De Minas a Porto Seguro

 

Devoramos concreto e asfalto

Foram mais de 1700km na ida. De carro. Eu e Ana. Sem dúvidas a viagem mais longa que fizemos dirigindo. Atravessamos de Passos-MG (onde passamos o natal), sudoeste mineiro ao sul baiano. Mas sem passar pelo caminho mais curto. Por vários motivos: 1) evitar a região metropolitana de BH, intensamente movimentada; 2) evitar a região do Vale do Rio Doce e do Vale do Mucuri, devido à inviabilidade de algumas estradas, interditadas por causa de fortes chuvas; 3) desviar de um trecho do nordeste de Minas (oficialmente parte final do Jequitinhonha mineiro), de Almenara-MG a Eunápolis-BA, onde havia mais de 100km de estrada de terra, na ocasião, pura lama. Entretanto, os obstáculos 2 e 3 só foram descobertos pouco antes de iniciar ou durante o percurso.

Digamos que o “Plano A” era rodar pelos vales do Rio Doce e do Mucuri, inclusive, parar em São Mateus-ES e curtir a primeira praia. O problema é que, em dezembro, parte da cidade ficou inundada, literalmente embaixo d’água, como vários municípios capixabas, mineiros e baianos. Fomos para o “Plano B”. Ir de Passos a Diamantina (560km) no primeiro dia e lá pousar. Depois Diamantina até Almenara (493km), passar a noite. E, no último dia, Almenara a Porto Seguro (250km). Ainda não sabíamos das condições da estrada ou sequer da ausência de pavimentação em partes da última rota. O projeto era uma viagem de três dias sem correria, sossegada, fotografando pássaros, parando onde quiséssemos.

Não deu certo. E a viagem se tornou uma epopeia. Em razão das chuvas, de alguns trechos de rodovias ruins entre o oeste de Minas e a central mineira, rodamos 592km no primeiro dia (somando um retorno que, alertados por frentistas de Vargem Grande, tivemos que fazer devido a uma tentativa equivocada de atalho que nos levava a estrada de terra após o município de Papagaios). Após sair de Passos, às 10h, almoçamos em Formiga (67 mil hab.), passamos na lateral de Divinópolis, Pitangui e Martinho Campos, fizemos um lanche em um posto de Pompéu e paramos para dormir em Curvelo (80 mil hab.), já perto das 21h. Ou seja, nem ao menos conseguimos chegar a Diamantina.

No dia seguinte, saímos às 9h30 de Curvelo com ideia de fazer uma parada em Diamantina. A estrada é cheia de curvas, mas com poucos buracos e uma vista sensacional das montanhas. Paramos para almoçar e também conhecer a cidade histórica de Diamantina (48 mil hab.), com suas ruas calçadas de pedras, seus casarões e igrejas e a rica cultura mineira do Vale do Jequitinhonha. Assim fizemos. Almoçamos e conhecemos a Casa de Chica da Silva, onde agora também é o Museu do Diamante. Foi bacana conhecer, mas nada demais, poucos artefatos.

Diamantina, do alto do mirante na saída norte

Era 14h30 quando retornamos à estrada. E aí, pouco a pouco, os buracos na pista foram aumentando em número e tamanho quanto mais nos afastávamos de Diamantina. Até Turmalina (19 mil hab.), onde paramos para comer um pão de queijo que minha sogra havia feito no natal, o trecho estava aceitável. Porém deste ponto em diante, chuva, escuridéu, falta de sinalização e buracos. Isso sem falar nas corrutelas preenchidas de ladeiras que tivemos que atravessar pelo meio, com asfalto esburacado ou toda assentada em grandes pedras. Depois de rodar por horas e horas a região do Jequitinhonha, concluímos que não daria para chegar em Almenara neste dia. O ponto de descanso passou a ser Araçuaí. Antes de chegar lá, os moradores do pequenino município de Berilo (12 mil hab.) gritaram de um bar ao nos verem pegando a estrada para Virgem da Lapa (era o traçado pelo Google Maps). Nos alertaram a passar por Francisco Badaró (10 mil hab.), onde a estrada estaria melhor e pavimentada. O trecho entre F. Badaró e Araçuaí não era extenso (40km), mas pareceu infinito por causa do cansaço e da chuva. Chegamos exaustos às 21h em Araçuaí (36 mil hab.), tendo rodado 450km desde Curvelo. Foi o tempo de encontrar uma pousada e dormir.

Apesar dos problemas, se continuássemos na mesma toada, rodando 450km, chegaríamos em Porto Seguro. Contudo, antes de dormir em Araçuaí, fui alertado pelo Tiago Caminha (um colega professor de geografia com quem trabalhei no Amapá e que atualmente mora em Almenara) que a estrada para Porto Seguro estava péssima. Havia ocorrido uma inundação do Rio Jequitinhonha semanas atrás e os cem quilômetros de terra viraram um lamaçal ardiloso. Foi então que decidimos mudar o trajeto. Fazer um desvio, dar uma volta passando por Vitória da Conquista-BA, a fim de contornar esse obstáculo.

Conseguimos sair mais cedo desta vez, às 7h55 já estávamos no volante. Entretanto, a rodovia entre Araçuaí e Itaobim estava horrível. As piores condições de estrada que enfrentamos, sobretudo no trecho até Itinga. Eram milhares de buracos, enormes, largos, profundos. Para não estragar o carro e ter que lidar com mais problemas (os que tínhamos eram suficientes!), fomos devagarinho, desviando das crateras lunares. Gastamos mais de 2h para rodar 75km. No percurso, nas entradas de cidades e vilarejos, vimos muitas pessoas, crianças, idosos, homens, mulheres tapando os buracos com terra e pedindo dinheiro pelo serviço. Cabe aqui observar que são escancaradas a pobreza, a falta de infraestrutura e o descaso governamental com boa parte da região do Jequitinhonha, Mucuri e norte de Minas Gerais. Passamos por vilarejos paupérrimos, mais pobres do que o trecho em que rodamos pelo sertão baiano.

Contudo, de Itaobim-MG (21 mil hab.) até Vitória da Conquista-BA (343 mil hab.) o asfalto melhorou consideravelmente. Se comparado à estrada anterior, praticamente um tapete. Por isso conseguimos acelerar e encontrar restaurante aberto para almoço em Vitória da Conquista (chegamos às 14h na churrascaria Trilha do Sul). Essa pernada até a Bahia nos deu tranquilidade para seguirmos. Mas agora tínhamos que descer a Serra do Marçal. Realmente, curvas acentuadas, porém a estrada estava ótima e o trânsito brando. Fizemos um lanche em Itapetinga (76 mil hab.), “no melhor café do país”, e seguimos. O atendente do café nos recomendou uma estrada recém-pavimentada, diferente da que indicava o Maps, passando por Maiquinique (9 mil hab.). Fomos na (boa) dica. Pegaríamos ainda um trecho muito complicado entre Itarantim e a BR-101, com muita chuva, zero sinalização e buracos. Em um dos morros desse trecho, cheio de buracos, avistamos um capotamento que, provavelmente, havia acabado de ocorrer. Depois foi enfrentar a movimentada BR-101 até Eunápolis (115 mil hab.) e, por fim, uma pista tranquila até Porto Seguro, onde chegamos às 23h, depois de rodar 710km neste dia. Chegamos exaustos e famélicos, mas com sorte. A galera goiana nos recebeu com um churrasco. Uma delícia.