Aracaju, Mangue Seco e Piranhas: além da linha sergipana

 

É possível dizer que essa viagem para Aracaju começou quando minha amiga Nádia foi realizar seu mestrado na universidade federal do Sergipe e me convidou para visitá-la. Isso aconteceu por volta de 2015. Contudo, as histórias que Nádia contava de Aracaju e arredores (Laranjeiras) não eram precisamente convidativas, apesar das belezas naturais e etc. Mas talvez essa viagem tenha começado mesmo, nos idos de 2008, quando um colega de trabalho de Uberlândia conheceu uma garota de Aracaju pela internet (ainda no império do Orkut e MSN) e resolveu bater lá. Fez valer o apelido que lhe foi atribuído pelo pessoal da empresa: Trakinas. Foi de ônibus. Ele adorou a cidade e me fez imaginá-la. Nunca tinha ido à praia. Nem ele, nem eu. Falou que as pessoas eram muito gentis e hospitaleiras. Ficou impressionado com um gigantesco caranguejo na orla. Ou esse monumento do caranguejo é recente e minha memória está querendo me iludir? Não sei. Sei que tenho a vívida lembrança de ele dizer que havia ganhado de presente da família da moça uma garrafa de pinga com um caranguejo dentro. Talvez não tenha sido a intenção dos nativos, contudo essa seria uma metáfora perfeita para o romance imperfeito de uma sergipana e de um mineiro sem um tostão no bolso. Não ia dar certo. Ele era o caranguejo. Podia se entorpecer ali dentro. Mas não haveria mais caminho além disso. Enfim, chega de “viagem” e vamos falar da viagem, que é isso que você, leitor(a), está esperando. 

Bando de maçarico-branco na praia de Coroa do Meio, Aracaju


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Nádia se mudou do Sergipe, mas tornei a receber outro convite para a visitar o menor estado brasileiro. Desta vez de Raquel, a goiana com quem trabalhei no Amapá e que, depois, migrou a trabalho para as terras sergipanas. Ela, sim, se encantou por Aracaju no mesmo nível que o de Trakinas. Nesse sentido, eu e Ana (com quem divido amor, boletos e viagens) tivemos sorte de ter uma amiga e guia turística radicada. Isso ajudou especialmente porque a viagem foi programada às pressas.


Dia 01. Assim que pisamos os pés no aeroporto de Aracaju (partindo de Brasília) fomos recebidos por Raquel, Luciano e Luís Otávio (respectivamente, marido e filho de Raquel). Uma recepção goiana no nordeste. Dali a poucos minutos já estávamos percorrendo de carro uma parte da infinita orla de Aracaju. Isso é realmente impressionante. Eu e Ana estávamos com a vã ilusão de conseguir andar tudo aquilo de bicicleta, como havíamos feito certa vez em João Pessoa. De cara percebemos que seria inviável. Deve dar uns 40 quilômetros de ciclovia, contando ida e volta. Sem falar no calor escaldante que, numa certeira expressão de Luciano, nos açoita logo de manhãzinha. Pois é. Tenho a impressão de que o segundo sol, do qual falava Cássia Eller na música, já chegou em Aracaju. Nesse passeio, por já ser no final da tarde, início da noite, deu somente para colocar o pé na areia e sentir a temperatura morna da água. Além disso, ficou claro que a faixa de areia da praia era extensa. Das maiores que já conheci.

Nesse mesmo dia, já à noite e depois de um banho, conhecemos dois bares. Uma churrascaria que tocava rock clássico e o famoso bar Cariri, típico da cultura nordestina. Como posso definir esse bar? Caótico? É por aí. Tudo acontece ao mesmo tempo no mesmo lugar. Eu não sabia, mas essa seria uma alegoria de Aracaju, no sentido de figura de linguagem e não de adorno. O Cariri é carregado de cores (muitas), enfeites e sons. Tudo propositalmente exagerado. Cabeça de boi ao lado de uma fotografia de “padim padre Ciço”. Você pede uma água e a água demora a chegar. Você não entende, o bar está cheio, mas não tão cheio. “Cadê o diacho da água?”. Mas isso é porque (do nada) o garçom começou a cantar ou a participar da performance do artista que está se apresentando. E o público faz trenzinho com um sanfoneiro que apareceu sabe-se lá de onde, vai lá fora, depois volta. E vai lá fora de novo. A garçonete imita o pitbull enraivado e pede dinheiro para dar um trato no telhado de sua casa (oi?). No fundo do bar, há um corredor enfeitado com retalhos. No fim dele, outro espaço do bar, com outra banda se apresentando. Ali é VIP. 400,00 haddads a mesa. Catraca e segurança. A gente deu uma conferida e voltou. Saí sem entender nada, mas tá tudo bem.

