobim-MG (21 mil hab.) até Vitória da Conquista-BA (343 mil hab.) o asfalto melhorou consideravelmente. Se comparado à estrada anterior, praticamente um tapete. Por isso conseguimos acelerar e encontrar restaurante aberto para almoço em Vitória da Conquista (chegamos às 14h na churrascaria Trilha do Sul). Essa pernada até a Bahia nos deu tranquilidade para seguirmos. Mas agora tínhamos que descer a Serra do Marçal. Realmente, curvas acentuadas, porém a estrada estava ótima e o trânsito brando. Fizemos um lanche em Itapetinga (76 mil hab.), “no melhor café do país”, e seguimos. O atendente do café nos recomendou uma estrada recém-pavimentada, diferente da que indicava o Maps, passando por Maiquinique (9 mil hab.). Fomos na (boa) dica. Pegaríamos ainda um trecho muito complicado entre Itarantim e a BR-101, com muita chuva, zero sinalização e buracos. Em um dos morros desse trecho, cheio de buracos, avistamos um capotamento que, provavelmente, havia acabado de ocorrer. Depois foi enfrentar a movimentada BR-101 até Eunápolis (115 mil hab.) e, por fim, uma pista tranquila até Porto Seguro, onde chegamos às 23h, depois de rodar 710km neste dia. Chegamos exaustos e famélicos, mas com sorte. A galera goiana nos recebeu com um churrasco. Uma delícia.