Litoral do Nordeste: de Maceió à Natal


Mais precisamente Maceió, Porto de Galinhas, Olinda, Ilha de Itamaracá, João Pessoa, Pipa e Natal... e rensga! 17 dias. Esse é o tipo de viagem que, de repente, você não lembra nem mais o dia da semana, onde mora, no que trabalha ou no tamanho da fatura do cartão de crédito. Ou seja, o tipo de viagem totalmente excelente. Também pelas ótimas e divertidas companhias (minha namorada Ana, meu primo João, nosso amigo narcoléptico Marcão), vale a pena tecer algumas linhas. Porém nesta arte rupestre (já!) de escrever em blogs, adianto ao leitor o seguinte: foram tantas praias, pontos turísticos e lugares descobertos que seria impossível em palavras traduzir tudo, então descrevo abaixo um pouco do que me vier à memória afetiva.

MACEIÓ-AL

Com voo cancelado (da Passaredo) em cima da hora, eu e Ana tivemos que passar uma noite em Uberlândia. João e Marcão tinham saído de Goiânia no dia anterior e já estavam em Maceió, possivelmente incentivando o comércio cervejeiro da cidade. Ficamos numa pousada que não era lá essas coisas, mas que possuía uma vista esplêndida para a Praia de Jacarecica e onde até churrasco fizemos. No mesmo dia em que chegamos demos uma volta de “reconhecimento” na praia mais central da cidade, Pajuçara e sua ferinha de artesanato. Bonita se levado em conta tratar-se de uma praia urbana (e como toda praia urbana havia alguma quantidade de lixo). Neste dia estava movimentada, apesar de já ser fim de tarde. As plaquinhas de namastê good vibes fincadas na areia indicavam a presença da esquerda gratiluz por ali.
 
Praia de Jacarecica vista da pousada (Maceió)

No outro dia fomos cedo à Praia de Paripuera, essa sim, uma praia mais raiz, distante da correria metropolitana (localiza-se noutro município, Paripuera-AL, 25km da capital). Eu e Ana percorremos a extensa faixa de areia até o cabo final da praia. A volta foi cansativa. Mas valeu a pena pela possibilidade de ver a parte mais bonita da praia – que é obviamente onde não tem gente e os resquícios de vida marinha (parte de corais, siris, águas-vivas, etc.) estão mais presentes. João não foi, ficou assistindo à “cocada” do Flamengo no Goiás e alisando cachorros de praia e Marcão, só bebendo e dormindo, às vezes ao mesmo tempo. Pousamos apenas duas noites em Maceió. Sabíamos que havia outras praias interessantes nos arredores da capital alagoana, mas escolhemos pegar estrada, talvez porque as praias em geral estavam cheias de algas, pouco convidativas para banho. No caminho, antes de chegar a Pernambuco, foi possível conhecer um pouquinho da Praia de São Miguel dos Milagres, localizado no minúsculo município homônimo (local onde um pescador encontrou uma imagem do santo no mar e, ao levá-la para casa, teria sido curado imediatamente de uma antiga ferida, daí o nome). Essa praia é bem diferentona. Dá para andar por quilômetros mar adentro e a água é bem clarinha. Uma formosura de vista. Cheguei a cogitar que daí viria o nome “milagres” em alusão a andar sobre as águas. Jesus. Essas coisas. Errado estava.

Mar adentro em São Miguel dos Milagres-AL

PORTO DE GALINHAS (IPOJUCA-PE)

O sol se põe bem cedo nessa época do ano no nordeste, por isso, a despeito de ter conseguido um hostel bem no centro de Porto de Galinhas, quando chegamos na vila só deu tempo de almoçar e pegar o finzinho de tarde na praia mais próxima. A garbosa vila continua igual: muito movimento, turistas gringos, vendedores sem fim a toda hora oferecendo mil passeios e um cidadão dançando com uma boneca de pano. A faixa de areia das praias ali é curtinha e disputa com os vários corais de arrecifes (um dos quais Ana lutou bravamente por horas numa fila para conseguir uma pulseira que garantia acesso legal). No dia seguinte fomos apresentar a Praia de Muro Alto aos rapazes, mas, infelizmente, estava menos divertida do que no ano anterior, preços salgados e um cantor emendando Lenine com música gospel. “Por favor, apenas me mata logo, cara”. Pelo fato de todos já conhecerem o vilarejo, destinamos pouco tempo a Porto de Galinhas. Mas vale registrar que, apesar da pegadinha da pizza de 10 talqueis (“pizza doritos”, patenteou Marcão), a noite anterior tinha sido bem bacana: um rolê noturno pela cidadezinha onde tomamos um chope aceitável. Teve gente que só retornou para a pousada de manhã.