 

Dia 02. Neste dia partimos para um rolê de patrimônio histórico. Conhecemos o Museu da Gente Sergipana em Aracaju. Bastante diverso. O título de “gente” deve ter sido dado para a galera já chegar sabendo que não é sobre as autoridades/figuras notórias e fatos oficiais, embora isso também tenha. Além de ser um museu convencional, há algumas peças culturais para o público interagir. A que mais me chamou a atenção é a do “José Vende”. Trata-se de um feirante virtual que te oferece de um tudo a partir de alguma palavra que você fala no microfone. Outro José homenageado (e esse de fato existiu), é o Zé Peixe. Um prático de navio cuja peculiaridade inacreditável era ir nadando até as embarcações para guiá-las. Sua estátua fica na entrada do museu. Na entrada está também a estátua da mulher mais alta da América Latina, Maria Feliciana dos Santos, com seus imponentes 2 metros e 25 centímetros. Um abuso! Contudo, não se encontra somente “gente” nesse museu. Há representações da fauna e de paisagens. Ao atravessar a rua do museu, chega-se ao monumento do Largo da Gente Sergipana. São oito estátuas que representam, cada uma, diversas manifestações folclóricas típicas. De acordo com o que se lê no Wikipédia, “entre as manifestações representadas, estão os Lambe Sujos e Caboclinhos, os Bacamarteiros, o Cacumbi, os Parafusos, o Reisado, a Chegança, a Taieira, a Dança de São Gonçalo, além do Barco de Fogo”. O Lambe Sujo é uma espécie de saci, porém ainda com perna. Sua estátua está retratada durante uma briga com um Caboclinho. Lambe Sujo empunha uma foice, mas sabemos a perna de quem a lâmina vai lascar no fim do episódio.

 

Ana ao lado da representação do Reisado (não, não é Boi-Bumbá)

Do Museu seguimos para outro museu, desta vez em São Cristóvão-SE (95 mil hab.). Fica a 24km do Museu da Gente Sergipana. Cidade histórica na região metropolitana de Aracaju, primeira capital de Sergipe e fundada em 1590. Logo chegamos à praça São Francisco, declarada, em 2010, patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO. Não tem nada demais nessa praça. Só é antiga para caramba. A partir dela ingressamos no (também colonial) Convento e Igreja de São Francisco de Assis que, atualmente, funciona como museu (o Museu de Arte Sacra). Diferentemente do Museu da Gente, o guia que nos acompanhou foi extremamente simpático e não somente apresentou os artefatos e instalações, como debateu conosco as questões que tínhamos, como a de uma estátua de um crucificado no centro da sala de reuniões internas dos franciscanos. Se não era Jesus, seria quem? São Dimas? Não sabem. Foi um passeio interessante. Infelizmente, o outro museu mais conhecido (Museu Histórico de Sergipe) estava temporariamente fechado.

 

Praça São Francisco de Assis, São Cristóvão-SE

Dia 03. O rolê dos museus nos fez conservar energia para acordar cedinho no outro dia e irmos conhecer o parque mais bem cuidado de Aracaju: o Parque da Cidade. A ideia de chegar bem cedinho era para fotografar uns passarinhos. Nessa tarefa não obtivemos muito sucesso. E a razão era óbvia, ainda que tivéssemos chegado lá às 7h, quando bateu 8h30 o sol estava estraçalhando. Passarinho não é besta. A galera que gosta de caminhar e correr no parque (e em Aracaju o pessoal é bastante fitness nesse sentido) tem que levantar de madrugada se quiser suportar o deus incaico. Das 9h em diante não se encontra uma viv’alma correndo. Neste parque há uma ladeira considerável até um mirante, onde se localiza também a estátua mal feita de uma santa e é o ponto final do teleférico. Fomos andando como Martinho da Vila. Ao chegar lá nos deparamos com uma trilha no meio da mata fechada, que nos levou a um local descampado. Sem saber encontramos outro mirante, com vista para a capital e para a ponte que a liga ao município de Barra dos Coqueiros (28 mil hab.). Depois descemos, conhecemos o minizoológico do parque e fomos para o teleférico. Ana queria muito fazer esse passeio, que leva exatamente ao local em que já havíamos ido, porém passando pelo meio das árvores e por cima do zoológico. E assim o fizemos, mas não sem um pouco de pânico da parte dela que tem medo de altura (sim, justamente a pessoa que propôs o rolê).

