Aracaju, Mangue Seco e Piranhas: além da linha sergipana

 

É possível dizer que essa viagem para Aracaju começou quando minha amiga Nádia foi realizar seu mestrado na universidade federal do Sergipe e me convidou para visitá-la. Isso aconteceu por volta de 2015. Contudo, as histórias que Nádia contava de Aracaju e arredores (Laranjeiras) não eram precisamente convidativas, apesar das belezas naturais e etc. Mas talvez essa viagem tenha começado mesmo, nos idos de 2008, quando um colega de trabalho de Uberlândia conheceu uma garota de Aracaju pela internet (ainda no império do Orkut e MSN) e resolveu bater lá. Fez valer o apelido que lhe foi atribuído pelo pessoal da empresa: Trakinas. Foi de ônibus. Ele adorou a cidade e me fez imaginá-la. Nunca tinha ido à praia. Nem ele, nem eu. Falou que as pessoas eram muito gentis e hospitaleiras. Ficou impressionado com um gigantesco caranguejo na orla. Ou esse monumento do caranguejo é recente e minha memória está querendo me iludir? Não sei. Sei que tenho a vívida lembrança de ele dizer que havia ganhado de presente da família da moça uma garrafa de pinga com um caranguejo dentro. Talvez não tenha sido a intenção dos nativos, contudo essa seria uma metáfora perfeita para o romance imperfeito de uma sergipana e de um mineiro sem um tostão no bolso. Não ia dar certo. Ele era o caranguejo. Podia se entorpecer ali dentro. Mas não haveria mais caminho além disso. Enfim, chega de “viagem” e vamos falar da viagem, que é isso que você, leitor(a), está esperando. 

Bando de maçarico-branco na praia de Coroa do Meio, Aracaju


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Nádia se mudou do Sergipe, mas tornei a receber outro convite para a visitar o menor estado brasileiro. Desta vez de Raquel, a goiana com quem trabalhei no Amapá e que, depois, migrou a trabalho para as terras sergipanas. Ela, sim, se encantou por Aracaju no mesmo nível que o de Trakinas. Nesse sentido, eu e Ana (com quem divido amor, boletos e viagens) tivemos sorte de ter uma amiga e guia turística radicada. Isso ajudou especialmente porque a viagem foi programada às pressas.


Dia 01. Assim que pisamos os pés no aeroporto de Aracaju (partindo de Brasília) fomos recebidos por Raquel, Luciano e Luís Otávio (respectivamente, marido e filho de Raquel). Uma recepção goiana no nordeste. Dali a poucos minutos já estávamos percorrendo de carro uma parte da infinita orla de Aracaju. Isso é realmente impressionante. Eu e Ana estávamos com a vã ilusão de conseguir andar tudo aquilo de bicicleta, como havíamos feito certa vez em João Pessoa. De cara percebemos que seria inviável. Deve dar uns 40 quilômetros de ciclovia, contando ida e volta. Sem falar no calor escaldante que, numa certeira expressão de Luciano, nos açoita logo de manhãzinha. Pois é. Tenho a impressão de que o segundo sol, do qual falava Cássia Eller na música, já chegou em Aracaju. Nesse passeio, por já ser no final da tarde, início da noite, deu somente para colocar o pé na areia e sentir a temperatura morna da água. Além disso, ficou claro que a faixa de areia da praia era extensa. Das maiores que já conheci.

Nesse mesmo dia, já à noite e depois de um banho, conhecemos dois bares. Uma churrascaria que tocava rock clássico e o famoso bar Cariri, típico da cultura nordestina. Como posso definir esse bar? Caótico? É por aí. Tudo acontece ao mesmo tempo no mesmo lugar. Eu não sabia, mas essa seria uma alegoria de Aracaju, no sentido de figura de linguagem e não de adorno. O Cariri é carregado de cores (muitas), enfeites e sons. Tudo propositalmente exagerado. Cabeça de boi ao lado de uma fotografia de “padim padre Ciço”. Você pede uma água e a água demora a chegar. Você não entende, o bar está cheio, mas não tão cheio. “Cadê o diacho da água?”. Mas isso é porque (do nada) o garçom começou a cantar ou a participar da performance do artista que está se apresentando. E o público faz trenzinho com um sanfoneiro que apareceu sabe-se lá de onde, vai lá fora, depois volta. E vai lá fora de novo. A garçonete imita o pitbull enraivado e pede dinheiro para dar um trato no telhado de sua casa (oi?). No fundo do bar, há um corredor enfeitado com retalhos. No fim dele, outro espaço do bar, com outra banda se apresentando. Ali é VIP. 400,00 haddads a mesa. Catraca e segurança. A gente deu uma conferida e voltou. Saí sem entender nada, mas tá tudo bem.

 

Dia 02. Neste dia partimos para um rolê de patrimônio histórico. Conhecemos o Museu da Gente Sergipana em Aracaju. Bastante diverso. O título de “gente” deve ter sido dado para a galera já chegar sabendo que não é sobre as autoridades/figuras notórias e fatos oficiais, embora isso também tenha. Além de ser um museu convencional, há algumas peças culturais para o público interagir. A que mais me chamou a atenção é a do “José Vende”. Trata-se de um feirante virtual que te oferece de um tudo a partir de alguma palavra que você fala no microfone. Outro José homenageado (e esse de fato existiu), é o Zé Peixe. Um prático de navio cuja peculiaridade inacreditável era ir nadando até as embarcações para guiá-las. Sua estátua fica na entrada do museu. Na entrada está também a estátua da mulher mais alta da América Latina, Maria Feliciana dos Santos, com seus imponentes 2 metros e 25 centímetros. Um abuso! Contudo, não se encontra somente “gente” nesse museu. Há representações da fauna e de paisagens. Ao atravessar a rua do museu, chega-se ao monumento do Largo da Gente Sergipana. São oito estátuas que representam, cada uma, diversas manifestações folclóricas típicas. De acordo com o que se lê no Wikipédia, “entre as manifestações representadas, estão os Lambe Sujos e Caboclinhos, os Bacamarteiros, o Cacumbi, os Parafusos, o Reisado, a Chegança, a Taieira, a Dança de São Gonçalo, além do Barco de Fogo”. O Lambe Sujo é uma espécie de saci, porém ainda com perna. Sua estátua está retratada durante uma briga com um Caboclinho. Lambe Sujo empunha uma foice, mas sabemos a perna de quem a lâmina vai lascar no fim do episódio.

 

Ana ao lado da representação do Reisado (não, não é Boi-Bumbá)

Do Museu seguimos para outro museu, desta vez em São Cristóvão-SE (95 mil hab.). Fica a 24km do Museu da Gente Sergipana. Cidade histórica na região metropolitana de Aracaju, primeira capital de Sergipe e fundada em 1590. Logo chegamos à praça São Francisco, declarada, em 2010, patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO. Não tem nada demais nessa praça. Só é antiga para caramba. A partir dela ingressamos no (também colonial) Convento e Igreja de São Francisco de Assis que, atualmente, funciona como museu (o Museu de Arte Sacra). Diferentemente do Museu da Gente, o guia que nos acompanhou foi extremamente simpático e não somente apresentou os artefatos e instalações, como debateu conosco as questões que tínhamos, como a de uma estátua de um crucificado no centro da sala de reuniões internas dos franciscanos. Se não era Jesus, seria quem? São Dimas? Não sabem. Foi um passeio interessante. Infelizmente, o outro museu mais conhecido (Museu Histórico de Sergipe) estava temporariamente fechado.