OLINDA-PE

De novo em Olinda. De novo um passeio no Alto da Sé. De novo aquela tapioca maravilhosa com queijo e coco que existe somente ali no patrimônio histórico da antiga capital de Pernambuco. Pois é. João e Marcão não conheciam Olinda, por tal motivo, nesse rolê de infinitas praias, foi bom para descansarmos um pouco do mar. No caminho passamos inevitavelmente por Recife, uma parada para água de coco na orla da Praia de Boa Viagem e um alô para os tutubas. Encontramos uma pousada muito em conta no centro histórico de Olinda. Entretanto quando Marcão percebeu que teria que subir uma caralhada de ladeira em ruas de pedra, repensou seu desejo de conhecer os encantos históricos de Olinda. Duas subidas no Alto da Sé foram suficientes para resolver toda a proposta. Tirar fotos com vista de Recife, outro punhado das igrejas. João e Ana toparam até mesmo pagar uns réis para subir no observatório. E os senhorzinhos repentistas? Adivinhe. Pegaram o João para cristo desta vez. Comédia pura! Até de ruralista o chamaram. E rolou um repeteco da tapioca na mesma banquinha em que havíamos ido ano passado, a dona Maria, dona da banca, não nos reconheceu. Mas nós, nós sim.
 
A Igreja de São Salvador do Mundo ou Catedral da Sé, Ana e o mar (Olinda-PE)

ILHA DE ITAMARACÁ-PE

Digamos que a passagem por Itamaracá foi uma das coisas mais imprevistas dessa viagem. Ocorre que havia um buraco em nosso roteiro. As hospedagens de Porto de Galinhas e Olinda foram fechadas durante o percurso, talvez esperássemos ficar mais um dia em um destes locais. E agora? Uma pesquisa na internet e pumba... optamos pela peculiar Ilha de Itamaracá. Tivemos que pegar uma balsa para atravessar com o carro até lá (afinal, é uma ilha, como toda ilha, cercada por água). Digamos que, nessa onda de descobridor dos sete mares, Itamaracá ficou longe de ter as melhores praias. Desculpe aí, ô Tim Maia. Apesar disso foi uma boa experiência conhecer a Ilha, voltar àquele clima de cidade pequena, vida simples, moradores se reunindo na praça. A pousada onde alugamos (e sua decoração particularmente exótica) tinha uma parte externa muito aconchegante: redes de deitar em frente à praia e uma lua cheia dando vários “oi, sumidos”.

Ainda em Itamaracá conhecemos dois lugares que vale anotar aqui. O primeiro é histórico, o Forte Orange. Uma fortaleza da época colonial, inicialmente construída por holandeses no processo de ocupação do nordeste, no período da União Ibérica (Portugal foi submetido ao rei da Espanha e os negócios do açúcar com os holandeses ficaram estremecidos). Os holandeses haviam construído a base militar para defender sua ocupação na capitania de Pernambuco. Durou pouco tempo. Depois os portugueses, já liberados do domínio espanhol, destruíram a fortaleza e construíram outra (dizem que idêntica, só de raiva – coisa de português). A história fez com que o antigo nome ficasse. O segundo lugar foi a Enseada dos Golfinhos. Um local onde os moradores vão para catar caranguejos. O que nos surpreendeu aí foram os imensos bancos de areia margeando a praia, formando tipos de lagoas, variadas, provisórias com e como as horas do dia. Bem diferente.

