Ilha do Marajó (Soure e Salvaterra)

 

Com a pandemia esse blog ficou às moscas. Em meio ao vai-e-vem das medidas sanitárias (des)recomendadas e do caos político e econômico que se acentuou no país, as viagens foram canceladas. Sem viagem, sem relato de experiência de viagens. Tanta coisa se passou desde a última “viagem para valer” (janeiro de 2020) até o momento atual (julho de 2022) a nível pessoal que até perdi o pique da escrita... Após dois anos morando no Amapá, consegui a transferência de trabalho e voltei a morar em Minas Gerais (desde então estou no Alto Paranaíba, em Patos de Minas), me casei com a companheira de viagens (figurinha frequente neste blog), perdi minha mãe este ano.
 
Com as três doses da vacina contra covid-19 já amplamente distribuídas e aplicadas na maior parte da população, os óbitos diminuíram e as janelas para viagens foram reabertas. Coincidentemente, minha primeira viagem pós-quase-fim-da-pandemia foi um retorno à região norte. Naqueles dois anos morando no Amapá, tive algumas recomendações de colegas de trabalho e conhecidos sobre os encantos da Ilha do Marajó. Precisamente por ser perto do Amapá, não me apressei em ir. Obviamente não contava com as mudanças abruptas e repentinas. De toda forma, a espera chegou ao fim e finalmente matei a curiosidade sobre a ilha. Agora posso dar meu veredito se vale a pena ou não. Vamos lá, a ideia como sempre é fazer um relato do passeio e contribuir para quem quer saber sobre como se chega ao Marajó, quanto custa e as condições de hospedagem e alimentação.
 
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A Ilha do Marajó pertence ao estado do Pará e está localizada ao norte da capital Belém. É extensa e possui mais de 40 mil km² (mais do que a Bélgica, por exemplo, que tem 30 mil km²). Apesar da floresta amazônica estar, em geral, preservada na região, há dezenas de pequenos municípios. Acredito que os mais turísticos são Soure (que se autointitula “a capital do Marajó”) e Salvaterra, ambos próximos de Belém e com cerca de 25 mil habitantes cada um. Há outros “lados” e acessos à Ilha de Marajó, como os munícipios de Afuá (é preciso ir primeiro para Macapá, neste caso) e de Breves.
 
Trajeto, hospedagem e alimentação
 
Para chegar a Soure/Salvaterra, é necessário ir até Belém. Foi o que fizemos. Eu e Ana saímos de Patos e passamos em Paracatu para buscar uma amiga (Natália) que também viajou conosco. Pegamos um avião partindo de Brasília: mais ou menos 2h30 de voo até Belém. Da estação hidroviária de Belém, há barcos saindo diariamente para a Ilha do Marajó (que os paraenses chamam de lancha). São 2h de viagem até Salvaterra e mais 15min até Soure. Pagamos 56,00 reais nesse trajeto. Os barcos saem cedinho e é necessário comprar a passagem com antecedência em feriados e férias, porque lota rápido. No dia em que fomos, a maré estava calma e o barco atravessou as baías do Guajará e do Marajó sem muito chacoalhar.

Ana embarcando rumo à Ilha do Marajó


 
Primeiro, o barco atracou em Salvaterra e deixou alguns passageiros. Em 15min ou menos já estava aportando em Soure, onde ficamos hospedados. Por ser uma cidade pequena, não há tantas opções de hospedagens como em litorais badalados. Geralmente não nos importamos com luxo, afinal, ficamos em hotéis e pousadas mais simples. Desta vez, para variar um pouco, eu e Ana nos hospedamos em uma pousada que havia sido bastante recomendada pelos blogueiros: o Canto do Francês. Foi uma estadia tranquila, em um lugar bonito com jardins bem cuidados e noites silenciosas, serviam um bom café da manhã (coisa da qual Ana não abdica) e estava relativamente próxima ao centro da cidade. Não saiu necessariamente barata a hospedagem (240,00 reais o quarto), mas entre as opções disponíveis na alta temporada, foi a que mais nos agradou. Natália ficou em um hostel mais baratinho, porém com quarto e banheiro compartilhados entre os hóspedes.
 