 

Praça São Francisco de Assis, São Cristóvão-SE

Dia 03. O rolê dos museus nos fez conservar energia para acordar cedinho no outro dia e irmos conhecer o parque mais bem cuidado de Aracaju: o Parque da Cidade. A ideia de chegar bem cedinho era para fotografar uns passarinhos. Nessa tarefa não obtivemos muito sucesso. E a razão era óbvia, ainda que tivéssemos chegado lá às 7h, quando bateu 8h30 o sol estava estraçalhando. Passarinho não é besta. A galera que gosta de caminhar e correr no parque (e em Aracaju o pessoal é bastante fitness nesse sentido) tem que levantar de madrugada se quiser suportar o deus incaico. Das 9h em diante não se encontra uma viv’alma correndo. Neste parque há uma ladeira considerável até um mirante, onde se localiza também a estátua mal feita de uma santa e é o ponto final do teleférico. Fomos andando como Martinho da Vila. Ao chegar lá nos deparamos com uma trilha no meio da mata fechada, que nos levou a um local descampado. Sem saber encontramos outro mirante, com vista para a capital e para a ponte que a liga ao município de Barra dos Coqueiros (28 mil hab.). Depois descemos, conhecemos o minizoológico do parque e fomos para o teleférico. Ana queria muito fazer esse passeio, que leva exatamente ao local em que já havíamos ido, porém passando pelo meio das árvores e por cima do zoológico. E assim o fizemos, mas não sem um pouco de pânico da parte dela que tem medo de altura (sim, justamente a pessoa que propôs o rolê).

 

Ponte sobre o rio Sergipe, entre Aracaju e Barra dos Coqueiros

Voltamos ao apartamento para esconder do sol e almoçar. Depois de uma dica de uma amiga (a Manu), resolvemos ir ao Restaurante Pitu com Pirão da Eliane. Pedimos um robalo com camarão e pirão. Embora o prato tenha demorado, a comida estava boa, sim. Contudo, o preço tinha gostinho de água do mar.

O nosso próximo rolê do dia foi uma completa furada. Ficamos sabendo que haveria soltura de filhotes de tartaruga pelo Projeto Tamar às 16h. Assim nos programamos para ir, porém sem ter a mínima noção de como este evento acontecia. Corri no apartamento para buscar a câmera a fim de tirar umas boas fotos, enquanto Ana aguardava junto a uma dezena de pessoas na frente do Tamar. Fui na frente para chegar na praia e ficar em uma boa posição. Mas não esperava o que estava por vir. De repente uma multidão de gente começou a brotar de todos os lados possíveis. Ao chegar no local demarcado para soltura, já havia bastante gente em volta do cordão. Ali percebi que não ia rolar. Por isso procurei um local embaixo de uma pequena falésia com sombra para me proteger do sol e observar a muvuca. Não deu outra. O comboio da galera do Tamar trouxe consigo um enxame de seres humanos. Eu não tinha ideia de que tartaruga fazia tanto sucesso. Crianças, pré-adolescentes, adultos, idosos, cachorros. Sim, o pessoal levou até os cachorros! Gente que não acabava mais. Para cada tartaruguinha tinha fácil uns 50 “serumano”. Ana lá no meio do povão ainda com a esperança de ver alguma coisa, tirar uma foto, sei lá.

Para aumentar a confusão, acontecia no mesmo lugar, na mesma hora, com o mesmo entusiasmo, uma corrida na areia (?). Daí, enquanto a animadora da corrida incentivava no microfone os competidores e a equipe de apoio entregava copinhos de água para o pessoal de abadá, sob àquele sol babilônico, o biólogo do Tamar em vão pedia no megafone para as pessoas se afastarem e a equipe de televisão conseguir filmar os pequenos répteis se arrastando para o mar. Uma loucura! 


Foto que Ana tirou no momento em que lutava para avistar as tartarugas

Terminado a zorra, seguimos caminhando pela extensa faixa de areia da praia de Coroa do Meio. Não há o que comentar sobre as praias urbanas de Aracaju (Coroa do Meio, Atalaia, Aruana, Robalo, Náufrago, Refúgio) porque elas são muito parecidas. Faixa de areia extensa, águas relativamente calmas, ausência ou baixa presença de rochas e vegetação (coqueiros, restinga, etc.). A diferença talvez seja a presença maior ou menor de pessoas, barracas e bares. Em Coroa do Meio é menos indicado para banho devido à existência de algumas rochas em seu fim. Mas os moradores aproveitam para pescar. Fomos até a altura do farol e depois a uma feira.


Dia 04. A morga tomou conta e ainda estávamos decidindo se íamos ou não a Mangue Seco. A única atividade digna de anotação deste dia foi a ida à Praia do Náufrago com Raquel e família. Passamos um fim de tarde bastante agradável no Restaurante Dedinho de Prosa. Depois demos uma volta de carro com a intenção de assistir ao pôr-do-sol na foz do rio, em Mosqueiro, mas quando chegamos o sol já tinha ido para o Japão. Serviu para conhecer aquela parte da cidade e a ponte do Rio Vaza-Barris na rodovia SE-100. Um passeio ali por perto e que o pessoal recomenda bastante é o da Croa do Goré. Um banco de areia que se forma durante algumas horas do dia e que a galera chega de barco para poder beber e comer uns petiscos caros. A gente assistiu aos vídeos e achou muito auê para pouca coisa. Selo full turistão.

 

Dia 05. Acordamos decididos a ir para Mangue Seco, por isso alugamos um carro. O povoado e a praia de Mangue Seco ficam na divisa do Sergipe com a Bahia, já dentro da área do município de Jandaíra-BA (10 mil hab.). O local ficou famoso e se tornou um ponto turístico depois que a novela Tieta o utilizou como cenário de suas gravações no fim dos anos 80. Nosso destino ficava a 90km de Aracaju, no entanto, haveria uma logística menos simples. Precisamos rodar de carro até um estacionamento (10R$) em uma pequena vila de pescadores em Indiaroba-SE (16 mil hab.), depois pegar uma lancha para atravessar o Rio Real até a vila de Coqueiros, já na Bahia (150R$ a travessia). Em Coqueiros contratamos um bugueiro que faz o passeio, nos levando nas dunas de areia, depois no povoado de Mangue Seco e finalizando na praia (250R$ o passeio). Também é possível ir direto para o povoado de Mangue Seco, sem precisar de bugue. Obviamente o valor do transporte aumentaria. Não sei precisar quanto.

 

Dunas de Mangue Seco


Mangue Seco foi de longe o lugar mais bonito que conhecemos nessa viagem. É realmente cenário de produção artística. Dunas de areia que, apesar de serem muito menores, não perdem em beleza para as de Natal. O vilarejo de pescadores com seus casebres coloridinhos conserva um ar de colonial, rústico e intimista. Assim que chegamos tivemos a límpida sensação de que deveríamos ter programado para ficar pelo menos um dia inteiro ali. Um dos moradores nos recomendou gastar 10 minutos para subir o mirante que é, na verdade, um morro de areia onde está a antena da vila. Fomos e não nos arrependemos. Lá do alto fica ainda mais bonito o encontro do rio com o mar. A formação de um banco de areia torna possível montar um ou dois bares. Para chegar, só de barco ou Michael Phelps. Tentamos almoçar no vilarejo, porém o bugueiro queria nos levar para as barraquinhas da praia de Mangue Seco, que ficam a uns dois quilômetros, atravessando as dunas. A praia também é muito bonita. Nela gastamos nossas horas do passeio, tomando banho de mar, água de coco e comendo macaxeira frita, enquanto o vento soprava forte (sempre).

 

Eu, no mirante de areia de Mangue Seco

Por volta das 16h30 já estávamos dentro do carro novamente cortando o Sergipe, agora no sentido sul-norte do estado. O destino final era a cidade de Piranhas-AL (25 mil hab.), onde já havíamos reservado uma pousada. O percurso era de 330km, passando por Lagarto, mas o tempo estimado era para mais de 5 horas e meia. Não demoramos a entender o porquê. Apesar da pista ser simples, com mão dupla, o asfalto estava bem conservado, sem buracos. No entanto, havia infinitos povoados pelo caminho, às margens da rodovia. Em cada povoado, uma dúzia de quebra-molas e radares aos montes, de 60km/h e 40km/h. Seria impossível andar rápido. Mesmo sem chuva a viagem demorou bastante. Nos recomendaram passar por Lagarto. Contudo havia outra possibilidade, passando por Aracaju. Certamente seria mais rápido. Pelo menos foi interessante para conhecer, ainda que de passagem, outros cantos de Sergipe. Ao passarmos por Estância-SE (65 mil hab.) observamos a hipérbole de um comportamento muito comum no trânsito sergipano: motociclistas e passageiros andando sem capacete. Neste caso foi ainda mais curioso porque havia uma criança entre a piloto e a passageira que, aliás, levava um capacete no antebraço. Vale notar que este comportamento foi visto também em bairros da capital. Não era por falta de placas de avisos. Havia muitas. Por volta das 18h paramos para fazer um lanche em Lagarto-SE (106 mil hab.), terceiro município mais populoso do estado. Tivemos que entrar rumo ao centro da cidade, em ruas tortuosas, esburacadas, estreitas e de trânsito confuso, para encontrar algum estabelecimento: padaria, lanchonete, etc. Porém, tudo parecia estar fechado ou perto de fechar. Na pastelaria faltava a maioria dos ingredientes para fazer os pastéis (vejam só!). Nas cubas da padaria as moscas competiam com os clientes os salgados. Por fim, na praça-calçadão encontramos o que comer. Um pastel inusitado com salada (tomate e repolho), um salgado e um açaí. Até que estava bom. Mas esperava mais da terra do centroavante Diego Costa.

