Rumo a Machu Picchu sem glamour: dois goianos em Bolívia e Peru

O primeiro levou somente uma blusa de frio (“sem juízo!”) e o segundo o conjunto de camisetas e blusas do Flamengo (sabe aquele cheirinho? Então). Jamais seríamos capazes de imaginar tudo o que passamos nessa viagem. Isto é, dá para fazer uma previsão relativa dos perrengues quando se vai por terra (ônibus, van, trem, cavalo, a pé...) a lugares tão distantes. Inclusive tivemos várias recomendações (obrigado a todos que nos deram dicas, em especial ao Victor de Goiânia). Outra coisa é vivenciar tal coisa, respirar o ar rarefeito, queimar ao sol inca, sentir na pele, como dizem. Foram 17 dias de viagem. 3 países. Mais de 4.500Km se tivéssemos percorrido de carro (só a ida). 3 noites diretas “dormindo” em ônibus e trem. E uma experiência de vida que não seria possível quantificar em números.




Pretende seguir um roteiro parecido em direção a Machu Picchu? Já adianto: esteja bem dos pulmões, estômago, pernas e coração. É sério. Bolívia e Peru não são Disney World. Ok, tem gente que faz todo o percurso como se estivesse indo à padaria da esquina (deve ter). Mas, por outro lado, tem gente que morre. Na semana em que estivemos em Puno (Peru), um turista português faleceu após um passeio às islas flotantes de los uros. Ao que tudo indica, devido ao mal de altitude e por ter idade avançada, a situação geográfica degradou algum problema de saúde preexistente (clique o link 1). Portanto não é exatamente um passeio para idosos, crianças muito novas e pessoas com problemas de locomoção ou debilitadas. A menos que seja muito rica e tenha toda uma gama de profissionais e veículos particulares como staff. Porque se depender dos serviços, da segurança e do profissionalismo das agências bolivianas ou peruanas, é capaz de sua viagem dos sonhos se transformar num sonho eterno. Além da questão da altitude e da temperatura mais instável do que a política síria, há também o risco considerável de acidentes de trânsito, sobretudo deslizamentos ou colisões em pistas cujo “acostamento” é um abismo de (várias) centenas de metros de altura. Durante nossa viagem ocorreu um deste tipo ao norte de Lima, onde um ônibus se chocou contra um caminhão e caiu no penhasco matando mais de cinquenta pessoas (clique link 2). Apesar dos motoristas peruanos e bolivianos parecerem extremamente técnicos, são pouco ou nada cautelosos. Em algumas vezes estivemos perto de virarmos protagonistas de notícias trágicas (contarei mais adiante). Ficou assustado? Quer desistir? Calma, não estou escrevendo isso para te assustar, mas, sim, para alertar dos riscos e perigos que se corre e que sinceramente não lemos em lugar algum. Noutro momento do texto vou dar dicas preciosas para minimizar tais problemas (apenas diminuir, veja bem).

Feita a introdução acima como alerta, vou apresentar com brevidade meu/nosso roteiro e valores de passagens (partes essenciais) para, posteriormente, narrá-lo (demoradamente) com riqueza de detalhes, fazendo também uma espécie de descrição etnográfica dos lugares e das pessoas (sugiro ler com pausas ou pular para a cidade/passeio que lhe interessa) e finalizarei com outras dicas e preços de hospedagem e alimentação.

O roteiro, a duração e os preços (unidade) de cada percurso foram os seguintes:
  •   Uberaba-MG a Uberlândia-MG (carona paga 1h10 :: 20,00 R$);
  •   Uberlândia-MG a Campo Grande-MS (avião 4h30, com conexão em SP :: 310,00 R$);
  •   Campo Grande-MS a Corumbá-MS (ônibus 7h :: 120,00 R$);
  •   Corumbá-MS a Puerto Quijarro-BOL (táxi 20min :: 50,00 R$);
  •   Puerto Quijarro-BOL a Santa Cruz de la Sierra-BOL (trem 14h :: 118,00 R$);
  •   Santa Cruz de la Sierra-BOL a La Paz-BOL (ônibus 20h :: 110,00 R$);
  •   La Paz-BOL a Copacabana-BOL (ônibus e balsa 4h30 :: 20,00 R$);
  •   Copacabana-BOL a Puno-PER (ônibus 4h :: 15,00 R$);
  •   Puno-PER a Cusco-PER (ônibus 8h :: 50,00 R$);
  •   Cusco-PER a hidrelétrica de Santa Teresa-PER (van 7h :: 315,00 R$*) Nesse valor ficou incluso ida e volta, guia, hospedagem de uma noite em um hostel de Aguas Calientes e entrada em Machu Picchu;
  •   Hidrelétrica de Santa Teresa-PER a Aguas Calientes-PER (a pé 3h20 :: grátis);
  •   Aguas Calientes-PER a parque de Machu Picchu (van 20min :: 42,00 R$);
  •   Parque de Machu Picchu-PER a hidrelétrica de Santa Teresa-PER (a pé 3h30 :: grátis);
  •   Santa Teresa-PER a Cusco-PER (van 7h :: incluso no pacote de ida);
  •   Cusco-PER a Lima-PER (avião 1h20 :: conexão de 12 horas);
  •   Lima-PER a Guarulhos-SP (avião 5h30 :: 1800,00 R$);
  •   Aeroporto de Guarulhos a rodoviária de São Paulo-SP (uber 50min :: 50,00 R$); 
  •   São Paulo-SP a Uberaba-MG (ônibus 7h30 :: 135,00 R$).


Obs.: os valores de Bolívia e Peru foram convertidos para reais e são aproximados. Encontramos o peso boliviano a mais ou menos 0,45 centavos de real e nuevo sol/soles (moeda peruana) a 1,10 reais. Pagamos o pacote de Cusco a Machu Picchu a 90,00 dólares, que havíamos comprado a 3,51 reais cada dólar. Não estão incluídos aqui deslocamentos dentro das cidades nem passeios (exceto o de Machu Picchu).

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A partir de agora o texto se tornará bem mais longo e subjetivo e talvez pouco interessará a um completo desconhecido, pois, obviamente, minhas descrições “etnográficas” partem de quem sou (um carinha crítico ou, a seus olhos, ranzinza e chatinho), de onde moro, de minhas perspectivas de mundo e das expectativas que haviam em mim. Vamos ao roteiro detalhado.

Do Brasil à fronteira

Saí cedo de Uberaba-MG no dia 19 de dezembro de 2017 e cheguei em casa à tardezinha do dia 05 de janeiro de 2018. Fui de carona (carro) até Uberlândia-MG. Lá peguei um voo para Campo Grande-MS, com escala no aeroporto de Guarulhos-SP. Ao chegar em Campo Grande, 18h30 da noite de uma terça-feira, encontrei o parceiro de viagem, meu primo João de Goiânia (velho companheiro d’outros rolês descritos neste blog). Outras pessoas iriam conosco, mas pouco a pouco foram desistindo por problemas diversos e por fim restaram apenas nós dois. Nossa ideia inicial era dormir na capital do Mato Grosso do Sul e depois seguir cedo para Corumbá. Isso porque sabíamos que o famoso trem da morte só sairia às 18h da fronteira a Sta. Cruz De La Sierra e não havia razão ficarmos o dia inteiro em Corumbá ou Puerto Quijarro (Bolívia), lugares considerados bem mais perigosos do que Campo Grande. Foi aí o primeiro perrengue. Após termos alugado um quarto vietnamita num hostel totalmente apocalipse now perto da rodoviária, descobrimos, no próprio terminal de ônibus, que não havia mais passagem matutina para Corumbá. Já bateu aquele desespero. Isso porque o trem que gostaríamos de tomar em Puerto Quijarro só viaja às segundas, quartas e sextas. E sabe-se lá se teríamos tempo hábil para chegar em Corumbá, pegar o visto de entrada na Bolívia e encontrar passagem naquele mesmo dia rumo a Sta. Cruz. Pensamos rápido e decidimos comprar passagem das 0:00 de Campo Grande a Corumbá. Voltamos ao hostel para um banho de gato que nos custou uns 50 reais, eu acho. Para piorar a situação o site da empresa de trem boliviano indicava não haver passagem para o próximo dia. Agora era tarde. Passagem na mão. Fomos! Com aquele medo de adquirir uma diarreia ainda em terras brasileiras, comemos qualquer besteira na “maravilhosa” rodoviária de Campo Grande e dá-lhe chão até Corumbá. Primeira noite na estrada.

Chegamos cedinho em Corumbá-MS. Uns 90 mil habitantes, dizem. Que cidadezinha feia do diabo! A rodoviária parecia uma antiga subestação de Caldas Novas. Ainda meio sonolentos pegamos um táxi até a fronteira, onde passaríamos pela polícia de imigração. O taxista malandrão nos cobrou 50 reais para rodar uns 6km no máximo e depois descobrimos um coletivo que levava até lá. Vai vendo. A fila da imigração estava cheia (já!) e de bolivianos. Ficamos umas quatro horas aguardando. Bolivianos atravessam a fronteira a pé para vender comidas de procedência altamente duvidosa a brasileiros e compatriotas ali sofrendo com calor, mosquitos e tédio. Uma menininha gritava em espanhol: “¡aaaa relatina!” (gelatina, no caso). Este foi o marco inicial de nossa viagem e repetíamos isso como uma piada interna por todo o percurso. Outra colega de comércio da chica, senhora de mais idade, vendia: “¡agua, sola, agua!”. Conhecemos um casal de brasileiros na fila, Pedro e Débora, campo-grandenses indo pela primeira vez a Machu Picchu. Também um peruano que conversava mais que o homem da cobra e já tinha assistido todos os filmes dos anos 70 e 80 e dois argentinos monociclistas tilelê. Mas foi com os brasileiros que nos enturmamos. Após pegar o “ok” do lado brasileiro, há que se fazer o mesmo no lado boliviano.

