Chapada dos Veadeiros: mirante da janela e trilha dos saltos


Segunda vez na Chapada dos Veadeiros! É incrível como, mesmo tendo nascido e sido criado em Goiás, demorei tantos anos para conhecer o lugar. Claro, pode se justificar pela distância à minha cidade natal (nordeste goiano x sul do estado). Porém, a bem da verdade, tenho impressão que o turista goiano prefere um rio caudaloso para pescar (como o Araguaia, inspiração de todos os álbuns do Marcelo Barra) e/ou se instalar em ranchos e sítios rurais do que desfrutar do cerrado como atividade-fim e suas cachoeiras. Escrevo isso a respeito dos que gostam de “turismo-mato”. Porque há uma parte, criada à base de milk-shake do Goiânia Shopping, para a qual turismo goiano se resume a piscinas em Caldas Novas/Rio Quente e ida uma vez na vida à procissão do fogaréu em Goiás Velho (porque a avó católica levou!). Mas deixemos os lero-leros para “a menina feia da ponte” e vamos ao que interessa.

A região da Chapada dista 220km ao norte de Brasília-DF e tem como principal cidade a ufo-esotérica-miçangueira Alto Paraíso-GO. Contudo não fiquei em cidade alguma, mas sim em uma casa alugada no meio do mato (digo literalmente mesmo), mais próxima à Vila de São Jorge – um distrito a 36km de Alto Paraíso. O preço do aluguel ficou bem mais em conta do que o de uma pousada em alta temporada. Porém havia o problema de estar a uns 12km da vila, sendo 2km em estrada de terra. Enfim, fica a dica para aferir pesos e medidas. Partimos cinco de Brasília (eu, minha namorada Ana, mais dois amigos, Natália e Felipe, e seu filho Akim, de 4 anos). Lá dividimos a casa com mais duas amigas do Felipe, ambas paulistas que resolveram morar e trabalhar na região, e o filho de 3 anos de uma das duas. Era carnaval e chovia. Bastante. No primeiro dia, por chegarmos de tardezinha, não deu para fazer nada. Apenas Ana e Natália foram à vila pela noite tentando curtir o “carnachuva”. A ideia era acordarmos cedo para irmos ao parque ecológico. Não deu. Explico logo mais.

Cachoeira do abismo e Mirante da janela

Quando por volta das 9h30 chegamos à porta do parque, o encontramos fechado devido a lotação máxima diária (800 pessoas). Sim, a vila estava assombrosamente lotada. O “carnamato” atraiu um mundaréu de gente. São Jorge virou uma usina de humanoides. Triste fim? Nada. Felizmente a região tem muuuuitos outros pontos turísticos e que não ficam dentro do parque. Disseram na vila que existem mais de mil cachoeiras. Achei exagero. Mas são muitas, sim. No caminho que leva ao parque há um desvio à esquerda, com uma plaquinha indicando o Mirante da janela. E lá fomos nós. Percorre-se uns 4km de carro, ainda em asfalto. Daí em diante entra-se numa trilha leve. Caminha-se por volta de 2km até chegar a uma espécie de guarita. Trata-se na verdade de uma sede de sítio, porque a área é particular. Uns tiozinhos cobram 15 reais/pessoa para seguir adiante. São mais 2km em trilha com poucos obstáculos até a Cachoeira do abismo e mais uns 3km até o Mirante da janela, porém este último trecho é mais complicado por possuir pontos acidentados. A chuva nos castigou um pouquinho neste trajeto. Em tempo firme teria sido sossegado. O que posso dizer da Cachoeira do abismo? Bem, é bonitinha. Tem um poço onde é possível entrar. Apesar de que havia tanta gente e o tempo estava meio friozinho e chuvoso que não deu vontade, não. Do alto da cachoeira, já se tem, digamos assim, um mirante. Dá para ver uma breve extensão do parque e da chapada como um todo, uma espécie de vale. Sabe o Rei Leão? A cena em que o Mufasa diz ao Simba que tudo aquilo onde toca o sol será dele? Então. É mais ou menos esse o cenário. Fiquei impressionado. Mesmo sem sol. Caso o caminhante não queira seguir, este ponto já valerá a pena.

Seguimos. Com alguma titubeada devido à chuva (vencida após uma micropalestra de motivação realizada por uma tia que ali passava). Mas seguimos. Afinal o lugar buscado por todos que vão a essa trilha é o tal Mirante da janela. Famoso pelas imagens no Instagram. Com o tempo de chuva, imaginávamos que seria difícil ver grandes coisas. E foi. Entretanto o maior obstáculo não era o tempo chuvoso e sim a quantidade de gente. As filas para tirar uma fotografia no mirante pareciam as do INSS. Ao chegar, há uma base construída de madeira com fácil acesso. De onde é possível avistar as duas gigantes cachoeiras que são o plano de fundo do Mirante da janela, que na prática são três grandes rochas perpendiculares umas às outras (clique aqui para ver). Por causa dos respingos de chuvas não conseguimos registrar imagens com qualidade digna da vista que se tem. Porém com certeza é um lugar incrível. Estar ali, no meio do cerrado, em pleno planalto central, respirar ar puro e refrescar a mente do caos político e social, compensa demais, faz parecer mínimo o esforço imposto pelas condições geográficas.