 

Ponte sobre o rio Sergipe, entre Aracaju e Barra dos Coqueiros

Voltamos ao apartamento para esconder do sol e almoçar. Depois de uma dica de uma amiga (a Manu), resolvemos ir ao Restaurante Pitu com Pirão da Eliane. Pedimos um robalo com camarão e pirão. Embora o prato tenha demorado, a comida estava boa, sim. Contudo, o preço tinha gostinho de água do mar.

O nosso próximo rolê do dia foi uma completa furada. Ficamos sabendo que haveria soltura de filhotes de tartaruga pelo Projeto Tamar às 16h. Assim nos programamos para ir, porém sem ter a mínima noção de como este evento acontecia. Corri no apartamento para buscar a câmera a fim de tirar umas boas fotos, enquanto Ana aguardava junto a uma dezena de pessoas na frente do Tamar. Fui na frente para chegar na praia e ficar em uma boa posição. Mas não esperava o que estava por vir. De repente uma multidão de gente começou a brotar de todos os lados possíveis. Ao chegar no local demarcado para soltura, já havia bastante gente em volta do cordão. Ali percebi que não ia rolar. Por isso procurei um local embaixo de uma pequena falésia com sombra para me proteger do sol e observar a muvuca. Não deu outra. O comboio da galera do Tamar trouxe consigo um enxame de seres humanos. Eu não tinha ideia de que tartaruga fazia tanto sucesso. Crianças, pré-adolescentes, adultos, idosos, cachorros. Sim, o pessoal levou até os cachorros! Gente que não acabava mais. Para cada tartaruguinha tinha fácil uns 50 “serumano”. Ana lá no meio do povão ainda com a esperança de ver alguma coisa, tirar uma foto, sei lá.

Para aumentar a confusão, acontecia no mesmo lugar, na mesma hora, com o mesmo entusiasmo, uma corrida na areia (?). Daí, enquanto a animadora da corrida incentivava no microfone os competidores e a equipe de apoio entregava copinhos de água para o pessoal de abadá, sob àquele sol babilônico, o biólogo do Tamar em vão pedia no megafone para as pessoas se afastarem e a equipe de televisão conseguir filmar os pequenos répteis se arrastando para o mar. Uma loucura! 


Foto que Ana tirou no momento em que lutava para avistar as tartarugas

Terminado a zorra, seguimos caminhando pela extensa faixa de areia da praia de Coroa do Meio. Não há o que comentar sobre as praias urbanas de Aracaju (Coroa do Meio, Atalaia, Aruana, Robalo, Náufrago, Refúgio) porque elas são muito parecidas. Faixa de areia extensa, águas relativamente calmas, ausência ou baixa presença de rochas e vegetação (coqueiros, restinga, etc.). A diferença talvez seja a presença maior ou menor de pessoas, barracas e bares. Em Coroa do Meio é menos indicado para banho devido à existência de algumas rochas em seu fim. Mas os moradores aproveitam para pescar. Fomos até a altura do farol e depois a uma feira.


Dia 04. A morga tomou conta e ainda estávamos decidindo se íamos ou não a Mangue Seco. A única atividade digna de anotação deste dia foi a ida à Praia do Náufrago com Raquel e família. Passamos um fim de tarde bastante agradável no Restaurante Dedinho de Prosa. Depois demos uma volta de carro com a intenção de assistir ao pôr-do-sol na foz do rio, em Mosqueiro, mas quando chegamos o sol já tinha ido para o Japão. Serviu para conhecer aquela parte da cidade e a ponte do Rio Vaza-Barris na rodovia SE-100. Um passeio ali por perto e que o pessoal recomenda bastante é o da Croa do Goré. Um banco de areia que se forma durante algumas horas do dia e que a galera chega de barco para poder beber e comer uns petiscos caros. A gente assistiu aos vídeos e achou muito auê para pouca coisa. Selo full turistão.