Puerto Quijarro – Bolívia

Em torno de uns 300mts você chega à alfandega boliviana que, aliás, foi muito mais rápida do que a brasileira. Com o permiso em mãos (não precisa de passaporte, você o consegue com uma carteira de identidade se tiver foto recente), almoçamos com o casal em Puerto Quijarro, num restaurante supostamente brasileiro. Esta cidade fronteiriça já te dá ideia do que encontrarás de montão na Bolívia, lugares paupérrimos (não chega a ser igual às regiões mais pobres do Brasil, mas está perto, lembrando algumas cidades em que passei em Tocantins e também Bahia), comidas pouco convidativas, ruas sem asfalto, casas construídas pela metade, motociclistas andando sem capacete e carregando até cinco pessoas na garupa. Alugamos um quarto para tomar banho. O calor estava de matar, como diria o geógrafo Bola de Fogo. Por sorte e incompetência do serviço online da empresa boliviana de transporte ferroviário, encontramos passagens de trem para Sta. Cruz naquele mesmo dia. Do jeitinho que queríamos. "Ah, finalmente vamos pegar o trem da morte". De tantas histórias que ouvíamos e inventávamos quando adolescentes. Na minha imaginação, ao menos, o trem da morte percorria um desfiladeiro e ia da Bolívia a Machu Picchu, direto, vários dias de viagem e conquistou este nome porque era costumeiro descarrilar e rolar precipício abaixo. Tempos depois, por óbvio, descobri que não era bem assim. O nome “trem da morte” vem do fato de trabalhadores viajarem em cima do veículo e, claro, às vezes, caírem. Atualmente é pejorativo chamá-lo deste modo, a empresa e os bolivianos não gostam. Há dois tipos de trens (que viajam em dias alternados) e escolhemos o mais confortável para poder dormir (já que passaríamos mais uma noite sem cama). Quando adentrei o trem uma emoçãozinha bateu. E logo ela se foi quando o comissário de bordo ligou uma TV com clipes antigos da Thalia, a eterna Maria do Bairro. Lá vamos nós. A uns 40km/h eu acho. Chacoalhando à beça. Partimos às 18h (único horário) e logo logo mergulhamos na escuridão da madrugada e das florestas bolivianas que engoliu a todos nós, inclusive o trem que já não assusta a mais ninguém.

Demora muito a chegar. Umas quatorze horas de uma viagem intranquila. O trem para em algumas estações durante o percurso madrugador. Parte vazio de Puerto Quijarro e chega cheio em Santa Cruz de la Sierra. As pessoas que sobem a bordo, possivelmente indo trabalhar ou visitar parentes, fazem um barulho sem fim, ligam-se as luzes, é difícil dormir. No trajeto um rapaz ligou a playlist de seu celular. Tocava Aerosmith e também versões em espanhol de músicas brasileiras de gosto duvidoso, como Nego do Borel e Pablo, aquele do homem que não chora. Quando amanhece ao menos existe a possibilidade de se distrair com a paisagem. Não há cidades bem constituídas pelo caminho, no máximo vilarejos tangenciando a linha ferroviária ou umas corrutelazinhas muito rudimentares. Também não se vê como no Brasil infinitas plantações extensas ou grandes fazendas de gado, essas são coisas raras. Nota-se, sim, preservação da mata ou campos de capim sem animais por perto. Fiquei impressionado com os rios, em boa parte, assoreados. Pelo tamanho das pontes e sinais das margens, alguns pareciam gigantescos. Mas há todo um perceptível movimento de retirada de areia e destruição das matas ciliares. Um destes me lembrou o Eufrates quando próximo a cidades do Iraque (assistido em um documentário). Um rio longo que, no entanto, pode-se quase caminhar de uma margem a outra devido sua rasura.

Santa Cruz de la Sierra – Bolívia

Santa Cruz de la Sierra é a maior e mais populosa cidade da Bolívia, por volta de dois milhões de habitantes. Porém não chega a ser uma ciudad, em si, bela, tampouco moderna (pelo menos não em sua maior parte). A extensa zona periférica com suas construções improvisadas, ruas esburacadas e enlameadas, carros estragados e antigos são o cartão postal de entrada a quem chega por trem. O terminal rodoviário é gigantesco, sujo e caótico. Tanto quanto o trânsito. Uma gritaria e um buzinaço babélico. As pessoas vendem qualquer coisa, de tudo e por toda a parte. A impressão é que todos estão desesperados para conseguir alguns tostões. Ou que você está participando de uma Cruzada da Idade Média e se depara com as grandes feiras. Ao chegarmos pegamos um táxi (o preço é combinado antes, não existe taxímetro e a maioria dos táxis parece o carro velho d’O Máscara) a fim de irmos a Plaza de las Armas, afinal, na Bolívia e no Peru, creio que todas as praças centrais se chamam praça das armas. Pagamos baratíssimo pois dividimos o valor com Pedro e Débora. Entra-se em uma região da cidade que, aí sim, é bonita e moderna. É o centro. Há igrejas antiguíssimas e ornadas, praças com jardins bem cuidados e shoppings ou galerias de comércio. Tomamos um desayuno aprazível, compramos umas folhas de coca e também comprimidos para o mal de altitude com o objetivo de nos prepararmos para La Paz. Estava ocorrendo uma manifestação das enfermeiras nesta mesma praça. Entramos no meio. Ficamos rodando nessa região central até o almoço. Pela primeira vez, nos ofereceram drogas (a mim e ao João) e essa foi uma tendência constante na Bolívia e mais ainda no Peru, sempre chegavam no João. As pessoas vendem sem medo ou vergonha alguma. Percebemos nessa viagem que brasileiro tem fama de farrista e zé droguinha nos países vizinhos (nos disseram isso quando, já fartos, questionamos tais ofertas em Lima). Diante da pouca atratividade de Santa Cruz, resolvemos não ficar para dormir e irmos direto a La Paz. Mais uma noite na estrada, tendo apenas microssonos. Quase perdemos o ônibus porque o motorista parou numa plataforma distinta a do registro e também porque não nos disseram que seria preciso pagar uma taxa de embarque. Se você vai à Bolívia, acostume-se com a aleatoriedade.

Na rodoviária, conhecemos um boliviano flamenguista que morava em São Paulo, ele também estava indo a La Paz. A despeito do conforto do ônibus que possuía apenas três fileiras e era semi-leito (eles o chamam de bus cama), a viagem foi a mais pesada de todas. Nos disseram que duraria 18 horas. Durou umas 20. E pareceu ter durado um mês. Logo no início o motorista parou em uma vendinha de estrutura precária, cujos banheiros se assemelhavam a latrinas e eram imundos (lá qualquer banheiro é preciso pagar entre 0,50 e 2,00 pesos bolivianos para usá-lo, mas, atenção, leve papel higiênico, porque são escassos os lugares em que te oferecem) e cujas comidas eram incomestíveis aos olhos brasileiros. Ficamos à base de barras de cereais, bananas e bolachinhas. Por sorte almoçamos em Sta. Cruz. À noite a viagem ganha uma emoção a mais. Sobe-se a Cordilheira dos Andes. Tudo bem. Não há desfiladeiros ainda. Mas há altitude depois de Cochabamba e há as loucuras de um motorista que pretende ultrapassar a todos, mesmo em um ônibus, mesmo em pista de mão dupla. Quando amanhece você observa o deserto que é o caminho. E ao mesmo tempo ao fundo, distante, vê montanhas com neve no cume. É uma terra de contrastes gritantes. A beleza da geografia e a miséria da sociologia, digo, das pessoas e das moradias ao redor.

La Paz – Bolívia

Ainda no ônibus, chegando próximo ao destino final, trocamos ideia com uma garota alemã que morava há um ano em Sta. Cruz e prestava trabalho voluntário em comunidades pobres desta cidade – que dizia não gostar muito. Ela estava indo encontrar amigos em La Paz para um rolê turístico. E nos indicou inclusive um passeio de bike na chamada estrada da morte de La Paz, “diversão” essa que não tivemos – imagino que rodar de bicicleta em lugares íngremes, com muito frio como estava e sob baixa pressão da altitude, não deve trazer exatamente algum tipo de paz, mas fica a sugestão a quem gosta de brincar de sentir seus dedos congelando enquanto padece de uma dor de cabeça medonha.

Quando se entra em La Paz temos a impressão de estarmos em Medelín. Uma favela de proporções homéricas. Nunca estive na cidade colombiana, famosa pelo cartel de traficantes dos anos 90, falo pela tomada aérea de fotografias e vídeos. Assim que o ônibus começou a se aproximar da rodoviária, vai-se subindo em um morro (dos tantos que existem por lá) e o João balbuciou um trecho da canção de abertura de Narcos: soy el fuego que arde tu piel... soy el agua que mata tu sed... Bem, pensávamos a mesma coisa naquele instante. Por outro lado, apesar de já estarmos a mais de 3 mil e lá vai cacetadas metros de altitude, não se sente os efeitos do mal de montanha (pelo menos não ocorreu comigo). Mas calma, isso ainda irá acontecer. Chegamos próximos do horário de almoço e as dores de cabeça, cansaço e náusea vieram aparecer somente à tardezinha. Junto com o casal de brasileiros, nos hospedamos num hostel charmozinho e barato, perto da calle de las brujas e da Iglesia de San Francisco, pontos turísticos comuns.