Barriga cheia, pé na areia. Isto é, na caatinga. Embora estivesse escuro, dava para notar com o farol do carro que a paisagem ia começando a mudar. Árvores secas, terreno arenoso e cactos. O calor era o mesmo. Daí para a frente, só paramos em Nossa Senhora da Glória (41 mil hab.). No relógio batia 21h. Ainda não estávamos com fome, entretanto, fiquei preocupado de chegar em Piranhas (uma cidade turística, porém pequena) e não encontrar nada aberto para jantar. Além disso, nossa anfitriã da pousada também estava preocupada com nosso atraso e com a chuva torrencial que, segundo ela, caía naquele momento em Piranhas. Para resolver isso, tentamos ir a um supermercado, mas havia acabado de fechar (um menino que passava de bicicleta na rua nos alertara taxativamente). Procuramos outro e não encontramos. Supermercado, no caso. Mais para frente, na saída da cidade, havia um restaurante-pizzaria e foi lá que jantamos um pedaço de pizza. Combustível suficiente para seguirmos viagem. Já passava das 23h30 quando atravessamos a ponte do Rio São Francisco, que dividem os estados de Sergipe e Alagoas. Finalmente chegamos para descansar desse dia tremendamente corrido em que atravessamos um estado do Brasil.


Pela estrada...


Dia 06. Descanso? Nada. Tínhamos pouco tempo em Piranhas e resolvemos fazer logo o passeio que todos nos recomendaram efusivamente: navegar pelos Cânions de Xingó no Rio São Francisco. Há várias formas de ir aos cânions. O pessoal da pousada nos aconselhou o passeio do Castanho e foi o que contratamos. Para isso é preciso ir com o carro até a Praia da Dulce, passando pelo município Olho D’Água do Casado-AL (8 mil hab.), nome curioso. São 20km de Piranhas até o local de embarque (a praia). Lá havia um estacionamento e um restaurante. Pegamos um catamarã. É aquela embarcação maior, muito comum no litoral nordestino, onde normalmente viaja muita gente, música alta e com um alguém falando groselha no microfone. Pagamos 190R$ por pessoa, incluindo um almoço à vontade no Restaurante do Castanho, que fica em outra localidade e é uma das paradas da embarcação. Honestamente eu considerava que ia ser um rolê turistão. Sabe aquele programado para o casal paulistano padrão que sai de casa pagando caro para ver qualquer coisa diferente de prédio e Ibirapuera? Aquele cara que bota uma camiseta florida, uma bermuda bege, uma meia branca na canela e tem uma energia Luciano Huck para tudo durante as férias. E realmente tem um pouco disso. Mas bem menos. Não sei se eu faria mais uma vez. Mas vale a pena uma vez na vida.

 

Fim de um dos braços do São Francisco


Foi, sim, agradável percorrer o Rio São Francisco, mesmo sabendo que aqueles braços do rio apenas foram possíveis pelas muitas barragens e usinas hidrelétricas que construíram ao longo de seu curso. Os cânions são realmente bonitos e grandiosos. O som do barco não estava muito alto, nem ouvimos (tantas) besteiras da moça que narrava pelo microfone. A vista é linda a partir do barco. Em determinado ponto, há um tablado (ou atracadouro) em que o catamarã para. Dão uma hora para tomar banho no rio e, se quiser, ir de barquinho (20R$) em uma parte mais estreita entre os cânions. Acredito que essa é a melhor parte do passeio. É a que se diferencia dos Cânions de Furnas, em Capitólio-MG. O barco passa tão perto e embaixo dos cânions que é possível ver a formação das estalactites e tocá-las. No entanto, é rapidinho, viu?! Uns 15 minutos e já volta para pegar mais 20 reais vezes oito. Vencida a hora no tablado, o catamarã leva os passageiros para almoçarem no restaurante da Pousada do Castanho, às margens do rio, onde existe uma extensa área de vegetação da caatinga preservada, iguanas e passarinhos. Por ficar um tempinho considerável na pousada, dá para banhar-se mais uma vez nas águas do Velho Chico e repreender o calor.


Os cânions do Xingó a partir do barquinho

 

Já chegando em Piranhas, resolvemos seguir mais à frente da pousada e ver rapidamente o centro histórico enquanto tinha luz do sol. O sítio histórico e paisagístico de Piranhas foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2004. Conforme a descrição no site do IPHAN, “Piranhas ainda mantém seu casario colonial disposto irregularmente em morros e baixadas [...]. O percurso turístico-cultural da Rota do Imperador, criado pelo governo estadual de Alagoas, em 2009, incluiu o município de Piranhas, por onde passou D. Pedro II, em 1859, em sua viagem à região do Baixo São Francisco”. O centro histórico, com suas ruelas calçadas de pedras e seus edifícios conservados e coloridos, já foi palco de gravações de filmes e novelas. Há dois mirantes nessa parte da cidade. Em um deles está localizada a Igreja de Nosso Senhor do Bomfim. Para escalar o morro íngreme, é preciso vencer 250 degraus. Não sem muita suadeira e teste cardíaco, conseguimos subir antes do sol cair. A vista compensa. Simplesmente o Rio São Francisco serpenteando um lindo vale, por meio de rochas e vegetação. À noite voltamos ao centro histórico para tomar um chopp e comer uma besteirinha nos bares alocados em casas da era imperial. Não satisfeitos e de juízos um pouco alcoolizados, resolvemos escalar o Mirante Secular. Mais íngreme e mais alto do que o Mirante “religioso”. Depois de 364 degraus, o chopp foi quase todo embora com o suor dessa atividade física. Lá no alto, a vista das luzes do centro histórico e uns casais se pegando em meio ao avanço da noite. Percebemos que seria possível acessar de carro por outro lado (rá!).

 

Igreja de Nosso Senhor do Bomfim, vista do Mirante Secular


Dia 07. Havíamos resolvido não contratar o tal passeio da Rota do Cangaço, um que leva os turistas para um local onde supostamente ocorreu a perseguição a Lampião e seus parças cangaceiros (consideramos um custo-benefício duvidoso por um rolê possivelmente mais turistão do que o dos cânions). Quando vem com essa parada de passeio guiado sobre história, penso que a chance de mitificarem tudo e contarem umas boas lorotas é grande. Isto posto, acordei cedo para aproveitar a manhã em Piranhas fotografando passarinhos em seus arredores. Às 6h30 eu já estava no Parque Municipal Pedra do Sino. Um parque totalmente abandonado. Mas tudo bem, quanto menos gente, mais possibilidade de pássaros diferentosos. Contudo, descobri que é bem mais difícil encontrar passarinho na caatinga do que no cerrado. Avistei poucos. Consegui fotografar menos ainda. Subi em um conjunto de pedras grandes empilhadas, que, quase com certeza, foi serviço de ser humano com pouca ideia. De lá avistei um gavião-caracoleiro e urubus-da-cabeça-vermelha. Desci e percorri um longo trajeto que parecia ser de um córrego, seco. Depois retornei porque o sol esquentou bastante e os penosos ficaram ainda mais rarefeitos. Foi positivo pela experiência. Ainda deu tempo de acessar o Mirante Secular, agora através da pista de carro. Ainda que bonita, a vista do outro mirante é melhor. Voltei à pousada e finalizamos o passeio por Piranhas comprando bugigangas no Centro de Artesanato. Atravessamos a ponte e almoçamos em uma lanchonete à frente da Hidrelétrica de Xingó, no município de Canindé de São Francisco-SE (30 mil hab.), perto de onde um ator da Globo gravou sua última cena, pouco antes de ser levado pelo rio. Depois, devoramos estrada de volta à Aracaju.