Marcão no Forte Orange (Ilha de Itamaracá-PE)

JOÃO PESSOA-PB

João Pessoa é uma baita cidade. Tudo bem que desta vez alugamos um apê (AirBnb) num bairro elitizado (Cabo Branco), mesmo assim, por onde passamos, visualizei uma cidade moderna e com ótima infraestrutura. O mesmo não foi visto em certos setores de Maceió (arredores do aeroporto, por exemplo). Além de tudo, adoro o sotaque e as expressões desse povo. “Pronto”. Tudo é “pronto”. Mal chegamos em João Pessoa e, pronto, fomos contemplar o “pôr do sol mais bonito do Brasil” na Praia do Jacaré, em Cabedelo-PB (região metropolitana). Esperava de verdade que a Praia do Jacaré fosse uma praia com mar, ondas, surfe e tal. Que nada. O sol morre no horizonte do Rio Paraíba. É bonito? É. Mas, sinceramente, nada demais. Fazem muito auê por causa de um pôr do sol. Lá também tem uma ferinha de artesanato e barraquinhas de pastel e tapioca, um bar com decoração selvagem-vanguardista high tech.
 
Pôr do sol na Praia do Jacaré (Cabedelo-PB)

Num dos dias tentamos em vão conhecer a parte histórica da cidade. Turistas abestalhados foram à noite achando que conseguiriam alguma coisa além de imensas filas de baladinhas teen e mil polícias desbaratando bocas de fumo. O uber nos desabafou que João Pessoa tem ficado assim nos últimos tempos. O que compensou mesmo foi ter alugado bikes para fazer um passeio ciclístico pela orla da capital paraibana. Enquanto João e Marcão praticavam transfusão de cerveja para o fígado n’alguma praia da cidade, eu e Ana rodamos uns 12km de bike pela cidade. Além de contemplar uma vista maravilhosa, tivemos que enfrentar um trecho de obras numa subida para conseguirmos alcançar a Praia do Seixas (um pouco poluída). Fizemos paradas na Estação Cabo Branco (um centro cultural onde havia uma exposição de pintura), no Farol do Cabo Branco e no Aquário da Paraíba (com direito a aula de biologia marinha sobre os paguros, crustáceos que roubam conchas de moluscos). Enfim, pedalamos até uma praia afastada, onde praticamente vivem apenas pescadores, a da Penha. Na volta, para refrescar, uma chuva!

A praia mais bela desses arredores foi a de Coqueirinhos, no município de Conde-PB, 30km de Cabo Branco. Assim que chegamos, mesmo sendo fim da tarde, deu para notar a badalação. E essa praia oferece variados cenários. Há uma parte em que as ondas estão mais fortes, noutras o mar é tranquilo, há trechos com formações de falésias e extensas faixas de areia: um aperitivo do que viria adiante. Para visualizar melhor, se quiser subir na parte mais alta da região (porque a praia é fim de um declive), também é oportuno. Paisagem ideal para fotografias e recordações visuais. Percorremos boa parte desta praia. Desta vez João, sóbrio e motorista austero, nos acompanhou. Marcão, não. Este ficou dormindo.

Praia de Coqueirinhos (Conde-PB)

PIPA (TIBAU DO SUL-RN)

Em primeiro momento Pipa sequer estava no roteiro. “Como não?” Do tanto que falam dessa praia temos que passar pelo menos um dia lá, pensei. E olha, vou te dizer, surpreendeu. Ana já conhecia. Os demais tripulantes não. Ficamos positivamente surpresos com o que vimos. As praias do Rio Grande do Norte são as mais lindas. Muito em função de Pipa. Além das praias maravilhosas de Pipa (sim, no plural), o vilarejo também tem seu charme, bastante movimentado, vida noturna, assim como Porto de Galinhas-PE ou Trindade-RJ. Nota-se a presença maciça de estrangeiros, sobretudo argentinos, inúmeros argentinos, ay mamita, mais argentino do que em partida do River Plate – vieram passar as férias e não voltaram mais (inclusive conversamos uma moça argentina tilelê que vendia miçangas na praia). A praia mais centralizada (Praia de Pipa) é sensacional aos olhos. Espraiadas formações rochosas desenham verdadeiras esculturas da natureza, faixa de areia considerável e limpa, águas mornas da cor verde-azuis, falésias de todos os tamanhos. Os banhistas ficam principalmente nesta praia, devido à proximidade com a vila e os variados restaurantes e lanchonetes às costas. No entanto, à esquerda, passando ao lado de enormes falésias, alguns metros adiante (antes do sol se pôr) se acessa a Praia Baía dos Golfinhos. Essa, mais rústica, lembra cenário de filme (sem exagero!). Não bastasse a praia ser belíssima, com falésias ao fundo, ainda há os golfinhos. Basta olhar mar adentro e esperar avistar as criaturinhas fazendo graça, saltando para fora d’água. Para finalizar a lista de belas praias de Pipa, quando estávamos indo embora rumo a Natal paramos na Enseada do Madeiro. Outra praia fantástica, com vista sem igual. Deveríamos ter ficado mais tempo. Só acho.
 