Na frente da Igreja de São Francisco, centro de La Paz


O fluxo de pedestres em La Paz é intenso, lembrando uma grande capital. Os bolivianos ainda são confusos se sua capital é, afinal, La Paz ou Sucre. Enfim, La Paz é a terceira maior cidade do país e tem clima de metrópole, e como todas elas, cheia de contradições. De um lado um vasto e moderníssimo teleférico com diversas linhas, levando a população aos pontos mais inclinados por um preço aceitável. De outro, a pobreza e a degradação das pessoas em situação de rua, vendendo sabe-se lá o quê, pedindo, dormindo nas calçadas, se protegendo do frio. Realmente a quantidade impressiona. Das cidades onde visitei, apenas São Paulo havia mais gente em condição semelhante. A síntese deste aspecto vi quando saíamos de La Paz rumo Copacabana, adentrando a gigantesca cidade de El Alto, num muro que cercava um terreno baldio estava pichado “desenvolvimento” (desarrollo) e, na calçada deste, toneladas de lixo e sujeira. O trânsito, por sua vez, é mais desorganizado do que o da capital paulista, isto porque as ruas em geral são pequenas, os pedestres e os motoristas tão ou mais imprudentes do que os brasileiros. Há engarrafamentos e desrespeito às leis de trânsito a cada segundo. Pouquíssimas motos nas ruas. A maioria das construções é inacabada. Constroem de tijolão e ou de tijolinhos, deixam sem rebocar, muitas expondo vigas de concreto e ferragens. Lendo após a viagem, constatei que na Bolívia os impostos são menores quando a construção não está terminada. Por anos devem ficar daquela forma. Este possivelmente é um dos jeitinhos bolivianos (mas também os vi no Peru) de driblar a taxação do governo. Nota-se na Bolívia uma competição intensa por meio da propaganda entre as empresas de telefonia. No menor espaço possível de cada muro, seja na cidade, seja no meio do deserto da estrada, observa-se grafado algum nome de operadora (Entel, TiGo ou Viva). E também há pichações a favor de Evo Morales por toda a volta. É impressionante. Ao mesmo tempo uma campanha ferrenha pelo voto, isto é, contra o voto nulo. Vimos algumas pichações anarquistas ou simplesmente defendendo o voto nulo (imensamente menores do que o apoio a Evo), contudo, mesmo estas, logo depois percebíamos que alguém tinha pichado por cima com mensagens de apologia ao presidente "Zacarias boliviano".

Outra anotação etnográfica que não poderia passar batido sobre a Bolívia, é a presença intensa das cholas nas ruas. As cholas são mulheres (geralmente senhoras de idade) que demonstram o orgulho de serem indígenas através de suas vestimentas. Em cada região da Bolívia e do Peru há características que as singularizam. No caso de La Paz, elas usam um vestido colorido bem marcante, poncho, chapeuzinho inglês do século XIX e um longo xale multicolorido em que carregam uma criança pequena nas costas. A história das cholas é controversa porque os registros indicam que esta forma de se vestir foi imposta, numa dada época, pelo rei espanhol a mulheres de etnias indígenas, mas desde então houve uma ressignificação e atualmente elas se caracterizam de modo espontâneo. Tornou-se um símbolo do orgulho indígena. Estas mulheres tomam conta de boa parte do comércio de artesanato e outros artigos em La Paz e noutras partes da Bolívia (há também cholas peruanas, mas, ao menos onde passamos, em menor número). A Bolívia é a terra das cholas e ai de você se fotografá-las sem seu consentimento. É capaz de arrumar uma confusão tremenda. Algumas delas acreditam que a imagem estática aprisionaria sua alma para sempre. Outras cobram para tirar fotos, com ou sem um filhote de alpaca no colo. Na TV estatal da Bolívia há uma chola apresentando um telejornal (uma espécie de Chola Annenberg).

La Paz é uma grande feira aberta. Comércios improvisados por toda volta. As feiras são intermináveis e fazem a da Praça Tamandaré em Goiânia parecer brincadeira de moleque. É do nível da 25 de Março para frente. Os preços são baratos, em grande medida. Quando for a La Paz procure o Mercado de Las Brujas, encontrará coisas interessantes e baratas (mas também artigos bizarros como filhotes de lhama e alpaca empalhados). No entanto, atenção: essa região exala incenso o tempo todo e se você tiver com dor de cabeça devido a altitude, pode piorar. Um passeio de teleférico será interessante para visualizar a extensão da zona urbana. Pegamos a línea roja que leva à parte mais alta da cidade, são 4.095 metros de altitude. Não podemos dizer que a vista é em si um primor, mas é envolvente. Além disso, existem dois passeios nos arredores da cidade que podem lhe chamar atenção: Chacaltaya e o Valle de la Luna. Você pode contratar os dois rolês em uma agência de turismo por uns 100 bolivianos. Compensa. Não fomos no primeiro, que é um pico de 5.400mts com neve no cume. É bem bonito (dá para ver de longe na estrada) e de fácil acesso. Localiza-se a uns 30km de La Paz e dizem ser possível avistar a cidade de Potosí lá do alto. Já no segundo – o Valle de la Luna – nós fomos, por conta própria, inclusive. Um táxi para chegar até lá e voltamos num “ônibus” interbairros (vivenciamos a insanidade do trânsito de La Paz y hay que tener mucha paciencia, amigo), percorremos o pedaço mais desenvolvido e limpo da cidade, onde localizam-se os bancos, as embaixadas e possivelmente as casas da elite. O parque do vale está localizado praticamente fora da cidade. Pagamos uns 20 bolivianos para adentrá-lo. O vale é uma grande formação geográfica de argila, um conjunto de estalactites desérticas, feita pela água da chuva e ventos ao longo de anos. Dizem que o local foi batizado pelo astronauta Neil Armstrong, o primeiro a pisar na lua. É estranho e bonito. Muito calor e luminosidade refletida do sol. Outra opção menos distante em La Paz são as praças, sempre bem cuidadas como em toda a Bolívia, os museus e as igrejas construídas na época da colonização espanhola. Estivemos, obviamente, na Plaza Mayor de San Francisco, por ser bastante próxima de onde hospedamos, e na Plaza Murillo, à noite, onde estava ocorrendo advinha o quê. Isso mesmo, uma feira.

Vale De La Luna, La Paz, Bolívia


Copacabana – Bolívia

Ficamos duas noites em La Paz e quando cansamos de subir ladeira até o hostel, resolvemos ir para Copacabana (subir outras ladeiras), na fronteira com o Peru. Nosso plano era passar o natal lá e foi isso que realmente fizemos. Chegamos na hora do almoço e procuramos um prato de arroz com batatas e frango (o famoso pollo, que tem em todo o lugar e é o que existe de mais seguro e parecido com o Brasil). Copacabana é uma cidadezinha, eu diria, vilarejo, lotada de turistas de todo o canto do mundo (alemães e franceses são os europeus mais frequentes). Ruas de pedras e areia saibrosa, de baixo lembra vagamente uma Pirenópolis-GO, porém mais descuidada. O natal foi bem familiar. Fomos a um barzinho de uns garçons bem loucassos, filhos do proprietário do estabelecimento, que aliás transpirava álcool a quilômetros. Tocou música de todo o canto, inclusive muitas brasileiras (axé, pagode, funk...). E quando inteirou meia-noite ele, o dono bêbado, fez um discurso familiar saudando a mãe e os filhos. Não haveria nada de mais tão parecido com o Brasil nesta viagem.

No dia do natal, bem cedinho, fizemos a primeira aventura de Copacabana: “escalar” o Cerro El Calvario. E realmente o nome faz todo o sentido. Foi um martírio subir ali. Umas centenas de degraus que na altitude parecem milhares. Só Jesus na causa. Aquela dorzinha de cabeça básica e enjoo. A altitude pelo menos para mim não passou rápido. Ainda que tivesse mascado várias folhas e bebido litros de chás de coca em La Paz, o alívio era apenas momentâneo. Mas enfim, a chegada no topo do morro valeu a pena pela vista. Muito bonito, mesmo. Copacabana é a maior cidade boliviana à beira do lendário Lago Titicaca. Foi neste local que encontraram a imagem de Nossa Senhora de Copacabana. Reza a lenda que comerciantes espanhóis a levaram depois ao Rio de Janeiro e a partir daí construiu-se uma igreja e um bairro (o famoso praiano carioca) homônimo. No alto do morro visualizamos as montanhas da Cordilheira, a orla da cidade com suas embarcações charmosas (de longe) e também as históricas ilhas incas, do sol e da lua. Há três passeios de barco saindo de Copacabana: Islas flotantes, Isla del Sol e Isla de la Luna. Queríamos ir à Ilha do Sol, pela importância histórica, entretanto não havia mais horários e acabamos indo para as chamadas Ilhas flutuantes. Uma tremenda latada! Quando fomos para o barco, a parte de baixo do veículo (em que há poltronas, proteção e tudo mais) parecia já estar lotada, então o “comandante” falou para irmos na parte de cima como quem dissesse: “aproveitem, brasileiros, será muito mais divertido”. E lá fomos nós! Nessa condição, só nós dois – diga-se de passagem. Agarrados ao corrimão enferrujado do teto, o barco partiu, motor ligado e começou a balançar. Colete salva-vidas? Nunca nem vi. Algum profissional supostamente preparado para nos resgatar? Que dia foi isso?! Um vento congelante. O lago é maravilhoso, é verdade. Mas e a vida? Para piorar esta comédia trágica eu trajava uma calça de moletom cujos bolsos eram vazados, tentava me agarrar naquele barco para não cair e ao mesmo tempo apoiar os cotovelos sobre cada um dos bolsos, no da direita um celular que nem era meu, no da esquerda minha carteira com todas as únicas possibilidades de retorno ao Brasil sem a necessidade trabalhar como escravo para uma chola (dinheiro, cartão, visto, RG...). Não se banha no Titicaca. É o lago navegável mais alto do mundo. Imagine o gelo e a profundidade! Mesmo se pudesse, minhas habilidades de nado não passam de 20 metros de distância. Foi a primeira vez que pensei que morreria nessa viagem. Naquele momento eu não sabia, mas ocorreriam mais duas situações. Ou seja, foram 30 minutos rindo de desespero. Chegamos. A tal ilha era fajuta. Mais fake que reportagem do Gugu com chefe do PCC! Um amontoado de capim trançado suspensos por rechonchudos isopores. Ou seja, um cais. Ou tablado. E daí construíram umas ocas de palha para vender todos os tipos nada convidativos de comidas. Em 50 minutos tivemos que voltar ao barco. A graça para a gente foi ter subido em umas rochas para tirar fotografias maneiras do lago. Nada mais.