 

Vista do Centro Histórico de Piranhas e o Rio São Francisco

Dia 08. O que fizemos de interessante antes de pegar o avião de volta? Visitamos o Mercado Municipal. Não há muito o que considerar. É igual a todo Mercado Municipal. Só que enorme. Com três ou quatro seções. Tem as mesmas lembrancinhas que vendem na orla da praia ou na feira do turista por um preço menor (fica a dica) e tem frutas e comidas típicas da região. Somente no último dia, aos 45 do segundo tempo, o mistério do tal amendoim cozido que nos recomendavam foi por fim desvendado. Trata-se basicamente de um amendoim com casca, apanhado verde e cozido na água com sal. É patrimônio cultural de Sergipe. Na minha cabeça era um doce, sei lá. Não é não. É amendoim verde cozido com casca e tudo. “Pronto!” Posso dizer que a viagem foi muito melhor do que o sabor dessa iguaria.

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Escrito no início de fev. de 2024, uma semana após a viagem.


Algumas Gerais das Minas: Botumirim e Januária

 

Gerais. Substantivo masculino plural. Segundo o dicionário Michaelis, significa: 1. Área de grande extensão, coberta de vegetação rasteira, típica do Planalto central; 2. Localidades distantes e desertas; 3. (regionalismo nordestino) Terrenos cobertos de mato. Indo além do que diz o dicionário, as regiões do norte do estado de Minas Gerais são popularmente conhecidas como “Gerais”. E o geraizeiro é o habitante tradicional que vive geralmente às margens do rio São Francisco. Essa breve viagem traçou percurso em um pedaço das famosas Gerais, eternizadas na literatura de Guimarães Rosa.

Rio São Francisco, Januária

Botumirim-MG

Botumirim é uma cidade que provavelmente você nunca ouviu falar. Possui pouco mais de 6 mil habitantes (Censo 2010) e está localizada a 180km a leste de Montes Claros, a maior cidade do norte mineiro (414 mil habitantes, estimativa do Censo 2022). Botumirim se tornou conhecida (ao menos entre ornitólogos e observadores de pássaros) a partir de 2015, quando, por acaso, um ornitólogo da UFMG fez uma descoberta. Melhor dizendo, fez uma redescoberta. Avistou nas gerais do município uma espécie dada como extinta havia mais de 70 anos: a rolinha-do-planalto. O achado foi tão surpreendente que uma reserva ambiental foi criada, em 2018, a fim de ajudar na preservação do habitat natural da espécie: a Reserva Natural Rolinha-do-planalto. Na época, diziam existir somente em torno de 30 indivíduos. Desde então, pesquisadores, observadores de aves e turistas de natureza do Brasil e do mundo (sim, um punhado de gringos com suas câmeras, microfones, cadernetas, chapeuzinhos de escoteiro e tudo mais) tem ido ao local por causa do animal alado.

Não foi precisamente em razão da rolinha-do-planalto que fomos a Botumirim. Mas, sem dúvidas, toda essa história foi decisiva. Através de uma dupla de passarinheiros que seguimos no Instagram (Irmãos Pompéu) descobrimos a existência de um sítio-pousada no município (Recanto das Aves) cujo chamariz são (adivinhem) os pássaros, obviamente. Pensamos: “poxa, esse lugar bacana está relativamente próximo de onde moramos (600km de Patos de Minas), então por que não ir?”. E fomos. Mas antes de lá chegar fizemos uma parada em Montes Claros, onde paramos para dormir e encontrar uma amiga de Ana. Nesse dia conhecemos uma bebida onipresente na viagem, o suco de coquinho. Bastante popular no norte de Minas. Tem gosto de pequi e, como bom goiano, me apeteceu. Porém o pequi é uma comida “quente” e o suco, refrescante.

Ao chegarmos no Recanto das Aves no dia seguinte, fomos recebidos por Nide, nossa anfitriã e proprietária do local. É uma senhora que mora e administra sozinha a pousada. Ela nos contou que, em 2020, após o falecimento do marido, decidiu abrir a residência para o turismo. “90% dos hóspedes são passarinheiros”, revelou. É um lugar simples, com jeito de roça, mas com um cuidado de chácara. Cavalos, vacas, galinhas, mas também jardins bem cuidados e pomares. Ela montou um comedouro para os pássaros na frente da área externa da casa. Dá para ficar sentadinho, tomando suco e tirando fotos de canários-da-terra, sabiás, sanhaços, cardeais-do-nordeste, pipiras-pretas, beija-flores e outras tantas espécies. Os passarinhos ficam folgados e começam a fazer ninhos dentro da casa. Uma pequena corruíra cantarolava e construía seu ninho dentro de uma cabaça colorida como boneca, que ficava na sala de estar. Nos pomares são usadas algumas técnicas da agroecologia e é possível avistar duas espécies de codornas que vão lá se alimentar com frequência (embora não as tenhamos visto). Dentro do sítio há também um córrego e uma cachoeira, o que é bastante útil em vista do calor torturante que faz no norte de Minas. A cachoeira fica bem protegida em uma matinha, mas infelizmente o poço estava consideravelmente raso devido à escassez de água nessa época do ano. Mesmo assim, é claro que demos um tchibum.

Cachoeira do Recanto das Aves (tentativa de foto conceitual)


Em um dos dias fomos ao Rio do Peixe. 14km da pousada via estrada de terra. Chegamos a errar o caminho (se não for assim, não é a gente). Mas depois deu certo. Como não tinha chovido, a estrada estava firme e foi relativamente tranquilo passar com um carro sem tração. Mas não sei. Acho que na época de chuva deve ficar bem mais complicado. O Rio do Peixe me lembrou algumas paisagens da Serra da Canastra e, ao mesmo tempo, da Chapada dos Veadeiros. Pelas rochas e pela vegetação em volta. O curso de água estava estreito. Ainda assim, vários poços e piscinas naturais se formavam nos caminhos entre as pedras nuas de água. E mesmo na secura, o lugar tem uma beleza de se admirar. Em uma de suas margens, forma-se uma verdadeira prainha. Chegamos no fim da tarde e não deu para aproveitar muito. Mas com certeza era um lugar que dava para passar pelo menos metade do dia (claro, levando comida, água e etc.). Havia outras atrações em Botumirim, como um sítio arqueológico e outras cachoeiras e rios. Algumas muito distantes e que não compensavam na ocasião. Até cogitamos ir a outra cachoeira (“das quatro oitavas”) que ficava a 3km da cidade, porém declinamos em razão da possível falta d’água. Vou deixar link para um site que traz informações sobre as “belezas de Botumirim”.

 

Rio do Peixe em outubro, Botumirim (foto: Ana Rita Silva)

Para fechar o rolê por Botumirim, resolvemos fazer o passeio do Parque Natural da Rolinha-do-planalto. Digo “resolvemos” porque, pelo menos de minha parte, não havia tanto entusiasmo em ir lá ver a tal rolinha, não. Honestamente, não imaginava a dimensão de importância que esse bichinho tinha para o povo botumirinense. Há placas e pequenos outdoors sobre as "belezas de Botumirim" nas ruas da pequena cidadezinha e cujo destaque é a rolinha. Mas é aquela coisa que sempre falamos durante as viagens malucas que fazemos: “já que estamos aqui”. Não é barato. Paga-se 70,00 reais por pessoa para acessar a reserva com um guia e conseguir avistar o raro pássaro. Achei que seria difícil encontrá-lo. Achei errado. Encontramos o guia Gleidson no início da estrada que contorna o parque. Nós de carro, o guia de quadriciclo atrás e na frente de todos, um micro-ônibus apinhado de gringos dos Estados Unidos e da Holanda, quase todos idosos. Em menos de 20 minutos param. Desce todo mundo do carro. Sacam as câmeras, os microfones, os binóculos, os telescópios (é sério). Tudo muito chique e possivelmente caro. O guia que eles levaram avistou a rolinha à média distância. Lá vai todo mundo observar o penoso e ouvir seu canto, que parecia um coaxar de anuro. Depois, de quatro em quatro, o guia autoriza atravessar a cerca, entrar de fato na área do parque (pois é, estávamos nos arredores, na estrada) para chegar mais perto do bicho e fotografá-lo. Felizmente para nós é uma espécie muito mansa e aceita a aproximação. Fica parada no mesmo local por muitos minutos. O que deve ser ruim para ela, tornando-se presa mais fácil. Gleidson nos explicou que atualmente restaram apenas dois indivíduos: Benjamin e Solteirão. Sim, os bichos são tão poucos que até nomes têm. Sobraram dois machos. E isso significa o que você está pensando mesmo. Parece ser o fim. Fim da linha para a rolinha-do-planalto na natureza. Estão fazendo de tudo para uma reprodução em cativeiro, em laboratório, levar ovo para não sei onde. Mas está difícil. Uma pena! Com o perdão do trocadilho. Logo agora que eu tinha simpatizado com o bichinho.