 

Dia 05. Acordamos decididos a ir para Mangue Seco, por isso alugamos um carro. O povoado e a praia de Mangue Seco ficam na divisa do Sergipe com a Bahia, já dentro da área do município de Jandaíra-BA (10 mil hab.). O local ficou famoso e se tornou um ponto turístico depois que a novela Tieta o utilizou como cenário de suas gravações no fim dos anos 80. Nosso destino ficava a 90km de Aracaju, no entanto, haveria uma logística menos simples. Precisamos rodar de carro até um estacionamento (10R$) em uma pequena vila de pescadores em Indiaroba-SE (16 mil hab.), depois pegar uma lancha para atravessar o Rio Real até a vila de Coqueiros, já na Bahia (150R$ a travessia). Em Coqueiros contratamos um bugueiro que faz o passeio, nos levando nas dunas de areia, depois no povoado de Mangue Seco e finalizando na praia (250R$ o passeio). Também é possível ir direto para o povoado de Mangue Seco, sem precisar de bugue. Obviamente o valor do transporte aumentaria. Não sei precisar quanto.

 

Dunas de Mangue Seco


Mangue Seco foi de longe o lugar mais bonito que conhecemos nessa viagem. É realmente cenário de produção artística. Dunas de areia que, apesar de serem muito menores, não perdem em beleza para as de Natal. O vilarejo de pescadores com seus casebres coloridinhos conserva um ar de colonial, rústico e intimista. Assim que chegamos tivemos a límpida sensação de que deveríamos ter programado para ficar pelo menos um dia inteiro ali. Um dos moradores nos recomendou gastar 10 minutos para subir o mirante que é, na verdade, um morro de areia onde está a antena da vila. Fomos e não nos arrependemos. Lá do alto fica ainda mais bonito o encontro do rio com o mar. A formação de um banco de areia torna possível montar um ou dois bares. Para chegar, só de barco ou Michael Phelps. Tentamos almoçar no vilarejo, porém o bugueiro queria nos levar para as barraquinhas da praia de Mangue Seco, que ficam a uns dois quilômetros, atravessando as dunas. A praia também é muito bonita. Nela gastamos nossas horas do passeio, tomando banho de mar, água de coco e comendo macaxeira frita, enquanto o vento soprava forte (sempre).

 

Eu, no mirante de areia de Mangue Seco

Por volta das 16h30 já estávamos dentro do carro novamente cortando o Sergipe, agora no sentido sul-norte do estado. O destino final era a cidade de Piranhas-AL (25 mil hab.), onde já havíamos reservado uma pousada. O percurso era de 330km, passando por Lagarto, mas o tempo estimado era para mais de 5 horas e meia. Não demoramos a entender o porquê. Apesar da pista ser simples, com mão dupla, o asfalto estava bem conservado, sem buracos. No entanto, havia infinitos povoados pelo caminho, às margens da rodovia. Em cada povoado, uma dúzia de quebra-molas e radares aos montes, de 60km/h e 40km/h. Seria impossível andar rápido. Mesmo sem chuva a viagem demorou bastante. Nos recomendaram passar por Lagarto. Contudo havia outra possibilidade, passando por Aracaju. Certamente seria mais rápido. Pelo menos foi interessante para conhecer, ainda que de passagem, outros cantos de Sergipe. Ao passarmos por Estância-SE (65 mil hab.) observamos a hipérbole de um comportamento muito comum no trânsito sergipano: motociclistas e passageiros andando sem capacete. Neste caso foi ainda mais curioso porque havia uma criança entre a piloto e a passageira que, aliás, levava um capacete no antebraço. Vale notar que este comportamento foi visto também em bairros da capital. Não era por falta de placas de avisos. Havia muitas. Por volta das 18h paramos para fazer um lanche em Lagarto-SE (106 mil hab.), terceiro município mais populoso do estado. Tivemos que entrar rumo ao centro da cidade, em ruas tortuosas, esburacadas, estreitas e de trânsito confuso, para encontrar algum estabelecimento: padaria, lanchonete, etc. Porém, tudo parecia estar fechado ou perto de fechar. Na pastelaria faltava a maioria dos ingredientes para fazer os pastéis (vejam só!). Nas cubas da padaria as moscas competiam com os clientes os salgados. Por fim, na praça-calçadão encontramos o que comer. Um pastel inusitado com salada (tomate e repolho), um salgado e um açaí. Até que estava bom. Mas esperava mais da terra do centroavante Diego Costa.