Com relação a alimentos e bebidas em Soure e na praia, estava dentro do preço. Nem muito caro, nem muito barato. Talvez barato se considerarmos os preços exorbitantes de algumas praias brasileiras. Na praia pagamos em média entre 60 a 80 reais em um prato que servia de duas a três pessoas. Cerveja entre 9 a 12 reais (em um bar onde a cerveja era mais cara da cidade custava 15 reais). À noite comíamos um sanduíche com hamburguer de búfalo que valia também 15 reais. Nesse caso, muito barato, se compararmos com a inflação atual no Brasil. Depois volto a falar sobre comida.
 
Praias de Soure
 
Das cinco praias mais conhecidas de Soure, fomos a quatro delas. No primeiro dia, depois de almoçarmos na cidade, fomos à praia de Barra Velha. Ela fica a 5km do centro. Devido ao calor e sol forte do Pará não recomendo ir a pé. Restam as opções táxi, moto-táxi ou bicicleta. Alugamos duas bikes na pousada por 15 reais/cada. Pensa em uma bicicleta ruim! Foi a que eu peguei. Suei litros para carregar Ana na garupa. Ela, obviamente, se divertiu. Enfim. Ao chegarmos à Barra Velha tivemos uma amostra do que encontraríamos na Ilha do Marajó. Um cenário realmente diferente das praias comuns que estamos acostumados. Isso porque é praia de baía (da Baía do Marajó), onde as águas do rio começam a se misturar com as do Atlântico. Então é comum ver, além dos mangues próximos, também árvores grandes e muitas raízes de fora do solo na beira da praia. A coloração da água está longe de ser aquele azul/verde clarinho como as praias do nordeste, mas, em compensação, sua temperatura é bem quentinha (mais do que as do litoral nordestino que conheci). Neste mesmo dia, fomos aconselhados pelo garçom do bar “Pai D’Égua” sobre o cuidado com correntezas e arraias. Na mesma semana, um rapaz havia sido ferroado por arraia, que são muito comuns nas praias do Marajó. A partir daí não entramos mais sem arrastar os pés no chão. Do outro lado da Praia de Barra Velha, atravessando um rio, estava a Praia de Araruna (totalmente vazia no dia). Mas descobrimos tarde e não fomos.

Praia de Barra Velha (Araruna do outro lado do rio)


 
No dia seguinte, alugamos três bicicletas desta vez para irmos à famosa Praia do Pesqueiro, a mais recomendada de todas. Dista a 11km do centro. É uma boa pedalada, viu! Todo o percurso é asfaltado, mas o sol dá uma castigada. Se for, leve água. No caminho há alguns sítios e fazendas que alguns turistas pagam para visitar. Não foi o nosso caso. A praia do Pesqueiro é muito bonita e se aproxima mais do que conhecemos como praia, entretanto, conservando a floresta amazônica ao fundo e com águas nos mesmos tons aos da Barra Velha. Em vez de guarda-sóis convencionais, barracas feitas de madeira e cobertas de palha. Algumas no formato de palafitas, com redes para deitar. Uma delícia. Acho que foi o lugar que mais gostei. A praia não estava tão cheia e resolvi caminhar sozinho alguns quilômetros na longa e extensa faixa de areia para fotografar pássaros. Vi muitas garças, biguás e urubus (esses últimos extremamente abundantes em toda a ilha).

Praia do Pesqueiro (vista da cabaninha)

 
Além de urubus, a quantidade de búfalos também é abundante. Eles estão por todo o lado, próximos às praias, nas fazendas, nos brejos (também são muitos) e até no meio da cidade. São como vacas na Índia, exceto pelo fato de serem explorados em todos os sentidos (carne, queijo e transporte). Foram introduzidos na ilha por pecuaristas, já que se adaptam melhor ao terreno e ao clima úmido. Em algumas praias, como a do Pesqueiro, chegam a oferecer passeio de búfalo. Mas ninguém do nosso grupo se empolgou com a experiência.
 
