No litoral caiçara: Ubatuba (trilha das sete praias) e Paraty (Vila de Trindade e Praia do Sono)

Ubatuba-SP
Areia grossa, praia suja e gente mal-educada. Essa combinação costuma preencher o estereotipo de praias do litoral paulista. Pois bem, esqueça isso. Ubatuba tem praias paradisíacas que não perdem em nada para as do Nordeste ou do Rio. Os preços (de hospedagem e de alimentação) não são exorbitantes, mesmo em feriados como neste carnaval de 2017. As pessoas em geral são acolhedoras. Ubatuba é etérea e/ou metafísica. Está em todos os lugares e ao mesmo tempo não está em nenhum. Isso porque são inúmeras as praias e estão relativamente próximas/distantes do centro e de umas das outras por cerca de quarenta quilômetros ao longo da BR-101, a “rodovia da morte” (na verdade o trecho com grande índice de acidentes fica em Santa Catarina). Famosa pelas intensas chuvas, a cidade surpreendeu a todos neste carnaval pelo estável céu ensolarado. Há algumas opções de trilhas e para quem optar por este esporte em vez de enxugar o caneco ouvindo funk sentadinho embaixo de um guarda-sol e acompanhado por uma multidão de banhistas, vai se deleitar no litoral caiçara.

Em Ubatuba encaramos a trilha das sete praias. São mais ou menos 9km de uma caminhada leve a média na maior parte do percurso (mas com passagens íngremes e longas no último trecho). A aventura começa na Praia da Lagoinha, cujo nome se refere a um rio manso que deságua no mar. Esta praia encontra-se a 24km do centro de Ubatuba, então caso vá percorrer a trilha citada, programe-se. É possível deixar o carro estacionado em um condomínio a beira da praia, mas também pode-se optar por pegar um ônibus (com itinerário pouco confiável em feriado) até o local. A trilha localiza-se no final do lado esquerdo da praia, onde se avistará o Rio Lagoinha. Será necessário tirar o tênis para atravessar o rio até o início da trilha – desta vez a água sequer chegou ao joelho, mas pode acontecer de o volume estar maior. Da Praia da Lagoinha avista-se uma placa no começo da trilha informando que aquele era um caminho utilizado pelos jesuítas. Pobres índios. Mesmo que esteja fazendo um sol forte, fique tranquilo pois durante a trilha a mata te protegerá. A próxima parada é a Praia Oeste e aí o cenário vai começando a ficar cada vez mais deslumbrante, é impossível não ser hipnotizado pelos tons de azul da água, claros e cristalinos. Após a Praia do Oeste chega-se à Praia do Perez. Esta praia é relativamente vazia pois não há quiosques e o lugar parece ser inapropriado para banho devido à quantidade de pedras que ali se avista. Até neste ponto o caminho é, além de curto, bastante leve, sem trechos acidentados ou escorregadios. Daí caminha-se mais algumas centenas de metros até a Praia do Bonete. Agora haverá uma decida, porém leve. A Praia do Bonete descortina-se frente a seus olhos logo que a fresta da mata lhe apresenta o término da trilha neste trecho. É bem bonito e recompensador. Bonete é uma praia mais movimentada, com quiosques, lanchas e embarcações pequenas e médias. Há rochas em seu lado direito, por esta razão pode ser interessante subir em uma delas (como fiz) e apreciar a paisagem. Mais dez minutos de caminhada e chega-se a Praia Grande do Bonete. Esta é uma praia mais rústica, com extensa faixa de areia fofa, possui uma beleza ímpar e você se sente um personagem do seriado Lost caso ela esteja vazia. Até aqui, ou seja, da Lagoinha até a Grande Bonete, a trilha é leve. Sem parada pode-se chegar em 40 minutos ou menos. Mas seguir em diante, do Bonete sentido Praia do Deserto, não é recomendável para crianças, idosos, pessoas com dificuldades de locomoção ou sem preparo físico. Portanto pare no Bonete, relaxe, descanse por um bom tempo, aprecie a paisagem e depois volte pela trilha ou de barco (não é certa a disponibilidade).
Praia do Bonete