No topo do Cerro El Calvario, Copacabana, Bolívia

O dia posterior amanheceu ainda mais cheio de gringos: portugueses, dinamarqueses, ingleses, mais alemães, argentinos... E logo de manhã fizemos um passeio que creio ter sido realizado apenas por nós. Fomos a Pachataka ou La Horca Del Inca. É preciso subir um morro igualmente íngreme como o do Calvário, porém não estava limpo nem organizadinho como o outro. Derrubaram árvores que tornavam difícil o percurso e começou a chover. A chance de topar com uma cobra ou escorregar nas pedras era grande e não havia ninguém senão eu e João. No final, tudo certo. Pachataka na língua aimará significa "lugar para passar longe". Brincadeira. É "lugar de onde se mede o tempo", tratava-se de um centro de observação astronômica pré-incaico, onde mediam o ciclo das estações, previam eclipses e visualizam planetas. Enfim, a 5 mil metros de altitude realmente esse pessoal estava mais próximo do céu. E não é à toa que o principal deus inca era o sol (Inti). Apesar do frio, o sol neste lugar queima para valer. Leve seu filtro solar e abuse sem dó.

Pela tarde o céu ficou ensolarado e fomos à famosa Isla del Sol, onde dizem ter sido o ponto limiar da civilização inca. Uma hora e meia de barco novamente. Mas, desta vez, precavidos, fomos embaixo. Respirando óleo diesel; porém vivos. De pensar que turistas estavam disputando, neste dia, para saber quem viajaria na parte superior do barco. Inocentes. Pelo que li a Ilha do Sol é bem interessante, entretanto, não vimos quase nada senão uma escadaria supostamente inca que levava a uma fonte da juventude (diarreia pré-colombiana), uma ruína de fato antiga, comércio ambulante e uma garotinha cobrando 2 soles para tirar foto com uma alpaca baby. A ilha é grande (uns 14km²) e só tivemos uma hora antes do barco voltar. Para este passeio, recomendo pegar o barco das 8h e voltar no das 16h (último horário) ou pousar na ilha, onde tudo é mais caro e rústico. Na ilha do sol reencontramos o brasileiro Vinícius de BH, que havia saído no mesmo trem de Puerto Quijarro. Ele estava estirado na grama, havia passado mal o dia todo (até febre tivera) por ter viajado na parte superior do barco em direção à ilha. Rá!

Vista do Lago Titicaca a partir das Islas Flotantes


Puno – Peru

Após três noites em Copacabana fomos para Puno, a maior cidade do Peru às margens do Titicaca. Deu para perceber uma sutil diferença entre Bolívia e Peru, apesar da distância ser pequena – umas seis horas de ônibus circundando a imensidão do lago e com passagem a pé pela fronteira, onde tivemos que adquirir o permiso da alfândega peruana, que nos pareceu um cadiquinho mais rigorosa do que a boliviana. Puno deve ter uns 100 mil habitantes, bem maior do que Copacabana. Ruas pequenas, em geral de pedras, trânsito mais intenso e cheio de tuk-tuks indianos (no Peru os chamam de moto-táxis). Há algumas partes da cidade que são arrumadinhas, as praças e ruas do comércio, por exemplo, nas quais circulam apenas pedestres. O resto nem tanto. Todavia constata-se, de cara, que o Peru abraçou mais a globalização do que a Bolívia. Não vemos tantas cholas nas ruas. As pessoas se vestem e se comportam em geral como qualquer um de nós, mergulhados nas águas turvas da cultura ocidental. Sabíamos de um passeio em Puno muito sedutor aos turistas, as Islas Flotantes de Los Uros. Contudo nossa experiência em ilha flutuante em Copacabana foi o suficiente. Choveu para caramba após nossa chegada e o máximo que fizemos foi dar uma volta nas praças centrais e comer uma pizza em um pub da Jirón Lima. A cidade vive do Lago Titicaca e a despeito da beleza e peculiaridades do mesmo, estávamos afim de ir para Cusco. Compramos a passagem durante o trajeto de ida a Puno, dentro do ônibus, de um boliviano que não inspirava confiança alguma. No outro dia acordamos com o galo peruano, preocupados com a validade da passagem. Da recepção do hostel ligamos para a agência. Não constavam os nomes de Munis e João Gabriel em “boleto” algum. Nada. Felizmente o recepcionista, fã do futebol brasileiro e obviamente de Paolo Guerrero, foi muito atencioso e nos ajudou, ligando para o senhor que nos vendera a passagem. Gastei todo meu espanhol de ensino médio com ele e no fim correu tudo bem. Um taxista contratado pelo boliviano nos buscou e levou até a rodoviária de Puno, onde conhecemos mais um casal (Fernanda, uma paulista, e um francês simpático que vivia no Brasil e falava bem o português).

Cusco – Peru

De Puno a Cusco são longas horas de viagem. Claro, nada comparado ao trecho Sta. Cruz x La Paz. Porém estávamos medonhamente cansados de viajar de ônibus, por isso deu a impressão de mais do que oito horas e pouco. A paisagem ao redor deste caminho é admirável e variada, com altiplanos e cadeias de montanhas. Percebe-se a linha do trem correndo lado a lado com a rodovia. Nos vilarejos e pequenas cidades, criações de ovelhas, muitas. Também de alpacas (seria a alpaca uma ovelha pescoçuda ou uma lhama fofinha cheia de lã? Fica a questão). Passamos pela feiosa cidade de Juliaca, a quarta mais alta do mundo, com 3.825 metros. (A mais alta é a populosa e também precária El Alto, na Bolívia, onde passamos na região metropolitana de La Paz, são 4.150 metros acima do nível do mar.) O ônibus parou num restaurante à frente da cidade de Pucará para que comêssemos alguma coisa antes de chegar famélicos em Cusco. O receio de comer algo na estrada era frequente, mas foi inevitável pedir uma hamburguesa de pollo. Ao chegar em Cusco, um portal grafava “Capital del Imperio Inca”. A entrada não é lá essas belezas todas e visualiza-se prontamente as casinhas encrustadas nos morros, bem como monumentos em homenagem a líderes incas. Da rodoviária tomamos um táxi com o casal franco-paulista para La Plaza de Armas. Aí sim a cidade começou a ficar bonita. O centro coincide com a arquitetura histórica do local. Lembra em certa medida Ouro Preto-MG. Ruas calçadas de pedra, algumas bem estreitas, edifícios antigos preservados, igrejas suntuosas, a praça de armas é uma formosura que só vendo. Era ali onde se localizava o centro administrativo, religioso e cultural do império incaico. Foi lá também que os espanhóis executaram a mais importante liderança da resistência ao poder colonizador, Tupac Amaru II. Hoje no centro da praça há uma estátua mediana de um inca representado com machado e vestes típicas (não é Manco Cápac nem Pachacútec, somente uma representação da cultura inca). Lá foi colocado há pouco tempo e existe toda uma discussão acadêmica sobre a escultura estar alheia à figuração arquitetônica do lugar. Dane-se os acadêmicos, deixem a estátua lá.