Finalizada a visita ao Pesqueiro, depois de sofrer um bocado com bicicletas capengas, ninguém mais queria saber de pedalar no próximo dia. Tivemos que recuperar as nádegas (ufa!) por um ou dois dias e, aí sim, retornar ao selim. Até porque a próxima praia de Soure seria ainda mais distante: 16km até a Praia do Céu. Mas enfrentamos. Quer dizer, eu e Ana. Neste dia, Natália acordou tarde e foi de moto-táxi. Foram sofridos esses 16 quilômetros. Um sol de rachar coco. Haja água e paradinhas. A maior parte da estrada é de terra. Depois de vencer o trecho mais ruim e ensolarado, entra-se na renomada Fazenda Bom Jesus. Um local imenso, com muitos brejos, lagoas e pântanos que abrigam desde os famosos guarás a jacarés. Realmente um lugar muito bonito. Porém, ao entrarmos na fazenda (o único acesso até a praia), o porteiro nos avisou que a proprietária (uma desembargadora) proíbe fotografias! Loucura total. Coisas do Brasil profundo. É claro que a gente infringiu a “lei”.


Um dos pântanos da fazenda Bom Jesus


 
Depois da fazenda, a estrada continua, mas agora com uma densa floresta quase cercando o céu. Aí torna-se menos pesado o passeio. Poucos quilômetros a frente, chega-se à belíssima Praia do Céu.  No horário em que chegamos (12h), encontramos uma faixa de areia imensa a perder de vista. Formação de muitos bancos de areia e provisórias lagoinhas com água esquentada pelo sol. É preciso ir preparado a essa praia, pois só existem duas lanchonetes. É uma praia roots, com bem menos turistas. Nada de várias barraquinhas e presepadas comuns de praias. Ao caminhar alguns metros pela faixa de areia à esquerda, acessa-se à desértica Praia Caju-Una. Também de uma beleza sem igual, porém o cheiro forte da matéria orgânica que o rio despejava nas águas da baía não a tornava muito convidativa. Além desse fato natural, havia uma considerável quantidade de lixo e plástico nessas duas praias. Diz-se que, pelo movimento das correntes marítimas, o litoral do Marajó, assim como o do Amapá, recebe muito do lixo que é despejado no oceano em alhures.

Praia do Céu


 
Praias e igarapés em Salvaterra
 
No interstício das visitas às praias de Soure, visitamos a cidade de Salvaterra. Para chegar a ela partindo de Soure, há as opções de barquinho, balsa ou rabeta. Fomos de barquinho porque custa 6,00 reais a ida e deixa na orla da Praia Grande da cidade. O barquinho não é exatamente o veículo mais seguro e confiável (até porque em um dos trajetos o piloto foi bebendo e em outro dirigiu com o pé. Isso mesmo!), mas é um dos meios de transporte dos moradores e correu tudo certo. Embora seja praticamente do mesmo tamanho de Soure, a impressão inicial que tivemos de Salvaterra foi a de que a cidade possui maior preocupação com infraestrutura e organização. Para terem uma ideia, em Soure não vimos nenhum motociclista usando capacete. Nenhum mesmo. A orla da Praia Grande é bonita e não perde em nada para cidades turísticas praieiras pelo Brasil afora. Antes de chegar à praia, que é urbana, passa-se por cima de um igarapé – comuns na região. Das praias do Marajó, as de Salvaterra são mais próximas a praias convencionais. Maré mais forte, algumas ondinhas, barraquinha para caramba, som alto (isso tinha em quase todo o lugar) e muita gente.

Orla da Praia Grande


 
Neste mesmo dia resolvemos conhecer um dos igarapés de Salvaterra: o do Charles. Fica dentro de uma propriedade, mas a galera entra na faixa. Embora o banho de igarapé seja um costume típico (inclusive com oferta de passeios para turistas), o igarapé do Charles não era dos mais conhecidos. A taxista Josi que nos levou até lá, por exemplo, não o conhecia. Porém, encorajados por uma aventura marajoara, fomos. Havia umas três famílias tomando banho no local que, falando sinceramente, era mais bonito em fotos do que ao vivo. Mas já que lá estávamos e o calor não dava trégua, entramos n’água.
 