Parte semi-desértica da Praia da Pipa (Foto do Luís)

Como disse antes, nem só de praia vive Pipa. Tem também festas e boates para quem curte. Depois de arrematar uma deliciosa pizza (agora sim) e de zanzar à noite pela rua principal do vilarejo, fomos a uma apresentação de forró pé de serra. Luís, um autêntico paraguaio que se juntou ao bando desde a partida de João Pessoa, mostrou seu gingado guarani na pista de dança, dando uma canseira nas portenhas. Ana também arriscou uns passos. Eu, João e Marcão, como bons roquistas, apenas balançamos a cabeça e apreciamos a musicalidade nordestina: “Se avexe não . Terminado o forró, eles ainda foram se aventurar nas boates duvidosas daquela hora da noite, enquanto eu roncava feliz na pousada alemã que descolamos.
 
Baía dos Golfinhos (Pipa-RN)

NATAL-RN

Que cidade é Natal! Não à toa uma das mais visitadas em todo o país. Tem praia, tem dunas, tem lagoas, tem infraestrutura, tem comida boa, tem bons preços... com efeito, o melhor dessa viagem foi ficando para o final. Passamos mais de uma semana em Natal. E só não fizemos tudo o que tinha para ser feito porque (1) já estávamos cansados e (2) iriamos voltar mais falidos. Ainda assim, foi possível aproveitar bastante. Nos hospedamos pertinho da Praia de Ponta Negra, quase no final dela, chegando no Morro do Careca. Bastava descer uma ladeira para pisarmos na areia. E foi barato, viu?! Uns 40 reais a diária/pessoa. Talvez Ponta Negra seja uma das mais bonitas praias urbanas do Brasil, todo o dia movimentada, porém limpa, relativamente preservada, dá para perceber várias conchinhas do mar. Essa praia foi nosso escritório por uns bons dias. 

Praia de Ponta Negra (Morro do Careca ao fundo)

Já no primeiro ou segundo dia, contratamos um passeio de buggy pelo litoral norte, de Ponta Negra a Muriú. Vale a pena. Roteiro muito bacana. O bugueiro vai passando de praia em praia e faz algumas paradas no caminho. Com certeza as paradas mais interessantes acontecem nas dunas da Praia de Genipabu e nas Lagoas de Pitangui: a primeira justamente pela beleza ímpar do lugar, que contrasta o cenário de praia ao imaginário comum do deserto (inclusive algum “empreendedor” teve a infeliz ideia de levar dromedários para lá e arrancar dinheiro de turistas); e a segunda pela experiência sublime, aos olhos e ao corpo, em visualizar e nadar em piscinas de água doce com fundo de areia, se quiser, tomando a aquela cerveja gelada. Ao que tudo indica, essas lagoas são formadas por água de chuva entre as dunas. 40 minutos neste local e foi pouco. Na volta o bugueiro arrancou mais uns trocados para passar em um parque de dunas, onde testou nossa saúde cardíaca fazendo manobras radicais no buggy (“com ou sem emoção?”).