Terminado o avistamento da ave em extinção eminente, o guia nos levou estrada adentro para ver se conseguíamos fazer registros de outras espécies de ocorrência por aquelas bandas. Não conseguimos tirar fotos da meia-lua-do-cerrado, mas não saímos de mãos abanando. Deu para registrar choca-do-nordeste, tem-farinha-aí, vite-vite-de-olho-cinza, periquito-da-catinga e chorozinho-de-chapéu-preto. O pessoal é bastante criativo ao colocar esses nomes populares oficiais nos pássaros. Me divirto. Sobre o “tem-farinha-aí”, dizem que canta essa frase. Tem que forçar demais o ouvido para entender! No retorno, paramos para pegar o quadriculo do guia e aí quem estava na cerca, bem pertinho da gente? Ela mesma, a rolinha-do-planalto. Mais tranquila do que vaca na Índia. Serena. Nem imagina que sua espécie vai de arrasta para cima. Deu para tirar fotos melhores. Para finalizar, adentramos com o guia na reserva, mas já era tarde e o sol ardia. A passarinhada já tinha em boa parte se escondido nas matas. Nos restou experimentarmos frutas do cerrado: mangaba e guariroba (genérica).

Rolinha-do-planalto, toda encolhida no início da manhã

 

Januária-MG

Era para a viagem ter finalizado aí e voltarmos para casa para descansar durante o resto da semana do saco cheio, essa gloriosa instituição mineira ô salve, salve. Mas decidimos seguir uma dica de um amigo da amiga da Ana (que conhecemos na passagem por Montes Claros) e acabamos rumando para Januária. Um desvio de uns 200km na rota de retorno. Ele nos contou que, nessa época do ano, o Rio São Francisco fica com as águas baixas e forma praias em Januária, atraindo centenas de banhistas. O “porém” é que, segundo ele, tudo acabaria no domingo em razão do início das chuvas. Além do mais, a outra atração turística supimpa em Januária é um parque/sítio arqueológico.

Chegamos no finzinho da tarde em Januária e conseguimos uma hospedagem barata (embora apenas para um dia) cuja sacada tinha vista para o Rio São Francisco. Sobre Januária, trata-se de uma cidade de 67 mil habitantes (Censo de 2010), com importante patrimônio histórico, material e imaterial. Embora seja a terceira maior do norte de Minas, os problemas infra-estruturais e a pobreza saltam aos olhos. Para começar, uma parte da cidade ainda tem ruas de chão batido. No centro, há casarões antigos como parte do patrimônio histórico e ruas calçadas de pedras, como em Diamantina. No entanto, o patrimônio histórico me pareceu descuidado. Acredito que parte desse patrimônio deve ter sido destruído porque não havia homogeneidade entre as construções. Apesar de local turístico e de um baita feriado, o clima é de cidade pequena, sem agitação. Rodando pelo norte mineiro, ouvindo o sotaque do povo e o trato, a impressão é que se está em outro estado que não Minas Gerais. Quer dizer, ao menos aos olhos de quem passou a maior parte da vida no Goiás e no Triângulo Mineiro.


Parque Nacional Cavernas do Peruaçu

O parque cavernoso fica localizado entre os munícipios de Januária e Itacarambi. Não é pertinho do centro de Januária. Na verdade, uns 40km pela rodovia. Depois mais alguns por estrada de terra, a depender da entrada do parque que escolher entrar. É imenso o tal parque. 56 mil hectares de área. E nós tivemos muita sorte. Há um limite de visitantes por dia, controlado pelo ICMBio, que administra a Unidade de Conservação. Quando chegamos em Januária, não tínhamos a mínima informação disso. Tampouco sabíamos que, para entrar no parque, era necessário contratar um(a) guia. Conseguimos o contato de uma guia recomendada pelo recepcionista do hotel. Já era tarde da noite quando finalmente combinamos os detalhes do passeio. No máximo, às 8h da manhã tínhamos que estar no início da estrada que dá acesso ao parque. 200,00 reais esse rolê. Como estávamos apenas em dois, ficou carinho. Mas o grupo pode ter oito pessoas. Posteriormente, a guia Amanda nos revelou que todos os dias desse feriado prolongado já estavam preenchidos. Para nossa alegria, houve desistência de um dos grupos previamente agendado e entramos nessa vaga. Descobrimos que havia muitos roteiros para percorrer no parque e muitos sítios para visitar. Para ver tudo o que é aberto ao público, levaríamos entre quatro a cinco dias. Amanda nos recomendou o passeio do Janelão, porque a trilha é curta e relativamente leve, além de que haveria mais diversidade em relação ao que ver.

Pinturas rupéstres na entrada do Janelão, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu


A trilha do Janelão começa dentro da mata, protegida pela sombra de um cânion. Esse início é bem leve e íamos sendo acompanhados por passarinhos e mocós, muitos mocós (um pequeno roedor que parece um preá). Finalizada essa parte da mata chega-se a um paredão com muitas pinturas rupestres. A guia explicou que há pelos menos três estilos de traçados artísticos nas paredes, com datações distintas. O que leva a concluir que tiveram povos diferentes que passaram por aquele local. Os tais seres humanos das cavernas, ao menos por aquelas bandas, não viviam dentro das cavernas, mas fora. Protegidos das chuvas pela inclinação do cânion, do sol pelas matas e dos perigos (animais, grupos rivais) pela visibilidade exterior das cavernas. Depois, finalmente, entramos na caverna propriamente dita. É um negócio absolutamente gigantesco. Nada parecido com as cavernas de nossa imaginação. O teto é da altura de um prédio de, sei lá, uns 200 andares. Sem brincadeira. Ao mesmo tempo em que as paredes formam abóbodas, há também aberturas circulares por onde entra a luz do sol. É iluminado o local. Lá dentro, uma vegetação própria e um microclima específico. Muito mais fresco e agradável. A trilha passa a exigir um pouco mais porque aparecem degraus feitos pelo pessoal do parque para descer ao fundo do buraco. Dentro corre um pequeno riacho, o que faz com que o cenário se assemelhe ao filme Jurassic Park. Nas formações rochosas, além das estalactites e estalagmites, aparecem figuras que as pessoas interpretam: uma tartaruga, uma bruxa, um conjunto de cogumelos, uma perna de bailarina. Depois de caminhar um tantinho bom dentro da caverna, chega-se finalmente ao tal janelão. Uma abertura imensa no fim desse trecho. Tudo é muito bonito, mas bonito não é a palavra exata. É interessante, curioso, instigante e surpreendente. Sei lá. Só visitando mesmo para ter a real impressão. Apesar de ser graduado em história, é a primeira vez que visito um sítio arqueológico. Não é minha praia de estudos, mas gostei demais do passeio.

 

Gruta do Janelão (foto: Ana Rita Silva)

Amanda explicou que há partes do parque que não são abertas ao público. Há cavernas escuras. Muitas pesquisas continuam sendo feitas, bem como estratégias estão sendo pensadas para receber turistas em outros desses locais. Há também um projeto de tornar o parque digital. A ideia é basicamente que as pessoas possam ver de casa todos os lugares do parque por meio de algo semelhante ao Google Street. Creio que não demora a ficar pronto. Sobre a antiguidade da cultura material, para terem uma ideia, a datação mais antiga de ossadas humanas encontradas no sítio possui 10 mil anos. Mas há utensílios líticos datados com mais milênios. Sobre a visitação turística, o parque está aberto desde 2015. Se quiser mais informações, vou deixar o link de acesso ao site. Nele, há uma lista de guias (condutores). Seja mais esperto do que vos escreve e agende com antecedência.