Se resolver encarar o desafio, prepare-se, são mais 1,5km da Praia do Bonete às Praias do Deserto e do Cedro (apenas um conjunto de rochas as dividem) e mais 4km até o fim, na Praia da Fortaleza. Porém são trechos íngremes, escorregadios (se tiver chovido) e cansativos para quem já andou desde a Lagoinha. De todo modo, as Praias do Deserto e principalmente do Cedro vão redimir seu esforço. A Praia do Cedro possui um quiosque que serve porções, salgados e bebidas. Se tiver cheia, vai demorar um bocado. Mas de todo modo será uma energia importante para seguir caminho. A praia é graciosa e caso você tenha sorte poderá mergulhar com peixinhos sargentos e tartarugas marinhas que nadam até as rochas litorâneas para se alimentarem. Minha companheira de viagem Ana, formada em biologia e fã incondicional de tartarugas, teve esta sorte e encontrou duas no dia em que fomos. Uma delas impressionava pelo tamanho. Consegui avistá-las de cima das rochas. Comparada a do Cedro, a Praia da Fortaleza é bastante sem graça. Cheia de pessoas, de poluição sonora, de ranchos, de bares e embarcações. Além disso a cor da água é mais escura e a areia estava cheia de algas. A única importância da Praia da Fortaleza no roteiro deve-se ao acesso à rodovia, acesso distante, ressalto. São uns 9km de asfalto até chegar à BR e o último ônibus passa às 17h da tarde (e é bom se informar para saber se o mesmo está circulando normalmente no dia em que for. Caso contrário separe um dinheiro a mais para retornar de barco até a Praia da Lagoinha).
 
Praia do Cedro

Paraty-RJ
“Pequena cidade histórica, muito badalada, cheia de turistas estrangeiros, noite pulsante e boêmia”. Foi a propaganda que me fizeram a respeito de Paraty... e acertaram em partes. A expectativa sinceramente não era grande, mas ainda assim ficou abaixo do esperado. Talvez por ter ido duas vezes a também histórica Ouro Preto-MG, talvez por ter conhecido praias lindas no dia anterior, não achei a cidade em si grandes coisas. Realmente trata-se de uma versão menor de Ouro Preto, mas sem morros ou inúmeras igrejas, com praias (urbanas e pouco convidativas) e especialmente sob um calor dantesco. Apesar disso Paraty tem lá seu charme, sobretudo em sua parte histórica (um bairro pequeno com ruas de pedras e casarões que margeiam a praia central). Disseram que a noite era efervescente, entretanto não vi nada demais. Poucas ruas da parte histórica possuem movimentação. E por conta da presença intensa de gringos, os preços são bem caros (exceto pela hospedagem que estava na média de cidades litorâneas). A graça de Paraty são as praias e vilas que ficam a muitos quilômetros de distância da cidade. Ficamos um dia na Vila de Trindade e visitamos a Praia do Sono, no último dia, antes de pegar a estrada de volta.