Dunas da Praia de Genipabu
 
Lagoa de Pitangui

Nós durante o passeio de buggy no Parque das Dunas

Natal tem tantas dunas que até mesmo o principal estádio leva o nome de “Arena das Dunas”. Construído para a Copa do Mundo, ficou conhecido como o lugar em que Suarez deu uma mordiscada no zagueiro italiano Chiellini. Fomos lá conhecer. O design externo da arena parece ter sido projetado por Niemeyer, de tão futurista que se apresenta. Internamente é mais um destes estádios do futebol moderno, padrão. Está sendo administrado por empresa privada (foi terceirizado) e o campo estava com marcação de futebol americano. Ou seja, os times locais (ABC e América) devem mandar os jogos em seus próprios estádios por questão de custo. Outra construção moderna e concluída na época da Copa é a Ponte Newton Navarro, sob o encontro do Rio Potengi com o Atlântico. Com 100m de altura na parte mais elevada, essa ponte começou a chamar atenção da imprensa devido ao grande número de suicídios ali cometidos. Desde então há uma campanha de conscientização e prevenção, com vigias e placas com frases de motivação. Subi lá para tirar umas fotografias e aproveitar a vista espetacular do mar rumo ao Forte dos Reis Magos. Chique bala.
 
Alto da Ponte Newton Navarro (Forte dos Reis Magos ao fundo)

Para concluir nossas andanças por Natal, compramos um passeio de quadriciclo, agora no lado sul da região metropolitana. Pensávamos que seria um rolê em dunas e areia de praia, só que não. Nos levaram bem de manhãzinha para (imagino) a zona rural de Pirangi do Sul-RN (onde encontra-se o maior cajueiro do mundo). Lá deram instruções de como pilotar um quadriciclo e daí em diante lama, muita lama pela frente. O melhor do passeio foram as breves passagens nas duas lagoas pelo caminho, a de Alcaçuz e a da Juventude. Esta última era espantosamente linda: água esverdeada, cristalina. Não lembro de ter visto nada parecido na vida (veja na imagem que águas sensacionais). Apesar do tempo não estar tão quente como nos outros dias, a gente entrou e não quis mais sair.

Lagoa da Juventude (Pirangi do Sul-RN)

É isso. O litoral nordestino é arretado. Rico, saboroso, diverso, maravilhoso. E essa viagem demonstra o estado de coisas e afetos provocados no visitante. Desde então tem sido eterna a rememoração em sentimentos e fotografias, agora também em palavras.


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Escrito em setembro de 2019

Chapada dos Veadeiros: mirante da janela e trilha dos saltos


Segunda vez na Chapada dos Veadeiros! É incrível como, mesmo tendo nascido e sido criado em Goiás, demorei tantos anos para conhecer o lugar. Claro, pode se justificar pela distância à minha cidade natal (nordeste goiano x sul do estado). Porém, a bem da verdade, tenho impressão que o turista goiano prefere um rio caudaloso para pescar (como o Araguaia, inspiração de todos os álbuns do Marcelo Barra) e/ou se instalar em ranchos e sítios rurais do que desfrutar do cerrado como atividade-fim e suas cachoeiras. Escrevo isso a respeito dos que gostam de “turismo-mato”. Porque há uma parte, criada à base de milk-shake do Goiânia Shopping, para a qual turismo goiano se resume a piscinas em Caldas Novas/Rio Quente e ida uma vez na vida à procissão do fogaréu em Goiás Velho (porque a avó católica levou!). Mas deixemos os lero-leros para “a menina feia da ponte” e vamos ao que interessa.

A região da Chapada dista 220km ao norte de Brasília-DF e tem como principal cidade a ufo-esotérica-miçangueira Alto Paraíso-GO. Contudo não fiquei em cidade alguma, mas sim em uma casa alugada no meio do mato (digo literalmente mesmo), mais próxima à Vila de São Jorge – um distrito a 36km de Alto Paraíso. O preço do aluguel ficou bem mais em conta do que o de uma pousada em alta temporada. Porém havia o problema de estar a uns 12km da vila, sendo 2km em estrada de terra. Enfim, fica a dica para aferir pesos e medidas. Partimos cinco de Brasília (eu, minha namorada Ana, mais dois amigos, Natália e Felipe, e seu filho Akim, de 4 anos). Lá dividimos a casa com mais duas amigas do Felipe, ambas paulistas que resolveram morar e trabalhar na região, e o filho de 3 anos de uma das duas. Era carnaval e chovia. Bastante. No primeiro dia, por chegarmos de tardezinha, não deu para fazer nada. Apenas Ana e Natália foram à vila pela noite tentando curtir o “carnachuva”. A ideia era acordarmos cedo para irmos ao parque ecológico. Não deu. Explico logo mais.