 

Praia do Rio São Francisco

Depois da canseira da caminhada no parque e um saboroso almoço no Recanto das Pedras (um restaurante/pousada na saída do parque), no fim da tarde fomos para nosso segundo destino em Januária: a praia de água do doce. Assim como foi com o parque, confesso que subestimei o tamanho deste evento. É basicamente uma praia com mesma dimensão e estrutura de uma praia convencional de mar. Sem tirar nem pôr. Tinha bastante gente. Claro que não igual a Copacabana no verão. Mas uma Ubatuba da vida, vai. Barracas, bares, cerveja, caixa de som, gente vendendo coisas, balanços, barcos, jet-skis, caiaques, guarda-vidas. Tudo igual. A água, é claro, é água de rio. Mais turva. Menos fria. Na real, uma temperatura excelente para amenizar (essa é a palavra) o calor do norte mineiro. A prefeitura colocou um cordão com boias para avisar ao pessoal sobre os limites do Rio São Francisco. Onde não se deve passar. Sabe como é, esse rio não é para brincadeiras. Já levou muita gente. Se bobear, leva mais. E realmente me impressionou bastante a força da correnteza. Quer dizer, o rio estava raso. Dava para ir caminhando em uns 30% de sua extensão lateral. Mas mesmo assim, mesmo nesse ponto raso, era possível sentir a correnteza arrastando. Se soltasse o corpo, ia sem CVC para Alagoas. Como não queríamos essa viagem (não desse jeito), ficamos ali na boa curtindo o que as Gerais podiam nos oferecer de melhor.

Ana, naquela foto de turistão (praia do rio São Francisco, Januária)

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Escrito em 19 out. 2023

Curitiba e litoral catarinense

 

Se, um dia antes da viagem, alguém dissesse que o destino final seria o litoral de Santa Catarina, eu desconfiaria. A verdade é que, ainda que essa viagem tenha ocorrido nas férias, o intuito estava longe de ser turismo e por isso não planejamos nenhum roteiro. O que sabíamos é que estávamos indo de carro para um concurso em Curitiba (Ana, a concurseira e eu, o motorista e navegador). Finalizado o processo, poderíamos aproveitar que já estávamos no Paraná e ir até Foz do Iguaçu-PR, ver as cataratas, conhecer a região do oeste paranaense e quem sabe o início do Paraguai. Outra possibilidade era irmos ao PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), onde tem umas cavernas cabulosas e cachoeiras bacaninhas. Ou, já que íamos passar por Passos-MG no retorno para visitar meus sogros, poderíamos fazer um tour pelo sul de Minas. Contudo, Florianópolis estava, sim, no radar. Embora Foz do Iguaçu mais ao centro. Ana se preocupava somente com o concurso, por óbvio.

Saímos daqui (Patos de Minas) na quinta-feira pela manhã, dia 13/07, com o intuito de dormir no meio do caminho (em Campinas-SP ou Registro-SP) e finalizar até Curitiba no dia seguinte. A prova ocorreria domingo, dia 16/07. Deu tudo certo. Dormimos em Registro. Mas não antes sem tomar um susto. O líquido da bateria do carro “supitou”, como diz o vocabulário goiano. Extravasou. Foi de arrasta para cima. Tinha mais ácido do que em Woodstock. Saiu maior cheirão podre e estávamos achando que era algo externo. Demoramos a perceber. Ao pararmos em um posto para abastecer, cerca de 80km de Registro, dei a partida e o carro não ligava mais. Por sorte (no azar) havia uma oficina atrás do posto de gasolina e desembolsamos uns 330 mirréis por uma bateria nova de marca chinfrim. No dia seguinte, bem pela manhã, resolvemos visitar o Bosque Municipal de Registro. Limpo, mas pequenininho e vazio e meio borocoxô. Contudo, avistamos pela primeira vez o Tiê-Sangue, um pássaro do porte de um canário e que é a ave símbolo da Mata Atlântica. Mal sabia eu, mas ainda ia ouvir falar bastante sobre a Mata Atlântica nessa viagem. É que o tema sorteado da prova do concurso, 24h antes, foi biomas brasileiros. Daí, como eu era o único público disponível para Ana treinar sua aula, fui obrigado a ser um aluno assíduo e atento. Mas estudei tanto que fiz mais do que isso e a ajudei a organizar uma apostila como material didático.

Os dias que antecederam o concurso, passamos basicamente trancados dentro do quarto do hotel, que alugamos próximo à rodoviária. E isso se deu não apenas pelo concurso, mas pelo frio tiritante que fazia em Curitiba. A janela amanhecia sempre coberta por uma névoa úmida. Para não dizer que não saímos, nesse ínterim, fomos ao Mercado Municipal almoçar (tudo caro!) e, noutra oportunidade, saí em missão para procurar estróbilos de araucária para serem utilizados como ilustração na aula. Não sabe o que é um estróbilo? Eu não lembrava. Pesquise. Mas, hein, as araucárias são uma belezinha, viu. Na estrada, a gente sabe que está entrando no Paraná quando começa a mudar a vegetação e aparecer centenas de milhares de araucárias. Para não dizer que Curitiba foi só trabalho e frio, visitamos dois pontos turísticos interessantes e vou discorrer sobre eles. 

 

Copa das cerejeiras no Jardim Botânico, Curitiba

Jardim Botânico de Curitiba

Já haviam me falado sobre o Jardim Botânico de Curitiba (acho que a própria Ana), mas pensava que seria bastante parecido com o do Rio de Janeiro. Não é não. O do Rio é menor e mais fechado, com relação à vegetação. Menos bonito, sem dúvidas. O de Curitiba é um verdadeiro parque, aberto, e um jardim que realmente parece um jardim. Há um belo caminho no meio das cerejeiras (demos sorte de pegá-las floridas) que leva a um jardim gigante que, por sua vez, lembra em alguma medida o jardim à frente do Museu Paulista em São Paulo. Muito bem cuidado e simétrico. Tão simétrico que dava até medo. Após o jardim, há duas estufas. A que mais chama atenção tem formato de castelo transparente, que é bonito por fora, mas que por dentro, blé. Havia muitos turistas no Jardim de Curitiba e isso me surpreendeu. Não imaginava que a cidade recebia tantos turistas assim. Outra coisa que surpreendeu foi a presença da comunidade japonesa. Inúmeras referências da cultura nipônica e muitos descendentes. Também dentro do parque, fazendo a volta até a saída norte (?), há um lago e sobre ele uma charmosa ponte de madeira. Depois dela, uma galeria para venda de bugigangas turísticas, artes e plantinhas.

Estufa em formato de palácio do Jd. Botânico, Curitiba


Parque Barigui

Olha, se for contar por extensão em tamanho o Barigui só perde para o Ibirapuera entre todos os parques que já visitei. Quando você acha que acabou tem outra parte que você nem imaginava que existia. Mas assim, não é tão belo quanto o Ibirapuera, o Parque do Sabiá ou o próprio Jardim Botânico. É um parque funcional. Fundamentalmente para praticar esportes ou passeio ao ar livre sem grandes distrações. Há grandes lagos e há um córrego. Capivaras e cutias. Patos e marrecos. Martim pescador e tudo mais. Há uma grande pista pavimentada de caminhada e bicicleta. Há uma trilha para quem quer andar a pé ou de bike dentro de uma floresta (e que fomos só até o comecinho). Há parquinhos para crianças. Espaços para churrasco (não sei se liberam) e piquenique. Há várias quadras de, principalmente, areia, onde uma galera jogava vôlei ou beach tênis (que modinha, hein!) e virava tobogã de bicho geográfico. E é isso. Quando termina, precisa atravessar por um viaduto (dentro da área do parque) que passa embaixo da avenida e dá na outra parte do parque que, sinceramente, não chegamos a explorar. Mas dava para ver um lago imenso e mais outros espaços iguais aos que tínhamos visto. É realmente enorme e até cansamos de andar.