Chegada em Cusco (Plaza de las Armas)

Afora as construções históricas, a Praça das Armas de Cusco é lotada de restaurantes, cafés e lanchonetes. Incluindo o McDonald’s. Vendedores estão por todo o lado e te oferecem a mesma coisa vinte vezes. Passeios. Massagens. Quadros. Gorros. Meias. Drogas. Chega a ser chato. As coisas são mais caras, bem mais. Como boa parte dos turistas vai pagar em euros ou dólares, pensam que você também está com essa grana toda (quem dera! Nosso real hoje vale menos do que os soles peruanos). Há também casas de câmbio na praça e cambistas legalizados no meio da rua, vários. Um dia depois de nossa chegada, resolvemos andar por Cusco e conhecer um monumento histórico chamado de Sacsayhuamán, uma fortaleza inca em um dos morros da cidade. Não pudemos ingressar no parque (que nem sabíamos existir) porque a entrada para estrangeiro não-estudante custa 130 soles. Uau. Mas, enfim, esse boleto dá direito a conhecer 16 lugares ao todo, dentro e nos arredores de Cusco (monumentos, sítios arqueológicos, povoados históricos, museus e igrejas). Dos que realmente são interessantes, colocaria apenas Sacsayhuamán e Ollantaytambo (este último é um complexo inca que fica noutra cidade de mesmo nome, não muito perto de Cusco – seria preciso comprar passagem até lá). Lá na porta do parque fomos abordados por um rapaz, disse que por 50 soles conheceríamos Sacsayhuamán e outra pá de monumentos, contudo, a cavalo, atravessando sua comunidade. E, sim, há esta opção, pois os peruanos têm livre acesso a determinados lugares e podem te levar como convidado. Fomos! Latada (outra). Esse passeio parece ter sido feito para turistas que viveram em apartamentos a vida inteira e nunca viram uma galinha viva na vida, quiçá uma árvore. Lá vamos nós montados em dois pangarés duros percorrendo um caminho cheio de lama, só ladeira. Os cavalos sofriam e nós também. O “agente de turismo” ia atrás falando um monte de besteira e batendo nos cavalos com uma corda. Depois de uns 30 minutos (seriam duas horas ao todo) e de ele defender que a economia do Peru iria de mal a pior se legalizassem o casamento gay, descemos dos cavalos para ver de perto um dos tais monumentos. Não vi graça nenhuma. E deixei o João sozinho com esse bolsominion tchicano e segui a pé. Rapaz, eu nem sabia onde estava para falar verdade. Só sei que era morro. Liguei o Google Maps e saí andando. Finalmente cheguei numa rua, zona urbana. Ufa! Uma tremenda perifa. Atravessei umas quebradas sinistras até que cheguei na parte leste do centro histórico de Cusco.

:: Montaña de Siete Colores ::

A dona do hostel em que hospedamos ofereceu vários passeios quando chegamos. E realmente você os encontrará facilmente nas agências localizadas ao redor da Praça das Armas. Lembrando melhor, há agências de turismo por todo o centro histórico de Cusco. Dá para fazer uma boa pesquisa antes de fechar qualquer coisa em cima da hora, evitando pagar o dobro. Interessou-nos três: Valle Sagrado de Los Incas, Montaña de Siete Colores e Machu Picchu (óbvio). Fizemos os dois últimos, um antes do réveillon, outro depois. Vou narrar agora o passeio à montanha que, seguramente, foi a aventura mais extrema e sofrível de nossas vidas. A brincadeira nos custou 70 soles e começou às 4h30 da madrugada. É o primeiro desconforto. Um ônibus veio nos buscar. Um ônibus apertadíssimo. Até para mim que sou um sujeito portátil (imagine para o João que tem mais de 1,80m). Na noite anterior, bati um prato violento de lomo saltado, comida típica do Peru com carne de boi, muita carne. Acordei com aquela indigestão e meu intestino não é dos melhores (sofro de colite e a ansiedade dispara os problemas). Ok. Acordei e não comi nada. Impossível sentir fome acordando de madrugada e ainda mais no meu caso, padecendo novamente do mal de altitude, azia e náusea. Fomos parando várias vezes dentro da cidade buscando a galera. E isso só piora as coisas para um ansioso. Daí em diante a diarreia ou o vômito seria inevitável. Tem que sair de algum jeito. Suando frio... e ô lugarzinho longe de chegar. O ônibus para antes do meio do caminho para pessoas irem ao banheiro, já que não havia nenhum dentro do veículo. Opa! Lá fui eu, naquele frio tiritante, com mochila equipada para as dificuldades da vida. Ah, que alívio! As coisas melhoraram. Ao menos momentaneamente. Entramos na zona rural de Cusco. Atravessamos vilarejos e caímos em estradas de terra. E dá-lhe ônibus subindo morros e montanhas. “Esperem, o que é isso?” Pedras rolando pela estrada. Placas. Indicações de deslizamento. “Eita! Olha a altura do penhasco. Não tem fim”. A rota era extremamente estreita e sinuosa. Chovia. Se cair a chance de sobrevivência é menos do que zero. Não passam dois veículos de uma vez. Há pontos, curvas, em que é preciso esperar quem está vindo passar. Há pontos cegos em que não é possível saber se vem algum veículo ou não. E por isso todos buzinam, o tempo todo. E lá vai o piloto de fuga peruano acelerando o maldito ônibus. Que sufoco, amigo. Demora muito para chegar. Paramos em um restaurante de um vilarejo para “un desayuno muy bueno” de acordo com a senhora que nos vendeu este rolê. Que nada. Era só pão, aquele pão estranho deles lá, geleia e chá de coca. Receoso com meu sistema digestório, não comi nada.

Depois da parada para o café da manhã, o ônibus roda mais uns 30 minutos (sim, de penhascos) e chega ao pé de outras montanhas. Várias vans e alguns ônibus estacionados. É muita gente que entra nessa diversão (digo, roubada). Chovia e felizmente compramos ponchos de lluvia para evitar maiores transtornos. Tive que ir ao banheiro de novo, o mais sujo da minha vida. Nessa viagem daria para fazer o “top 10” neste quesito. Mais uma surpresa: o ingresso de entrada não havia sido comprado pela dona do hostel ou pelos caras que ela contratou. Contrariados pagamos mais 10 soles.

E lá fomos nós. “Avante papachos!” Era o nome do nosso grupo. O caminho é fantástico de tão bonito. Percorre-se um vale extenso (el valle rojo). Depois começa uma cadeia de montanhas com ou sem neve nos cumes. Lá de baixo avista-se um punhado de gente subindo. Parecem formiguinhas. E você se sente realmente uma formiga ali no meio daquela paisagem de proporções infinitesimais. Mas o vento forte, a chuva, o frio e o mal de altitude vão te massacrando aos poucos. É preciso fazer várias paradas. Cansa-se facilmente. São 6km de ida e mais seis de volta. Parecem 42. O cume da montanha tem mais de 5 mil metros de altitude. Já estávamos a uns 4 mil e pouco. Anda, anda e anda... e não chega a lugar algum. Você começa a achar que quanto mais anda mais distante fica. Por um instante acredita ser num ponto, mas quando percebe existe mais um morro e, mais um, outro. De repente pessoas começam a desistir. Um senhor “europeu” voltando a cavalo. Mulheres de mais idade idem. Crianças. Vejo um pai empurrando seu filho de uns oito anos (tamanha irresponsabilidade!). Há cavalos pelo caminho, disponíveis por 70, 80 soles, o pessoal da comunidade aproveita para faturar. Estão certos, pois não há nada nesse lugar senão turismo e pequenas criações de alpaca. Depois de caminhar cerca de 4km, fazendo várias pausas, o sol se abre. E então começa a fazer calor. Tiramos a capa e as blusas. Que clima louco! Daí há pouco começa a fazer frio novamente e ventar. Recolocamos as blusas. E as capas. Agora está ficando mais perto do fim. E torna-se mais difícil. Pensa-se em desistir a cada momento, a cabeça parece que vai explodir de tanta dor. Encontramos outros brasileiros pelo caminho, os paranaenses Júnior e Chernobyl. Fazemos festa. Começamos a cantar e a dançar para disfarçar a desgraceira que estamos sentindo no corpo. João liga Raça Negra no celular e dança dig dig iê. Canto Racionais MC’s. A uns duzentos metros a brincadeira fica ainda mais séria. Começa a gear. Pedras de gelos nos acertam forte. O guia nos pede para acelerar porque vai chover intensamente e a decida se tornará ainda mais difícil. Mas não temos força. Vamos em nosso ritmo. Step by step. A neve chega. A montanha que já não tinha lá grandes cores por causa das condições climáticas neste dia (a chamam de montanha das sete cores/arco-íris ou Winicunca, em quéchua, devido à presença de minerais multicoloridos), agora passa a ficar branca, de neve. Finalmente chegamos. Sensação indescritível. Não há nada de exatamente bonito naquele momento. Apenas o sentimento de ter chegado até o final. O colorido da montanha fica esmaecido diante da tempestade que lhe assola. Mal conseguimos tirar os celulares do bolso para uma foto. Os dedos congelam. Pouquíssimos minutos lá em cima e descemos. Alguns passos e eu acabo escorregando na montanha. Desço uns 5 metros de "tobogã". A calça fica toda suja, a blusa de frio também. A mão agora está ralada e congelada. Que belo dia.

Chegamos exauridos no hostel por volta das 22h. Uma sopa no meio do caminho deu uma revitalizada. Na volta, pelo mesmo desfiladeiro, o motorista maluquete acertou a roda do veículo em um bloco de concreto que se localizava ao lado do caminho, o pneu estourou na hora, fez aquele barulhão. Por óbvio as pessoas gritaram de susto. “Puta que o pariu! Furou o pneu!”, disse na hora. A nossa sorte foi que, além de estarmos numa subida, era um dos pneus que, naquele momento, estava do lado da montanha, não do penhasco. Se tivéssemos caído, uns 400 metros nos esperavam lá embaixo. Foi a segunda vez que pensei que morreria nessa viagem. Restava mais uma (mas eu nem sabia). Todos desceram do ônibus para que pudessem erguê-lo para trocar o pneu. Depois disso o motorista imprudente ficou misteriosamente mais cauteloso e viajou a uns 40km/h. Foi o motivo de termos chegado tão tarde no hostel. Melhor assim, tarde porém vivos. Ou quase isso. Se soubéssemos precisamente o que enfrentaríamos é capaz que não teríamos embarcado nessa. Mas já que fizemos, valeu pela experiência de testar os limites físicos e psicológicos. Gostaria de ter lido algo assim antes de ir. Aproveite!