Cachoeira do abismo e Mirante da janela

Quando por volta das 9h30 chegamos à porta do parque, o encontramos fechado devido a lotação máxima diária (800 pessoas). Sim, a vila estava assombrosamente lotada. O “carnamato” atraiu um mundaréu de gente. São Jorge virou uma usina de humanoides. Triste fim? Nada. Felizmente a região tem muuuuitos outros pontos turísticos e que não ficam dentro do parque. Disseram na vila que existem mais de mil cachoeiras. Achei exagero. Mas são muitas, sim. No caminho que leva ao parque há um desvio à esquerda, com uma plaquinha indicando o Mirante da janela. E lá fomos nós. Percorre-se uns 4km de carro, ainda em asfalto. Daí em diante entra-se numa trilha leve. Caminha-se por volta de 2km até chegar a uma espécie de guarita. Trata-se na verdade de uma sede de sítio, porque a área é particular. Uns tiozinhos cobram 15 reais/pessoa para seguir adiante. São mais 2km em trilha com poucos obstáculos até a Cachoeira do abismo e mais uns 3km até o Mirante da janela, porém este último trecho é mais complicado por possuir pontos acidentados. A chuva nos castigou um pouquinho neste trajeto. Em tempo firme teria sido sossegado. O que posso dizer da Cachoeira do abismo? Bem, é bonitinha. Tem um poço onde é possível entrar. Apesar de que havia tanta gente e o tempo estava meio friozinho e chuvoso que não deu vontade, não. Do alto da cachoeira, já se tem, digamos assim, um mirante. Dá para ver uma breve extensão do parque e da chapada como um todo, uma espécie de vale. Sabe o Rei Leão? A cena em que o Mufasa diz ao Simba que tudo aquilo onde toca o sol será dele? Então. É mais ou menos esse o cenário. Fiquei impressionado. Mesmo sem sol. Caso o caminhante não queira seguir, este ponto já valerá a pena.

Seguimos. Com alguma titubeada devido à chuva (vencida após uma micropalestra de motivação realizada por uma tia que ali passava). Mas seguimos. Afinal o lugar buscado por todos que vão a essa trilha é o tal Mirante da janela. Famoso pelas imagens no Instagram. Com o tempo de chuva, imaginávamos que seria difícil ver grandes coisas. E foi. Entretanto o maior obstáculo não era o tempo chuvoso e sim a quantidade de gente. As filas para tirar uma fotografia no mirante pareciam as do INSS. Ao chegar, há uma base construída de madeira com fácil acesso. De onde é possível avistar as duas gigantes cachoeiras que são o plano de fundo do Mirante da janela, que na prática são três grandes rochas perpendiculares umas às outras (clique aqui para ver). Por causa dos respingos de chuvas não conseguimos registrar imagens com qualidade digna da vista que se tem. Porém com certeza é um lugar incrível. Estar ali, no meio do cerrado, em pleno planalto central, respirar ar puro e refrescar a mente do caos político e social, compensa demais, faz parecer mínimo o esforço imposto pelas condições geográficas.

Nat e Ana, uma releitura de O Rei Leão?


Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros: trilha dos saltos e corredeiras