 

Um dos poucos lugares com mata fechada do Parque Barigui, Curitiba

Balneário Camboriú

Finalizado o rolê em Curitiba, partimos para Florianópolis. Mas acabamos saindo relativamente tarde da capital paranaense (após um almoço na casa de Danilo e Elis, amigos de Ana) e por isso atrasamos. Chegamos a parar em Joinville-SC para abastecer e comer alguma coisa. Contudo, preferimos não tocar direto até Floripa e paramos para dormir em Balneário Camboriú-SC. Por ser um local turístico, acreditávamos que encontraríamos facilmente um hotel tranquilo e barato para dormir, já que fazia frio na semana e o céu não estava para praia. Longe disso. Lembrando que não havia muito tempo desde que um ciclone havia passado pela região. Porém nos engamos. Depois de comer um hambúrguer (em uma hamburgueria cujo dono era um sósia do véio da Havan), rodamos bastante na cidade e não encontramos nada digno e justo. Ou era quarto compartilhado ou era cativeiro ou era com aquele preço candango: uns 300 por uma noite de sono. Daí resolvemos aceitar o convite de uma amiga que morava em Uberaba (Amanda) e que hoje vive com os pais aposentados em Balneário.

 

Fim do Deck do Pontal Norte, Balneário Camboriú

No dia seguinte, Amanda nos levou para conhecer a orla da cidade. E o que dizer sobre a “Dubai brasileira” que a direita farialimer daqui tanto louva? Bonita a cidade. Um tanto cafona? Sim. Tenta emular uma Miami? Também. Mas tem partes bonitas. Mas, claro, não estou me referindo àqueles prédios gigantescos sem sentido fazendo sombra na faixa de areia, aliás, aumentada artificialmente para fugir das sombras. Isso é tosco. Nem da própria praia em si, que é padrãozinho e o dia nublado não a ajudava. Também não me refiro à rampa que fizeram para lembrar uma Bervely Hills de baixo orçamento e nem à roda-gigante na praia. Breguíssima. G-zuis! Mas Amanda nos levou no Deck do Pontal Norte, que vai contornando parte da orla e chega até umas rochas (sim, essas naturais) e uma prainha, e que parece um pedaço do litoral caiçara. Ali é bonito, ali é bacana, ali eu queria estar.

 

Florianópolis

Dali a alguns quilômetros de rodovia e, passando a ponte, estávamos na ilha de Florianópolis. A ilha da magia, disseram. Tem um clima de cidade grande, uma vibe metropolitana, com trânsito relativamente caótico (não tanto quanto o de Curitiba) e transeuntes agitados. Pela primeira impressão achei a cidade bonita e isso se confirmou pelas praias. Eu diria que Florianópolis é peculiar. Quando se sai do centrão, dos pontos agitados nos arredores do centro e chega-se nos bairros, parece uma cidade pequena de interior. O trânsito fica mais lento, as pessoas menos agitadas e o clima turístico. É como se existissem algumas cidades dentro de uma. No meio da ilha, aparentemente há bastante preservação da natureza. É grandinha. Estávamos hospedados no litoral leste da ilha. Mas precisamente próximo à famosa praia da Joaquina, onde o Guga surfava. E, em um dos dias, fomos de carro no sentido nordeste da ilha. Possivelmente rodamos uns 40km mais ou menos até chegar no final. Nesse passeio constatamos que havia realmente várias cidades dentro da cidade de Floripa. O tipo de ocupação urbana vai se alterando conforme o setor (“igual a toda cidade”, você deve pensar), mas eles são separados uns dos outros por áreas florestais.

 

Pose de segurança na Barra da Lagoa, Florianópolis

Entre os lugares que visitamos e que me chamou a atenção pela beleza intimista está a Barra da Lagoa. Me pareceu menos turístico e mais de moradores e pescadores. Mas ali ao lado de uma pequena península (ou geograficamente seria um cabo?), desce um córrego de águas verdes da lagoa da Conceição que achei muito charmoso, lembrando os canais de Amsterdã (que um dia pretendo conhecer presencialmente). Da Barra da Lagoa passamos rapidamente pela Praia dos Ingleses e Canasvieiras, onde, nessa última, paramos para tomar um açaí e um café (cada um com os seus). Na Praia da Joaquina, sim, demoramos mais tempo. Gastamos um terço do dia mais ou menos nela. Que lugar bonito! É um combo de belezas: as dunas, a restinga, as rochas da praia e a praia em si. Andamos no meio da restinga como se estivéssemos gravando algum documentário da National Geographic. Bem, depois de ter algumas aulas sobre os domínios associados do bioma Mata Atlântica ficou mais “instigante” conhecê-los de pertinho. Nesse dia o sol resolveu abrir um pouco e fez um dia bonito, embora a temperatura ainda não nos convidasse para a água. No caminho em direção à Joaquina, logo depois de sair da pousada, aconteceu uma das coisas que mais marcaram essa viagem. Conto no próximo parágrafo.

 

Restinga da Praia da Joaquina, Florianópolis

Desde que comecei nesse rolê passarinheiro (observar e fotografar aves) que qualquer passeio ao ar livre se torna pretexto para procurar os penosos mais diferenciados. E nessa viagem para o sul não foi diferente. Contudo, devido ao frio e mau tempo, não nutria grandes expectativas. No entanto, esperava que, pelo menos, conseguiria avistar a Gralha-Azul, ave símbolo do Paraná e cujo prato principal (se é que podemos dizer assim) é o pinhão da araucária. Pois bem. Em Curitiba, nada de avistar a famosa gralha. Nem na cidade, nem nos parques em que fui. Decepção. Vi outros pássaros, mas nada demais. Descobri que Curitiba é a capital dos sabiás-laranjeiras. Estão em todos os lugares. Enfim, acabei desencanando da gralha. Me dei por vencido. Florianópolis estava fora de cogitação. Sabia que a área da gralha era restrita e pelo fato de ter sido um animal em extinção nos anos 90, inferi que minhas chances eram baixíssimas. Eis que, no dia do passeio na Joaquina, logo que saímos da pousada, começamos a ouvir um barulho diferente de pássaros e que logo nos chamou a atenção. Ana teve olhos mais atentos do que os meus para observar que, provavelmente, se tratava de uma gralha-azul. Uma nada! Era um bando delas. Cantarolando aos quatro ventos e comendo a semente do pinheiro (o pinus, não a araucária). Aí eu fiquei maluco. Bicho inquieto e difícil de fotografar. O céu nublado e a ausência de luz nessa estradinha não ajudavam, mas, ainda assim, foi possível tirar algumas fotografias para registro. Posteriormente, ao subir a foto no Wikiaves, descobri centenas de registros da gralha-azul em Floripa. Muito mais do que em Curitiba. Desconhecimento meu. O recepcionista da pousada revelou que elas realmente são muito comuns em Florianópolis e que, “infelizmente, se adaptaram à vida urbana da ilha, comendo de um tudo, inclusive lixo” (palavras dele).

 

Gralha-azul, Florianópolis

Trilha da Lagoinha do Leste

Já que a temperatura não ajudava entrar na água, a ideia era realizar uma trilha no último dia em Florianópolis. Demos uma olhada e decidimos fazer a trilha da Lagoinha do Leste, sentido sul/sudeste da ilha. Fomos até o último bairro residencial de carro, Açores, demos uma olhada (praia bonita, mas moradia de burguês) e voltamos para o bairro Pântano do Sul, onde começamos a trilha. Na verdade, havia duas opções, uma que passa pela Praia do Matadeiro, que nos disseram ser mais fácil, entretanto, mais demorada. E outra, pelo Pântano do Sul, mais íngreme, difícil, porém (supostamente) menos demorada por ser mais curta. Até fomos à Praia do Matadeiro colher informações. Mas vocês sabem bem qual das trilhas escolhemos, né? Não sei se por cálculo equivocado (leia-se “burrice”) ou espírito aventureiro (ou as duas coisas). Lá vamos nós sem almoço pelo lado do Pântano do Sul. O início é tranquilo. Para quem já fez alguma trilha na vida, é suave. Mas daí você anda, anda, anda e não chega ao destino final (que é um mirante). A trilha começa a ficar difícil. Trechos íngremes. Pedras e mais pedras. Raízes, mais raízes. Há várias bifurcações e por diversas vezes achávamos que estávamos perdidos. Desorientados, sem dúvidas. Desconfiados que estávamos indo no caminho errado, sempre. Obviamente, devido ao tempo e ao avançar das horas, só tinha a gente nessa trilha. Mas enfim, depois de muita suadeira, indecisão e arrependimento, chegamos ao mirante Morro da Coroa. E aí, meus amigos, é o seguinte: simplesmente fenomenal! Muito alto. Uma das vistas naturais mais bonitas que tive. Rivaliza com a beleza do lago Titicaca no alto do Cerro Calvário. Ao norte, avista-se a Praia da Lagoinha do Leste, desértica. Antes dela, um rio serpenteia entrecortando a Mata Atlântica preservada. Ao leste, a imensidão azul do oceano Atlântico. Valeu toda a dor e sofrimento.