João no Valle Rojo subindo a Montaña de Siete Colores

:: Réveillon em Cusco ::

Por causa da condição física após Cerro Colorado, tiramos o dia para descansar. Até porque chovia e era, afinal, 31 de dezembro, véspera do año nuevo. O réveillon em Cusco lembra tons do carnaval brasileiro. À tarde fomos ao hostel em que Júnior e Chernobyl estavam hospedados, o Wild Rover. Almoçamos por lá e até jogamos um ping-pong de futebol na quadra. Cansa, viu. À noite voltamos ao local, desta vez para encontrar os brasileiros e irmos juntos à Praça das Armas, onde todos costumam passar o réveillon. O problema é que quando chegamos ao hostel já estava rolando uma festança lotada de gente (maioria gringa) e os paranaenses haviam comprado uns tickets para beberem mais barato. É claro que eles não iriam embora tão cedo dali e o João passou a acompanhá-los na cerveja cusqueña. Dei apenas uns goles, receoso por estar tomando remédios e estragar os próximos rolês. Lá pelas tantas percebendo que eles iriam ficar nessa #baladinhatop da gringolândia, desci para a praça forever alone, de poncho e tudo, porque o frio era assertivo. Cheguei por volta das 23h30 e nunca vi tanta gente reunida num espaço tão curto. Dei uma volta completa na praça passando entre as pessoas para ver se encontrava algum conhecido. Foi interessante ouvir idiomas e sotaques do mundo inteiro. Uma experiência singular. Os mais animados eram argentinos e brasileiros. Um grupo de BR’s cantava a música da barata no centro da praça. Argentinos entoavam cantigas de futebol. A galera já havia começado a disparar fogos de artifício. Próximo à virada me posicionei na parte alta para ver o que ocorreria. É costume depois da meia-noite os peruanos darem voltas e mais voltas na praça trajando uma cueca dourada por baixo ou por cima da calça. Dizem trazer prosperidade. Também enchem a cara de uma bebida milenar e suspeita, preparada artesanalmente, nomeada chicha. Igualmente bebem a aguardente pisco e cerveja. Quando bateu meia-noite foi aquela loucura. Todos correndo e cantando e jogando água e água que passarinho não bebe para cima. Fogos de artifício, bombinhas, foguetes, traques... mesmo o policial do meu lado sacou a câmera de seu celular para filmar a patuscada.

:: Machu Picchu ::

Finalmente vou contar sobre Machu Picchu. Imagino que seja o momento mais aguardado para quem estiver lendo o relato desta viagem. Bom, primeiro existem muitas formas de ir a Machu Picchu. E todas atualmente envolvem (muita) grana, umas mais, outras menos. Por conta do imenso fluxo de turistas que busca o local, o Ministério da Cultura peruano passou a limitar o número diário de visitantes para não destruir o patrimônio histórico. Ainda assim, é muita gente: 2.500/dia. Como as maneiras de se chegar variam, os preços também. O pacote mais caro custa mais de 900 dólares. Isso mesmo. Mas é um passeio de oito dias, um dia livre em Cusco, um dia no Valle Sagrado de los Incas e depois segue o roteiro clássico do chamado Caminho Inca, passando por Ollantaytambo até chegar caminhando ao parque de Machu Picchu. Eu não recomendo. A menos que você seja rico e esteja muito bem preparado fisicamente. Ainda que a região seja mais baixa do que a tal montanha de cores, altitude não é brincadeira. Se quiser um roteiro parecido pagando menos, vi um de 700 dólares, para 4 dias e 3 noites. Tudo isso inclui guia, alimentação e locais de repouso. Não dá mais para fazer essa brincadeira sozinho, tudo é área protegida e relativamente vigiada. E mesmo se quiser encarar no peito os riscos, vai ter que desembolsar 70 dólares para entrar no parque e conhecer a cidadela inca de Machu Picchu. Outra coisa, o lugar não é fácil de chegar. Para ninguém. Os veículos precisam subir morros e mais morros percorrendo desfiladeiros, margeando penhascos e abismos sem igual. A distância de Cusco a Machu Picchu deve ser de uns 200km. Porém, por ser pista sinuosa e íngreme, demora o dobro ou o triplo de uma viagem rumo a local plano. Por outro lado, se você for ricaço e dispender de uma boa grana é possível uma viagem rápida e segura. De que modo? Helicóptero de Cusco a Aguas Calientes. Hospede-se em um hotel de luxo e pague uma van até a entrada do parque de Machu Picchu (20 minutos).

Numa certa oportunidade, meu primo brincou falando o seguinte: “existem dois jeitos de ir a Machu Picchu, como rico e como eu fui”. É mais ou menos por aí. Compramos o pacote mais barato disponível para nossa situação. 90 dólares por pessoa. Chama-se “Machu Picchu by car, 2 dias y 1 noche”. Sim, eles misturam inglês e espanhol. Inclui guia (que dizem ser obrigatório embora tenhamos visto gente entrar desacompanhada), hospedagem de uma noite num hostel de Aguas Calientes, um almoço, uma janta e passagem de ida e volta de van até a hidroelétrica de Santa Teresa. A diversão começou às 8h30 quando o vanzeiro veio nos buscar no hostel. Rodamos por um caminho tortuoso o dia inteiro, enfrentando em certos trechos alta neblina, penhascos, deslizamento de estrada, chuva, cachoeiras desaguando na pista (muitas e são dos rios que descem a montanha), pedras rolando morro abaixo, curvas de tirar o fôlego, ausência de asfalto... Disseram-me que o percurso era mais estruturado e menos perigoso do que o da Montanha de Sete Cores. Realmente, pelo menos há um bom trecho de asfalto e a pista é melhor sinalizada. Contudo, as cruzes são dezenas pelo caminho, indicando que várias pessoas caíram dali. Chegando próximo ao município de Santa Teresa havia um trecho em que pedras rolavam e o terreno ameaçava erosão. Neste momento o motorista colocou o pescoço para fora da janela para enxergar a roda dianteira, fiscalizando se ela iria passar na terra ou no ar. Quer dizer, se o veículo perderia contato com o solo e nós viraríamos mais uma cruz na estrada. Foi a terceira e última vez que pensei seriamente que morreria nessa viagem. Os passageiros de tantas nacionalistas distintas se entreolhavam como se indicassem um ao outro: “é, agora fudeu”. Felizmente chegamos ou eu não estaria narrando essa história aqui. A van nos deixou na hidrelétrica de Santa Tereza às 15h30. Dali em diante só tem jeito de ir de helicóptero particular, trem ou caminhando. Para ir nesse trem é necessário comprar passagem com antecedência. Além disso, é caro. 30 dólares por uns 12km. Nossa opção foi ir a pé, trekking. Queria ver essa galera crossfit enfrentar uma dessas! A gente segue caminhando na linha do trem. Muitas pessoas vão do mesmo modo. É cansativo, chovia, entretanto, o percurso é bem bonito. Um rio caudaloso de fortes correntezas passa ao seu lado. Você caminha entre as montanhas, possivelmente maravilhado. Encontramos outros brasileiros nesse trajeto, mineiros de BH e região metropolitana (Igor, Carlos, Tâmila, Pat, Júlia e seu corajoso avô). Chegamos famélicos por volta das 18h30 em Aguas Calientes, um povoado constituído por turistas e pessoas que trabalham no parque ou nas redondezas. A microcidade também é chamada de Machu Picchu Pueblo e nela há piscinas termais disponíveis a 20 soles. Não entramos porque o jantar seria servido às 20h, todos estavam exaustos, mortos de fome e ansiosos para ir ao parque no outro dia cedo.

A descrição breve da ausência de glamour: os 12km até Machu Picchu Pueblo 


Pelo movimento que vi, a cidade de Aguas Calientes madruga porque as pessoas querem chegar a Machu Picchu o mais cedo possível para ver o nascer do sol. É besteira. Pelo menos no clima em que estávamos enfrentando, nublado e de muita chuva, não vale a correria. Convenci o João a irmos mais tarde, entrarmos às 9h no parque com o guia. Recomendo o mesmo. Quem foi muito cedo reclamou da densa neblina. E o parque só abre às 7h. Dá para fazer o percurso a pé do Pueblo até Machu Picchu, mas preferimos pegar uma van porque iríamos voltar a pé até a hidrelétrica. Essa van que leva até o parque custa 39 soles e é o paraíso para as empresas que monopolizam o serviço. Finalmente chegamos à entrada do parque, momento tão aguardado em toda a viagem. Até mesmo para mim que deixei de ver tanta graça em Machu Picchu de uns tempos para cá. Entramos com o guia Christian, o dublê de Kin Jon Un, e mais quinze pessoas. Lá dentro o lugar fica lotado, gente se acotovelando. É impossível caminhar rápido. Quando se chega no ponto em que tiram as fotos clássicas, ao olhar para baixo e contemplar toda aquela beleza sublime, todo sofrimento, dinheiro e dificuldades são recompensados. O sítio é incrivelmente bonito e bem cuidado. Tem gente que chora de emoção. Você fica ali meio abestalhado porque se sente na composição do cenário de um filme ou de uma pintura naturalista. Do ponto de vista histórico, Machu Picchu foi encontrado há pouco tempo. Uns 100 a 150 anos atrás. E até hoje os especialistas não sabem definir ao certo o que foi o local. A hipótese mais aceita é que seria uma espécie de esconderijo de guerra ou posto militar, criado pelos incas após a invasão europeia. Mas também se especula muito que pode ser um templo sagrado. O guia apresentou a versão dele: trata-se de uma “universidade” onde se aprendiam os ofícios daquela civilização. A parte de baixo só era acessada por membros do governo ou da elite inca. Inclusive nos mostrou um portal onde teria havido uma porta de pedra movida através de um complexo sistema de cordas e pesos. Enquanto isso, as partes mais elevadas eram zonas de trabalho com a agricultura, praticada obviamente pelo povão inca. O guia também apontou que apenas 30% do que existe hoje em Machu Picchu é original. Notamos que, devido ao turismo, a degradação é inevitável e para isso eles substituem as pedras por outras. Dentro das salas existem inúmeras pedras já disponíveis em caso de necessidade. Pessoas trabalham o tempo todo cuidando dos jardins. Abordamos um senhor que trabalha ali há seis anos, como funcionário do Ministério da Cultura. Ele nos contou que recebe 50 soles por dia e mora em Aguas Calientes, um lugar caro para quem não é turista.