Barriga cheia, pé na areia. Isto é, na caatinga. Embora estivesse escuro, dava para notar com o farol do carro que a paisagem ia começando a mudar. Árvores secas, terreno arenoso e cactos. O calor era o mesmo. Daí para a frente, só paramos em Nossa Senhora da Glória (41 mil hab.). No relógio batia 21h. Ainda não estávamos com fome, entretanto, fiquei preocupado de chegar em Piranhas (uma cidade turística, porém pequena) e não encontrar nada aberto para jantar. Além disso, nossa anfitriã da pousada também estava preocupada com nosso atraso e com a chuva torrencial que, segundo ela, caía naquele momento em Piranhas. Para resolver isso, tentamos ir a um supermercado, mas havia acabado de fechar (um menino que passava de bicicleta na rua nos alertara taxativamente). Procuramos outro e não encontramos. Supermercado, no caso. Mais para frente, na saída da cidade, havia um restaurante-pizzaria e foi lá que jantamos um pedaço de pizza. Combustível suficiente para seguirmos viagem. Já passava das 23h30 quando atravessamos a ponte do Rio São Francisco, que dividem os estados de Sergipe e Alagoas. Finalmente chegamos para descansar desse dia tremendamente corrido em que atravessamos um estado do Brasil.


Pela estrada...


Dia 06. Descanso? Nada. Tínhamos pouco tempo em Piranhas e resolvemos fazer logo o passeio que todos nos recomendaram efusivamente: navegar pelos Cânions de Xingó no Rio São Francisco. Há várias formas de ir aos cânions. O pessoal da pousada nos aconselhou o passeio do Castanho e foi o que contratamos. Para isso é preciso ir com o carro até a Praia da Dulce, passando pelo município Olho D’Água do Casado-AL (8 mil hab.), nome curioso. São 20km de Piranhas até o local de embarque (a praia). Lá havia um estacionamento e um restaurante. Pegamos um catamarã. É aquela embarcação maior, muito comum no litoral nordestino, onde normalmente viaja muita gente, música alta e com um alguém falando groselha no microfone. Pagamos 190R$ por pessoa, incluindo um almoço à vontade no Restaurante do Castanho, que fica em outra localidade e é uma das paradas da embarcação. Honestamente eu considerava que ia ser um rolê turistão. Sabe aquele programado para o casal paulistano padrão que sai de casa pagando caro para ver qualquer coisa diferente de prédio e Ibirapuera? Aquele cara que bota uma camiseta florida, uma bermuda bege, uma meia branca na canela e tem uma energia Luciano Huck para tudo durante as férias. E realmente tem um pouco disso. Mas bem menos. Não sei se eu faria mais uma vez. Mas vale a pena uma vez na vida.

 

Fim de um dos braços do São Francisco


Foi, sim, agradável percorrer o Rio São Francisco, mesmo sabendo que aqueles braços do rio apenas foram possíveis pelas muitas barragens e usinas hidrelétricas que construíram ao longo de seu curso. Os cânions são realmente bonitos e grandiosos. O som do barco não estava muito alto, nem ouvimos (tantas) besteiras da moça que narrava pelo microfone. A vista é linda a partir do barco. Em determinado ponto, há um tablado (ou atracadouro) em que o catamarã para. Dão uma hora para tomar banho no rio e, se quiser, ir de barquinho (20R$) em uma parte mais estreita entre os cânions. Acredito que essa é a melhor parte do passeio. É a que se diferencia dos Cânions de Furnas, em Capitólio-MG. O barco passa tão perto e embaixo dos cânions que é possível ver a formação das estalactites e tocá-las. No entanto, é rapidinho, viu?! Uns 15 minutos e já volta para pegar mais 20 reais vezes oito. Vencida a hora no tablado, o catamarã leva os passageiros para almoçarem no restaurante da Pousada do Castanho, às margens do rio, onde existe uma extensa área de vegetação da caatinga preservada, iguanas e passarinhos. Por ficar um tempinho considerável na pousada, dá para banhar-se mais uma vez nas águas do Velho Chico e repreender o calor.