Nat e Ana, uma releitura de O Rei Leão?


Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros: trilha dos saltos e corredeiras

Desta vez chegamos cedo na entrada do parque (8h). Havia uma fila imensa, mas depois de aguardar uns 40min finalmente conseguimos o acesso. De graça. Molezinha. Very nice. Antes de iniciar a trilha (são três trilhas e é preciso informar a opção porque há limite), os funcionários do ICMBio dão uma palestra sobre o que pode ou não pode, os perigos e as belezas. O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros é uma unidade de conservação gerida pelo governo (por enquanto, porque há boatos de que querem privatizá-lo). Há murais detalhando sobre a fauna e flora do cerrado na entrada. Escolhemos a Trilha dos Saltos. 11km ida e volta. A maior parte do trecho é leve. Porém há partes do trajeto com longos aclives pedregosos. Dá uma canseira danada na subida. Enfim, em um determinado ponto existe uma bifurcação onde uma placa informa a direção do Mirante dos Saltos, à esquerda. Com 4km de caminhada se chega ao mirante. Antes e ao lado há cânions gigantescos. De uma formação geológica igual ou muito parecida a da Serra da Canastra. É quartzo ou quartzito. Dizem que o parque localiza-se exatamente em cima de um cristal de quartzo rosa, quilométrico e homérico, observável a determinados satélites. E que por isso chamaria atenção dos alienígenas em suas visitas a Alto Paraíso (não sei o quanto isso é factível para a população). A partir deste mirante, o caminhante visualiza tanto um vale onde corre o Rio Preto entre os cânions, como o 1º Salto do Rio Preto, ponto principal do roteiro, uma cachoeira estupenda e torrencial de 120m de altura. Uma paisagem inigualável que eu sequer tinha ouvido falar.

Cachoeira Salto do Rio Preto

Ao voltarmos para a trilha, caminhamos mais alguns metros até a parte alta desta cachoeira. Encontrei uma pedra larga e plana, à beira-rio, onde daria para fazer um piquenique sem ser muito importunado. Poucos metros adiante, andando sobre um terreno muito pedregoso e escorregadio, chega-se ao 2º Salto do Rio Preto, a Cachoeira do Garimpão, agora de 80m, igualmente torrencial devido ao tempo chuvoso, mas não tão bela como a primeira. Precisamente às margens dela e da encosta do rio, é onde o pessoal se banha, entra na água para se refrescar da exigente caminhada. Ficamos ali, como estrelas do mar, esticados numa pedra durante um tempo para recuperar as energias. Depois seguimos pelo mesmo caminho, porém de volta, e então tomamos a direção à direita da placa para alcançar as corredeiras. Não deve dar mais do que 1km de distância. Suando feito pastor em sessão de exorcismo, é óbvio que entramos no rio, até porque é o prêmio das ladeiras. Muita gente havia feito o mesmo. As tais corredeiras são do mesmo Rio Preto, porém em um ponto mais norte, anterior aos saltos. Lindas elas não são e suas águas, geladas. Mas diante do cansaço, você vai encarar, ah vai... Retornamos à entrada do parque por volta das 16h. Minutos antes de uma chuva diluviana desaguar. Sorte do dia.

Sobre a Vila de São Jorge

Totalmente roots. Estradas sem asfalto, trânsito confuso por causa do número de pessoas e carros no carnaval, sem posto de combustível ou caixa eletrônico. Na primeira vez que passei pelo vilarejo, há três anos, achei que era um lugar fantasma, totalmente vazio, sem uma viva alma. Nesta oportunidade tive outra impressão. Até porque ela cresceu um tantinho. As ruas ainda são três ou quatro. Mas já não são apenas 250 miçangueiros que ali vivem. Há comércios (lojas), pousadas, pequenos restaurantes, farmácia e um mercadinho. Estava muito movimentada e badalada, com direito a bloco de carnaval de rua (do qual tentei desviar e sem sucesso tive que passar duas vezes no meio!). Ficou óbvio que a chapada se “popularizou”. Os preços estão bem salgados na alta temporada. Uma imensa quantidade da galera hippie-chique e esquerda-gratidão escolheu o lugar para viver ou passar um tempo. Almoçamos algumas vezes num restaurante de comida caseira e goiana (da Léa, acho). Preço justo e parecia aberto 24h. Ótimo para trilheiros mortos de fome. No quarto dia planejávamos visitar outra cachoeira: ou Loquinhas em Alto Paraíso, ou Dos Couros, no rumo de Brasília. A chuva e a necessidade de voltar não deixaram. Tudo bem. Fica para uma próxima!

Nós, indo de volta para casa

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Março de 2019

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Se quiser saber mais sobre Alto Paraíso e outros pontos turísticos da região, escrevi um texto (a convite) para o blog O seu companheiro de viagem, contando minha primeira viagem à Chapada. O link está aqui: clique. No blog editado pelo pernambucano Alberto Valença há muitas dicas para lugares que ele visitou (clique aqui). Fica a recomendação.