Desta vez chegamos cedo na entrada do parque (8h). Havia uma fila imensa, mas depois de aguardar uns 40min finalmente conseguimos o acesso. De graça. Molezinha. Very nice. Antes de iniciar a trilha (são três trilhas e é preciso informar a opção porque há limite), os funcionários do ICMBio dão uma palestra sobre o que pode ou não pode, os perigos e as belezas. O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é uma unidade de conservação gerida pelo governo (por enquanto, porque há boatos de que querem privatizá-lo). Há murais detalhando sobre a fauna e flora do cerrado na entrada. Escolhemos a Trilha dos Saltos. 11km ida e volta. A maior parte do trecho é leve. Porém há partes do trajeto com longos aclives pedregosos. Dá uma canseira danada na subida. Enfim, em um determinado ponto existe uma bifurcação onde uma placa informa a direção do Mirante dos Saltos, à esquerda. Com 4km de caminhada se chega ao mirante. Antes e ao lado há cânions gigantescos. De uma formação geológica igual ou muito parecida a da Serra da Canastra. É quartzo ou quartzito. Dizem que o parque localiza-se exatamente em cima de um cristal de quartzo rosa, quilométrico e homérico, observável a determinados satélites. E que por isso chamaria atenção dos alienígenas em suas visitas a Alto Paraíso (não sei o quanto isso é factível para a população). A partir deste mirante, o caminhante visualiza tanto um vale onde corre o Rio Preto entre os cânions, como o 1º Salto do Rio Preto, ponto principal do roteiro, uma cachoeira estupenda e torrencial de 120m de altura. Uma paisagem inigualável que eu sequer tinha ouvido falar.

Cachoeira Salto do Rio Preto

Ao voltarmos para a trilha, caminhamos mais alguns metros até a parte alta desta cachoeira. Encontrei uma pedra larga e plana, à beira-rio, onde daria para fazer um piquenique sem ser muito importunado. Poucos metros adiante, andando sobre um terreno muito pedregoso e escorregadio, chega-se ao 2º Salto do Rio Preto, a Cachoeira do Garimpão, agora de 80m, igualmente torrencial devido ao tempo chuvoso, mas não tão bela como a primeira. Precisamente às margens dela e da encosta do rio, é onde o pessoal se banha, entra na água para se refrescar da exigente caminhada. Ficamos ali, como estrelas do mar, esticados numa pedra durante um tempo para recuperar as energias. Depois seguimos pelo mesmo caminho, porém de volta, e então tomamos a direção à direita da placa para alcançar as corredeiras. Não deve dar mais do que 1km de distância. Suando feito pastor em sessão de exorcismo, é óbvio que entramos no rio, até porque é o prêmio das ladeiras. Muita gente havia feito o mesmo. As tais corredeiras são do mesmo Rio Preto, porém em um ponto mais norte, anterior aos saltos. Lindas elas não são e suas águas, geladas. Mas diante do cansaço, você vai encarar, ah vai... Retornamos à entrada do parque por volta das 16h. Minutos antes de uma chuva diluviana desaguar. Sorte do dia.

Sobre a Vila de São Jorge

Totalmente roots. Estradas sem asfalto, trânsito confuso por causa do número de pessoas e carros no carnaval, sem posto de combustível ou caixa eletrônico. Na primeira vez que passei pelo vilarejo, há três anos, achei que era um lugar fantasma, totalmente vazio, sem uma viva alma. Nesta oportunidade tive outra impressão. Até porque ela cresceu um tantinho. As ruas ainda são três ou quatro. Mas já não são apenas 250 miçangueiros que ali vivem. Há comércios (lojas), pousadas, pequenos restaurantes, farmácia e um mercadinho. Estava muito movimentada e badalada, com direito a bloco de carnaval de rua (do qual tentei desviar e sem sucesso tive que passar duas vezes no meio!). Ficou óbvio que a chapada se “popularizou”. Os preços estão bem salgados na alta temporada. Uma imensa quantidade da galera hippie-chique e esquerda-gratidão escolheu o lugar para viver ou passar um tempo. Almoçamos algumas vezes num restaurante de comida caseira e goiana (da Léa, acho). Preço justo e parecia aberto 24h. Ótimo para trilheiros mortos de fome. No quarto dia planejávamos visitar outra cachoeira: ou Loquinhas em Alto Paraíso, ou Dos Couros, no rumo de Brasília. A chuva e a necessidade de voltar não deixaram. Tudo bem. Fica para uma próxima!

Nós, indo de volta para casa

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Março de 2019

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Se quiser saber mais sobre Alto Paraíso e outros pontos turísticos da região, escrevi um texto (a convite) para o blog O seu companheiro de viagem, contando minha primeira viagem à Chapada. O link está aqui: clique. No blog editado pelo pernambucano Alberto Valença há muitas dicas para lugares que ele visitou (clique aqui). Fica a recomendação.