Os cânions do Xingó a partir do barquinho

 

Já chegando em Piranhas, resolvemos seguir mais à frente da pousada e ver rapidamente o centro histórico enquanto tinha luz do sol. O sítio histórico e paisagístico de Piranhas foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2004. Conforme a descrição no site do IPHAN, “Piranhas ainda mantém seu casario colonial disposto irregularmente em morros e baixadas [...]. O percurso turístico-cultural da Rota do Imperador, criado pelo governo estadual de Alagoas, em 2009, incluiu o município de Piranhas, por onde passou D. Pedro II, em 1859, em sua viagem à região do Baixo São Francisco”. O centro histórico, com suas ruelas calçadas de pedras e seus edifícios conservados e coloridos, já foi palco de gravações de filmes e novelas. Há dois mirantes nessa parte da cidade. Em um deles está localizada a Igreja de Nosso Senhor do Bomfim. Para escalar o morro íngreme, é preciso vencer 250 degraus. Não sem muita suadeira e teste cardíaco, conseguimos subir antes do sol cair. A vista compensa. Simplesmente o Rio São Francisco serpenteando um lindo vale, por meio de rochas e vegetação. À noite voltamos ao centro histórico para tomar um chopp e comer uma besteirinha nos bares alocados em casas da era imperial. Não satisfeitos e de juízos um pouco alcoolizados, resolvemos escalar o Mirante Secular. Mais íngreme e mais alto do que o Mirante “religioso”. Depois de 364 degraus, o chopp foi quase todo embora com o suor dessa atividade física. Lá no alto, a vista das luzes do centro histórico e uns casais se pegando em meio ao avanço da noite. Percebemos que seria possível acessar de carro por outro lado (rá!).

 

Igreja de Nosso Senhor do Bomfim, vista do Mirante Secular


Dia 07. Havíamos resolvido não contratar o tal passeio da Rota do Cangaço, um que leva os turistas para um local onde supostamente ocorreu a perseguição a Lampião e seus parças cangaceiros (consideramos um custo-benefício duvidoso por um rolê possivelmente mais turistão do que o dos cânions). Quando vem com essa parada de passeio guiado sobre história, penso que a chance de mitificarem tudo e contarem umas boas lorotas é grande. Isto posto, acordei cedo para aproveitar a manhã em Piranhas fotografando passarinhos em seus arredores. Às 6h30 eu já estava no Parque Municipal Pedra do Sino. Um parque totalmente abandonado. Mas tudo bem, quanto menos gente, mais possibilidade de pássaros diferentosos. Contudo, descobri que é bem mais difícil encontrar passarinho na caatinga do que no cerrado. Avistei poucos. Consegui fotografar menos ainda. Subi em um conjunto de pedras grandes empilhadas, que, quase com certeza, foi serviço de ser humano com pouca ideia. De lá avistei um gavião-caracoleiro e urubus-da-cabeça-vermelha. Desci e percorri um longo trajeto que parecia ser de um córrego, seco. Depois retornei porque o sol esquentou bastante e os penosos ficaram ainda mais rarefeitos. Foi positivo pela experiência. Ainda deu tempo de acessar o Mirante Secular, agora através da pista de carro. Ainda que bonita, a vista do outro mirante é melhor. Voltei à pousada e finalizamos o passeio por Piranhas comprando bugigangas no Centro de Artesanato. Atravessamos a ponte e almoçamos em uma lanchonete à frente da Hidrelétrica de Xingó, no município de Canindé de São Francisco-SE (30 mil hab.), perto de onde um ator da Globo gravou sua última cena, pouco antes de ser levado pelo rio. Depois, devoramos estrada de volta à Aracaju.

 

Vista do Centro Histórico de Piranhas e o Rio São Francisco

Dia 08. O que fizemos de interessante antes de pegar o avião de volta? Visitamos o Mercado Municipal. Não há muito o que considerar. É igual a todo Mercado Municipal. Só que enorme. Com três ou quatro seções. Tem as mesmas lembrancinhas que vendem na orla da praia ou na feira do turista por um preço menor (fica a dica) e tem frutas e comidas típicas da região. Somente no último dia, aos 45 do segundo tempo, o mistério do tal amendoim cozido que nos recomendavam foi por fim desvendado. Trata-se basicamente de um amendoim com casca, apanhado verde e cozido na água com sal. É patrimônio cultural de Sergipe. Na minha cabeça era um doce, sei lá. Não é não. É amendoim verde cozido com casca e tudo. “Pronto!” Posso dizer que a viagem foi muito melhor do que o sabor dessa iguaria.

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Escrito no início de fev. de 2024, uma semana após a viagem.