 

Morro do Coroa, fim da trilha Lagoinha do Leste, Florianópolis

A volta foi bem mais rápida do que a ida, agora que sabíamos o caminho. Sabe como é, para descer todo santo te empurra. Chegamos por volta das 17h30 no vilarejo do Pântano do sul, varados de fome. Por coincidência, paramos em um restaurante tradicional do bairro. Trata-se do Bar do Arante. Funciona desde a década de 70. Pagamos barato numa porção de peixes com arroz e outros acompanhamentos. A despeito da fome, veio tanta comida que não conseguimos finalizar tudo. Este restaurante possui uma característica especial. Cada visitante escreve um bilhetinho, um recado, uma frase em um papel e prega na parede. E lá fica. Portanto, havia milhares de bilhetes espalhados pelas paredes. De gente de tudo quanto é canto do Brasil e até do mundo. Um bilhete provavelmente escrito em turco (?). Recados de amor. Pensamentos de (suposta) sabedoria. Frases de para-choque de caminhão. Provocações. E por aí vai. Tinha tanto bilhete que faltava espaço para pregar mais algum. Por isso não deixamos nada senão nossos mirréis justamente pagos pelo almoço às 18h.

 

Janela do Bar do Arante, Florianópolis (isto não é um quadro)

Guarda do Embaú

Passamos nossos dois últimos dias de viagem sulista em Guarda do Embaú (uns 70km da Praia da Joaquina), uma vila dentro da área municipal de Palhoça-SC. A ideia era conhecer o local que havia sido bem recomendado (Elis e meu primo Vinícius tinham falado muito bem) e aproveitar mais trilhas. Sim, não aprendemos nada com todo o martírio que havíamos passado há pouco. Nas suas devidas proporções (bem menores), Guarda do Embaú se assemelha a Pipa ou qualquer um desses vilarejos praianos hippie-chique. Bonitinha. Ficamos em um chalé ajeitado.

No mesmo dia de chegada decidimos fazer uma trilha. Só para esquentar os pulmões. Vale da Utopia. Nossa anfitriã recomendou que fôssemos costeando a orla da praia, passando na lateralzinha que iríamos chegar ao vale. Lá fomos nós. Primeira parada, um conjunto de rochas chamada de Panorama, de onde há uma bela vista. Subindo e descendo morros da restinga, fomos passando em prainhas e enfrentando um sol estatelado. Até que chegou uma parte do relevo que não havia mais praia, nem rochas espraiadas. Era preciso subir um morro de gramíneas e uma leve erosão. Um cachorro apareceu do nada e começou a nos acompanhar. Mais na frente, ao passarmos por uma cerca: bois e vacas (!). Não lembro de ter visto criação de vaca do lado da praia. Depois dessas vacas, arbustos e mais arbustos. Seguimos. De repente nos afastamos do trilheiro (caminho por onde passam animais) e as árvores começaram a aumentar de tamanho e a mata se fechar. Pronto, estávamos perdidos. Na verdade, eu, particularmente, estava exausto nesse dia. Não havia dormido bem na noite anterior e talvez nem me recuperado completamente da outra trilha. Além disso, carregar uma mochila com uma câmera de três quilos, torna tudo mais puxado. Arreguei. Não quis tentar achar outros caminhos como Ana gostaria. Voltamos. Decepcionados por não termos chegado ao destino almejado.

 

Cenários que se avistam a caminho do Vale da Utopia, Guarda do Embaú

No dia seguinte, logo bem cedinho, fomos ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro com o intuito de encontrar alguns penosos. Não achamos nada. Nem as antas que costumam ser fotografadas estavam de bobeira. Mas foi bacana conhecer o parque e bater um papo com os monitores, uma bióloga (e sua filhinha “assistente”) e um ecólogo. Depois voltamos para terminar o que havíamos começado sem finalizar no dia seguinte: Vale da Utopia. Desta vez com um roteiro diferente. Em vez de fazer o acesso pela Praia da Guarda, fomos para o outro lado, pela Praia da Pinheira (Pinheira é outra vila, paralela à Guarda do Embaú, onde há várias praias também). Deu certo, fomos pulando de pedra em pedra até a Ponta das Andorinhas. Tiramos umas fotos nesse belo local que possui variadas formações rochosas feitas pelo bater das ondas e, depois, seguimos subindo o morro pela trilha. Nos perdemos um pouquinho, encontramos um casal também perdido, atravessamos fazendas, mas dali a poucos minutos estávamos chegando ao Vale da Utopia. De fato, muito bacana. Mas já tínhamos ido a outros lugares tão ou mais belos nessa viagem e por isso nosso padrão estava alto. O nome promete demais.

Nesse mesmo dia, já cansados, pensando somente em tomar um chopp de leve e ficar na orla da Praia da Guarda, fomos fazer isso. Só que aí avistamos uma placa sinalizando a subida para a Pedra do Urubu. Outra trilha! Outro mirante! Mas já começava a entardecer. Umas 16h por aí. A gente sem água, sem vestimenta nem calçado adequado (Ana portando uma havaiana genérica). Copo de chopp na mão. “Ah, bora nessa bagaça”. “Já que estamos aqui mesmo”. Frases ditas antes da desgraça acontecer. É verdade que eram só 30 minutos. Mas a escalada era íngreme e tortuosa. Tinha uma galera morrendo de canseira no meio do caminho. Para a gente, depois de todas as aventuras com trilha, essa foi a mais leve. O álcool deve ter ajudado. Menos de meia hora estávamos em cima do morro contemplando uma vista maravilhosa para a praia, a vila e o oceano. Na descida, Ana foi desafiada e resolveu entrar cinco minutos no mar gelado. Fechamos com glória Guarda do Embaú.

 

Alto da Pedra do Urubu, Guarda do Embaú

Praia do Rosa

“Mais praia? Não cansa, não?!” O passeio no Parque da Serra do Tabuleiro nos rendeu uma informação que nos escapava. O ecólogo que lá trabalhava nos disse que estava em temporada de baleias (período em que as baleiras-francas vêm para o litoral brasileiro) e que seria fácil avistá-las. Ele falou sobre um aplicativo no celular que seria possível fazer esse monitoramento. Baixamos. Havia registros de avistamento a uns 80km de Guarda do Embaú, sentido sul, na cidade de Imbituba-SC. Mais precisamente na Praia do Rosa. Daí isso se tornou nossa última missão. Com o mesmo espírito de “ah, já estamos aqui mesmo, bora!” acordamos bem cedo, fechamos a conta no chalé, botamos as malas no carro e seguimos para a praia das baleias. As expectativas eram baixas e nos questionamos dessa decisão algumas vezes, já que o objetivo era voltar para casa (melhor dizendo, para Passos) nesse mesmo dia. Fazia sol, era perto das 9h quando chegamos na praia. Uma galera lançava as vistas ao mar para ver se flagrava alguma coisa. Esse evento é realmente um evento. Em nossa defesa, não era só a gente de “bobo” ali, não. Havia outros. Uns 20 minutos depois de espera, eis que surgem partes da baleia a uns 500m de onde estávamos. Ela estava tímida. Só deixava parte do corpo de fora. Depois mergulhava, desaparecendo de nossos olhares. Ainda assim, foi uma experiência ímpar avistar uma baleia. Cara, é uma baleia! Saímos felizes e recompensados. Missão cumprida. Uma alegoria de toda essa viagem pelo litoral catarinense: entregou mais do que esperávamos. O pouco que foi muito.

 

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Escrito em: 18 e 30 set.