Igarapé do Charles



Para encerrar o roteiro de Salvaterra, na véspera da partida, em um baita domingo, fomos conhecer a Praia de Joanes. Ela fica a 20km do centro da cidade e desta vez nada de bicicleta. Até porque tínhamos pouco tempo. A taxista Josi nos cobrou 70 reais para nos levar e buscar. Ao chegarmos tivemos uma surpresa negativa. A praia estava abarrotada de gente. Gente demais. Parecia Copacabana em alta temporada. Felizmente encontramos um restaurante que ainda servia almoço na cidade, porque ali na praia seria impossível. Após almoçarmos, fomos caminhando das Ruínas de Joanes (pedaços de pedra de uma antiga igreja jesuíta que não recomendo), passando pelas rochas da encosta até a praia. Estava tão movimentada como quando chegamos e o cenário era basicamente o mesmo ao da Praia Grande. Talvez com ondas mais fortes devido aos ventos, pois armava-se uma tempestade.
 
Praia de Joanes (essa parte estava mais vazia no fim de tarde)

Experiência na Ilha do Marajó
 
Achei muito massa passar uns dias na Ilha do Marajó. Não exatamente pelas praias, pois as do nordeste e as do litoral caiçara são indiscutivelmente mais bonitas. O que se encontra no Marajó é justamente “o encontro” com um outro Brasil. São ricas as experiências cotidianas em um vilarejo rústico, com moradores que, em geral, dentro de toda aquela humildade característica de cidade pequena, são simpáticos e fazem o possível para te ajudar. Também tem seu valor poder andar calmamente sem se preocupar em ser assaltado ou enganado. É claro que, pelo turismo ser uma das principais fontes de renda, alguns deles também querem ganhar dinheiro e vão te oferecer passeios. Mas sem comparação com determinados locais turísticos. O calor, o sotaque, as comidas, as músicas se assemelhavam bastante com o Amapá. Contudo, a ilha possui um clima de hospitalidade diferente que torna as coisas simples especiais.


Nat, Ana e eu tomando uma tijuca na Praia Grande

 
Para quem curte música e dança regional, há o carimbó: manifestação cultural herdada dos indígenas e africanos escravizados que viviam na Ilha do Marajó durante o período colonial. Semanalmente ocorrem eventos de carimbó que reúnem moradores e turistas. Além do carimbó, existe também uma produção artesanal das cerâmicas marajoaras, que remonta às primeiras sociedades indígenas que habitavam a região amazônica e que fazem parte da história do “Brasil” antes da conquista portuguesa. Ana e Natália foram conferir ambos: o carimbó e a cerâmica.
 
E tem a culinária. Essa realmente vale um parágrafo a parte. Para quem se abre a algumas das possibilidades, trata-se de uma verdadeira experiência gastronômica uma viagem ao Marajó (não precisa nem comer o turu!). As frutas da região dão sucos deliciosos. As tapiocas são sempre muito boas. Desta vez, experimentei uma crepioca, ainda mais macia e apetitosa. O queijo do leite de búfala é bastante comum e também muito gostoso. Havia experimentado a muçarela de búfala em Macapá (e não gostei tanto como a de vaca), porém o queijo fresco, em si, não perde em nada para o tradicional queijo-minas. Também comemos carne de búfalo e, olha, praticamente não dava para perceber a diferença para a carne bovina. Em geral, acho a carne de búfalo mais musculosa e rígida. Mas desta vez, não achei. Natália, por exemplo, comeu sem perceber um hamburger de búfalo achando que era de vaca. Mais do que isso, tem os peixes da região que o pessoal do norte sabe preparar como ninguém. É o peixe sem aquele gosto forte de rio ou mar. Sem o “pitiu”, como eles dizem. Eu e Ana comemos peixe quase todos os dias.
 
Neste tópico, vale mencionar também nosso almoço com peixe frito e açaí, no Mercado do Ver-o-Peso, ao passarmos por Belém (e que nos custou um total de 20,00 reais). O filé de filhote estava ótimo, já o açaí, meio aguado. E antes de pegar o avião de volta a Brasília, almoçamos em um restaurante perto da Praça da República em Belém. Peixe de novo. Uma caldeirada com pescada amarela e camarão. Maravilhoso de bão.
 
Caldeirada com pescada amarela e camarão


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Escrito em jul. 2022