Eu em Machu Picchu ativando os superpoderes

Outra atração fofinha de Machu Picchu são as lhamas, que pastam tranquilamente nos campos de grama. Só são incomodadas para tirar selfies com turistas. Mas parecem nem se importar. Levei uma banana do hostel porque sabia da predileção delas pelo fruto. Resultado: amizade sincera. A lhama ficou andando atrás de mim por um bom tempo e demorou a compreender que o banquete tinha acabado. O parque é grande e levamos cerca de duas horas para percorrer uma boa parte. Não pisamos onde os trabalhadores incas plantavam. Você fica ali pulando de degrau em degrau, observando à paisagem e desviando da multidão de turistas. Tem como subir numa das montanhas que ficam em volta do parque (Huayna Picchu). Mas custa grana, em dólares. Não tínhamos tempo, nem dinheiro sobrando. Saímos do parque. É muito pouco tempo de tour. Mas fiquei satisfeito com a experiência estética. Creio que as imagens descrevem melhor do que as palavras quando me refiro a tal.

João com sua única camiseta que não era do Flamengo

Agora era encarar um trajeto de uns 14km direto até a hidrelétrica. A van sai às 16h e se você não estiver lá te deixam facilmente para trás. Do parque até a ponte você desce em uma trilha muito parecida com as de cachoeiras em Pirenópolis ou algumas da Serra da Canastra. Recomendo fortemente estágio nestes locais para encarar os trekkings de Machu Picchu. Foi ainda mais cansativo para a gente porque tínhamos caminhado 12km no dia anterior para chegar até Aguas Calientes e sem falar que não havíamos recuperado 100% da brincadeira na montanha de cores. Paramos na ponte para descansar uns minutinhos e devorar um lanche que o guia nos deu, pão com presunto e queijo e um suco del vale. Mais duas horas de caminhada agora pelo mesmo caminho em que viemos, na linha do trem. Conhecemos a última pessoa brasileira do rolê, uma catarinense cujo nome não lembro e que nos acompanhou até a hidrelétrica. Cansados, porém felizes, nem nos importamos tanto assim com o percurso tenebroso de volta da van.

Lima – Peru

Devido a todos os perrengues, medos e canseiras que passamos andando de ônibus na Bolívia e no Peru, decidimos voltar de avião para o Brasil. Compramos passagem com saída de Cusco dia 04, João às 11h e eu às 8h30 porque não havia mais promocional para o mesmo horário. O voo fez escala em Lima. De onde o avião partiu às 22h para São Paulo. Aproveitamos este tempo para conhecer alguma coisa da capital peruana. Outra aventura. Primeiro porque o aeroporto de Lima não fica exatamente em Lima, mas em Callao, zona metropolitana. Paguei 45 soles num táxi do aeroporto ao centro da cidade, também centro histórico. Fiquei rodando horas por lá. Vi monumentos, praças, igrejas, casas de cultura, casarões, pombos, gente, mais gente... Percebemos que as coisas são mais baratas em Lima, ainda que a capital também estivesse cheia de turistas. Quando o avião aterrissa “na cidade” ficamos com a impressão de chegarmos a um país distópico ou surreal porque ao mesmo tempo em que o relevo é desértico, também é litorâneo com praias. E tudo está no mesmo quadro. É bonito de um jeito bizarro. Lima tem todos os problemas de uma cidade grande, muito grande. São 12 milhões de pessoas em toda a área metropolitana. Caos. Felizmente as ruas são mais largas do que as de La Paz e não há aquela infinidade de morros, o que tornaria impossível um passeio a pé, como fiz. Visitei a praça central, chamada de Plaza Mayor de Lima ou Plaza de las Armas, e também a Plaza San Martín, homenagem ao herói das independências latino-americanas. Em frente à praça central localiza-se a sede do governo executivo e na hora do almoço estava ocorrendo uma cerimônia que não identifiquei o significado. A banda dos guardas tocava e marchava pelo pátio. A polícia procurava conter os turistas ao tentarem se aproximar demais dos portões. Lá pelas 14h chega o João na praça. Eu já tinha visto tudo o que era possível naquele espaço andável. Infelizmente não deu para ir em Miraflores ou noutras praias. Almoçamos no restaurante de um garçom muito resenha, fã do futebol brasileiro e que dizia ser ex-jogador e dublê do Guerrero. Uma figura. Eles nos explicou finalmente porque os peruanos não gostam dos chilenos. Algo que ouvimos em Puno e também em Cusco. “São racistas. E nós peruanos somos indígenas”. Algo mais ou menos assim.

Devido ao fluxo de pessoas e confusão no centro de Lima é fácil perder seu colega. E foi isso que aconteceu. Já cansados, João se entranhou por um caminho e eu por outro. Fiquei uns 30 minutos na praça esperando-o aparecer e nada. Quando o relógio bateu às 18h20 resolvi procurar uma hamburguesa para depois seguir ao aeroporto de ônibus (bem mais barato do que de táxi). No entanto não previa que no horário de pico Lima passaria de fase. Da fase caótica para a fase “verdadeira Babilônia”. Sabe a Estação da Sé em São Paulo na hora do rush? Pois então. Lima é tipo isso só que inteirinha em volta do centro. As ruas ficam travadas. As pessoas loucas. Rodei para todo o canto e nada de encontrar a tal dessa hamburguesa. Me embrenhei num bairro chinês e comecei a ficar preocupado com o horário. Daí retornei à avenida Tacna, onde pretendia pegar o ônibus. Por fim encontrei uma travessa onde havia uma lanchonete de pouquíssima higiene e organização mas que vendia sanduíches. Ah, foi aí mesmo. Mandei para dentro e saí disparado. Já passavam das 19h40. Perguntei a alguém quanto tempo demorava o ônibus até o aeroporto. Duas fuckin’ horas. A Nazaré fez as contas. 21h40. No mínimo. O voo parte às 22h. Ou seja, vou ficar em Lima para sempre. Vamos para o táxi. São milhares. Vai ser fácil. Pergunto para o primeiro. “50 soles”. Não pago. Pergunto para o segundo. “Aeroporto? Não levo”. Vou ao terceiro. “Não levo”. Vou ao quarto. Ele ri. “Jamais”. Quinto, sexto, sétimo... e o desespero vai batendo. Por que eu não fui com aquele primeiro? Vai ser burro. Ninguém quer levar ao aeroporto. É claro, olha que puteiro de cego virou essa cidade. Nobody moves. Everybody get hurt. Decido sair dessa avenida e ir para o rumo do centro histórico. Abordo mais dois taxistas, que estão sentados ali sem fazer nada. Dizem que o táxi não é deles. Um aponta para o outro. Esse outro ri. Diz que nunca nem viu táxi. "Ahhh... olha lá do outro lado", um dos meus eus diz para mim mesmo. Tem um senhorzinho lá. O carrinho dele está meio zoado. Vou perguntar. “¿Quanto custa hasta aeropuerto?” “40 soles”. Vambora, tiozinho. Grazadeus.

Vou conversando com o taxista para não morrer de ansiedade. Ele diz que em uma hora a gente chega lá. O trânsito está super travado. Ele tenta todos os atalhos possíveis. Liga o GPS. Aparecem uns tuk tuks atravancando o caminho. Descubro que o irmão dele é casado com uma brasileira. E ele curte alguns cantores brasileiros... Roberto Carlos (esse eu já sabia que fazia muito sucesso por aqui) e Nelson Ned, el chiquitito. Nelson Ned, meus senhores! Digo a ele que ninguém mais lembra deste cara no Brasil. E então segue a melhor parte da conversa traduzida para o português:

– Ei, amigo, é verdade que o Roberto Carlos é aleijado.
– É sim. Ele não tem uma perna.
– Uau. Eu pensava que ele era saudável.
– ... [rindo muito por dentro]
– E ele tem esposa?
– Tinha. Mas já faz alguns anos que morreu.
– Coitado! Sem perna e sem esposa.
– ... [rolando no chão de tanto rir, mas por dentro]

Chegamos. 1h e pouco de viagem. Jogo 50 soles na mão do tiozinho, no és necessário el cambio, gracias. Muchas gracias. ¡Viva Perú!

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Cansou? Considerei que a narrativa deveria exigir fôlego para representar o que precisamos possuir em Bolívia e Peru. 

Mas calma, ainda não acabou. Vou fazer breves considerações etnográficas e úteis sobre os povos boliviano e peruano, idioma, culinária, preços de hospedagem e outros passeios disponíveis no percurso.

Bolivianos e peruanos

Pelos boatos e impressões que ouvi sobre os bolivianos, era para termos voltado sem um rim ou o pâncreas. Soube que os bolivianos eram extremamente corruptos e picaretas. Que fariam de tudo para arrancar dinheiro e enganar. Não aconteceu nada disso. Fomos bem tratados na maior parte dos lugares em que estivemos na Bolívia, penso que mais do que no Peru. Os bolivianos são sim extremamente desorganizados, em certa medida aleatórios. São mais secos e tímidos do que os peruanos. Há algo cultural das etnias indígenas e da história do contato destas com outros povos. Uma certa desconfiança para com o outro, eu diria. Mas nem isso é regra geral. Ouvi bolivianos reclamando de argentinos em Copacabana. Porque os argentinos chegam, vendem as miçangas, bebem, fazem contas e vão embora. Dos brasileiros parecem gostar. Alguns até se esforçam para arranhar algumas palavras do português. O espanhol dos bolivianos é mais compreensível do que o do Peru e sem dúvidas alguma do que o da Argentina. Creio que por conta de bastante gente por lá falar o quéchua, língua indígena. A língua espanhola, apesar de ser o idioma oficial, é também um tipo de segundo idioma. Os bolivianos são, a despeito de várias matérias dizendo o contrário, hospitaleiros. Mas não fique esperando que eles vão te adular. O sorriso é meio tímido, de gente muito humilde e "caipira", como o das cholas quando estão te vendendo algo e você puxa conversa sobre outras coisas. O espanhol dos peruanos é um pouquinho menos compreensível do que o da Bolívia. E os peruanos são mais descolados, dissimulados e malandros na arte da venda do que os bolivianos. Alguns parecem cariocas dos Andes. Se não ficar esperto, eles vão te vender coisas mais caras do que elas realmente são. Falam muito mais do que os bolivianos, adoram uma “palestra”. Vão te oferecer a mesma coisa dez vezes e jogar coisas na sua mão a fim de você comprá-las. E ai de você se não tiver espírito forte. Esse pessoal é muito persuasivo.

Culinária dos locais em que passamos

A culinária de Bolívia e Peru é relativamente semelhante entre si e diferente da mineira/goiana. Eles comem muito frango, muito mesmo. Tem carne de boi (res) e de peixe (não comi). Tem arroz. Mas falta aquele tempero brasileiro, sabe. João disse que o arroz tem gosto de parede. No entanto comemos boas pizzas que em nada deixam devendo à média brasileira. Bebem muito chá (de coca, puro, camomila, erva doce, mate, etc.). Tem café também, porém só tomei um feito em uma lanchonete norte-americana. Para o café da manhã, exploram um tipo de pão caseiro oco com geleira. Pagando mais caro você compra empanadas ou croissants. Fugi dos sucos naturais por causa da água. E quando resolvi tomar um de abacaxi, a fruta me pareceu passada. Disseram-me que a intoxicação alimentar seria inevitável nestes lugares e por já ter sistema digestivo problemático levei todo o tipo de remédios desta natureza. Não tive intoxicação, apenas uma má digestão agravada pelo mal de altitude. No Peru experimentei dois pratos típicos: lomo saltado e ají de galiña. Gostei dos dois. Mas o primeiro me fez mal no outro dia (porque comi demais) e o segundo foi feito no restaurante mais grã-fino que comi, tinha pouca comida e o arroz estava igualmente sem tempero. Antes do prato principal lhe servem uma sopa de entrada. Mesmo nos restaurantes mais simples. Eu não curtia. Comem muito hambúrguer. E a qualidade da carne vai depender do lugar em que se pede. Das cervejas famosas, a maior da Bolívia é a Paceña. João bebeu e disse que é uma Skol. No Peru faz sucesso a Cusqueña. Dei uns goles na dourada, puro malte. Achei parecido com Brahma extra. Esperava mais. Bem mais. O refrigerante tradicional do Peru é a Inca Cola. É mais doce do que Fanta ou Coca-Cola, mas nem tanto quanto o famoso Guaraná Jesus que vendem no nordeste do Brasil. Eu gostei.

Hospedagem, transporte e outros preços

Ficamos invariavelmente em hosteis simples ou medianos, entretanto, com quarto e banheiro privativos e chuveiro quente. É preciso exigir isso porque nem todos os lugares oferecem. Digamos que esta é a forma que gasta um pouquinho mais do que com quartos e banheiros compartilhados, mas te evita algumas dores de cabeça por dividir o lugar com pessoas desconhecidas que chegam a qualquer hora da noite. Não compramos nada com antecedência. Aliás, a viagem inteira foi assim. Chegávamos no local, abríamos o aplicativo do Booking e procurávamos alojamentos disponíveis. Ocorreu o mesmo com as passagens de ônibus. Pode-se dizer que demos sorte e também tem a ver com a temporada de chuvas que torna o período menos procurado do que outros. Olhe com antecipação passagens de ônibus de Campo Grande a Corumbá, foi onde tivemos problemas. Transporte e estadia em todos os lugares da Bolívia onde estivemos ficaram baratos. A moeda brasileira vale em proporção duas por uma. Isto é, um real valia dois pesos bolivianos. E o custo de vida é mais baixo do que no Brasil. Exemplo: estadia em La Paz para duas pessoas, 75 reais/diária. O almoço aceitável fica entre 8 e 15 reais. Copacabana é uma cidade um pouquinho mais cara. Todavia a discrepância com La Paz não é grande. Leve papel higiênico para todos os lugares em que tu fores na Bolívia e no Peru, geralmente não há e os banheiros destes países não são, digamos assim, referência em higiene. No Peru os preços sobem. Atualmente nossa moeda vale menos do que a deles (1 real = 0,90 soles). Em Puno, por exemplo, já é mais caro do em Copacabana. Cusco ainda mais. Em Aguas Calientes, por exemplo, tudo fica o dobro ou até o triplo. Apesar disso conseguimos um hostel tranquilo em Cusco por 40 reais por pessoa/diária. Quarto para dois e banheiro privativo e chuveiro quente, com café da manhã suspeito. Sem luxo algum, relativamente próximo à praça central. Táxi em Cusco também não fica caro. Tudo é combinado com antecedência, não há taxímetro. Paguei uns 20 soles (22 reais), do hostel ao aeroporto, uns 10km. Um almoço digno custava entre 20 a 35 soles (22 a 38,50 reais). Pizza idem.

Como enfrentar a altitude & outros passeios

Nem todas as pessoas sofrem com o efeito da altitude. E ela pode lhe causar desde uma simples tontura a um edema pulmonar. Vários fatores interferem neste processo. O modo mais cauteloso é: 1º) não ingerir nada alcóolico dentre três dias. Eu praticamente não bebi nada por precaução. O passeio era mais importante do que ficar embriagado. 2º) se alimente com comidas leves, evite gorduras, frituras e grandes porções de alimento de uma vez. Seu estômago não estará cem por cento. 3º) se possível não faça movimentos bruscos. O cansaço é maior e a fadiga proporcional. Evite fadiga. Não é frescura daqueles jogadores de futebol que vão jogar em La Paz. Esses caras são heróis. 4º) tente estar preparado fisicamente para fazer longas caminhadas. Sabe aquela academia que você não leva a sério? Passe a levar. Ou vá correr no parque/rua de sua cidade. Seus joelhos e pernas agradecerão depois. 5º) tome comprimidos para “el mal de altura” ou “soroche”. São vendidos nas farmácias destes lugares. 6º) mascar a folha de coca também é uma opção para o alívio. Mas é preciso saber como fazer. Você tem que tirar o cabinho das folhas e colocá-las no fundo do maxilar. Depois coloque um pouquinho de bicabornato de sódio e masque. Nada de engolir, viu? Pois pode fazer mal. Se puser muito bicabornato sua boca vai sapecar no outro dia. 7º) na Bolívia e no Peru os hosteis servem de graça o chá de coca, que eles chamam de “mate de coca”. Beba à vontade e boa sorte.

Na Bolívia um lugar para onde muita gente vai saindo de La Paz é o chamado El Salar de Uyuni. Um deserto de sal muito curioso. Não fomos porque não fica tão pertinho assim, é preciso dar uma voltaça para ir à Copacabana depois. Tem que ir para passar uns dias e a estrutura não parece ser das melhores. Em terras bolivianas também nos recomendaram Potosí, cidade do altiplano onde há uma mina de prata em funcionamento. Já no Peru, pela rota que fizemos, daria para fazer uma voltinha e ir a Arequipa, cidade grande e industrial, com quase um milhão de pessoas. Há opção natureza com montanhas e vulcão (El Misti), mas o mais interessante deve ser um rolê cultural no centro histórico, com museus e muita herança de construções da colonização espanhola. Cusco acaba tirando o foco de Arequipa, mas também parece ser interessante. Em Lima e arredores há todo um mundo de praias a ser descoberto que, infelizmente, não tivemos como conhecer. De todo modo, deixe Machu Picchu por último, possivelmente você não verá nada tão maravilhoso como tal nesse roteiro Bolívia e Peru. Nem mesmo a imensidão deslumbrante do Lago Titicaca. Se chegou até aqui, parabéns, você tem fôlego. Obrigado e até a próxima!

A clássica




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10 de jan. 2018

2 comentários:

  1. Adorei o seu blog Pedro. Muito interessante e com muitas dicas valiosas. Vou te enviar um convite para escrever alguma coisa pra o meu blog de viagem OK? Abraços.

    https://oseucompanheirodeviagem.wordpress.com/

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