Vila de Trindade
A estrada que dá acesso à Vila de Trindade fica a 17km da saída de Paraty, seguindo em direção a Ubatuba pela BR-101. Depois são mais uns 6km rodando em uma estrada pavimentada, íngreme, sinuosa e estreita até chegar à vila. Logo na entrada a pessoa vê a bela e agitada Praia do Cepilho. A vila é simples, mas bonitinha e estruturada (pousadas, bares, restaurantes, lojas de roupas e souvenires, artesanatos na calçada, miçangas, mais miçangas). É um ponto de encontro da galerinha roots alternativa e “legalize djá”. Havia bastante movimento no dia em que lá estivemos pois era terça-feira de carnaval. Logo que chegamos passeamos pelas Praias de Fora e dos Ranchos. Cenário muito aprazível aos olhos apesar do abarrotamento de gentes, quiosques e bares à beira-mar. Tanto a hospedagem quanto a comida tinham preços aceitáveis. À noite fomos a um barzinho que vendia cerveja artesanal e estranhamente tocava rock n’ roll em pleno carnaval, isto perto de um trio elétrico e ser humaninhos de abadá. A banda (a do bar) inclusive era muito boa e contava com a participação de dois integrantes do Ultraje a Rigor (o baterista Bacalhau e o guitarrista Mingau que, aliás, dizem ter uma casa ali na vila). No dia seguinte, logo cedo, fomos à Praia do Meio e a Praia e Piscina da Caixa d’Aço (ou Cachadaço). Nelas o número de turistas era menor e a beleza era ainda maior. A Piscina Natural da Caixa d’Aço é algo sem igual. Um amontoado de rochas de variados tamanhos formou um local propício para aqueles que gostam de mar mas não curtem driblar ondas. A piscina é relativamente extensa e rasa, dá até mesmo para observar peixes coloridos nadando em sua volta pois as águas são semicristalinas. Com certeza um dos lugares mais bonitos em que estive neste passeio. De lá seguimos para outra atração de Trindade, a Cachoeira da Pedra Que Engole. O acesso se dá por uma trilha de cerca de 1,5km, com trechos difíceis. Ao chegar ao local fica-se um pouco decepcionado porque a tal cachoeira não passa de uma pequena cascata. A única emoção é entrar de corpo inteiro em uma pequena fresta entre as pedras, ficando sob uma rocha gigante e dentro de um mini poço escuro e cavernoso segundos antes das leves corredeiras te jogarem para fora como se fosse um tobogã. Daí o nome a “Pedra Que Engole” (ou cospe). Tem que se tomar cuidado, devido ao piso escorregadio, além de engolir e cuspir, a pedra também pode derrubar. Teve gente que caiu. :D
 
Eu, Ana e o mar (ponta da Piscina Caixa d'Aço)
Praia do Sono
Disseram-nos para passar na Praia do Sono. Diferente das praias de Trindade, chegar à Praia do Sono não é tão fácil. Só existem dois caminhos: trilha ou barco. Para encontrar a estrada que dá acesso ao lugar, o trajeto é o mesmo que o de Trindade. Porém, em vez de seguir adiante (se está vindo de Paraty), entra-se à esquerda. Roda-se uns 3km até chegar a um condomínio chique, o Laranjeiras. Daí estaciona-se o carro na vila dos funcionários do condomínio (também tem como pegar um ônibus de Paraty até este ponto) e caminha-se numa trilha longa de uns 3km de dificuldade média devido às subidas e decidas (ou, como dito antes, paga-se uns 30 reais para ir de canoa até a praia). Gastamos uns 50min para chegar à praia. Mas olha, vale a pena. Que lugar incrível! Do alto da serra avista-se as areias brancas sendo desenhadas pelas batidas mansas das ondas. Tudo muito rústico. Não há pousadas nem ruas. Uma diminuta comunidade caiçara mora ali. O ritmo da vida nesse paraíso passa mais lento e tranquilo. O surrealismo da Mata Atlântica ainda preservada ao lado te remete a um clássico da sessão da tarde, o filme Lagoa Azul. Mas existem bares servindo bebidas e refeições, bem como locais para acampar. Se quiser percorrer mais trilhas encontrará o caminho à Praia de Antigos (700m de terreno bastante acidentado e escorregadio) e de Antiguinhos (1,8km, imagino que do mesmo nível). Fomos até o primeiro. Local estava praticamente deserto mas naquele momento inadequado para banho por causa das pedras e das fortes ondas. De toda forma, uma maravilha da natureza.
 
Praia do Sono

Por fim, registro meu medo de voltar de canoa até o estacionamento, ventava e aos meus olhos o mar começou a ficar agitado. “Não vou nesse bote nem me pagando”, disse. Ana, mais corajosa, pagou e foi. Eu voltei correndo pela trilha e assustando algumas pessoas que também voltavam. Pensei que pudesse chegar mais rápido do que ela. Um senhor que fazia a trilha me viu pulando os degraus e perguntou se a pressa devia-se por conta do ônibus. “Não! É uma aposta. Como se chega mais rápido: de barco ou a pé!?”, respondi. Ao cabo, sentei na calçada e algum tempo depois ele passou e me vendo esbaforido, questionou: “E aí, ganhou?”. “Não, perdi. Ela já havia chegado. Fiz em 27 minutos”. “Olha, parabéns! Bateu o recorde”, disse me consolando. Mas o verdadeiro prêmio foi um banho numa ducha de água fria, comprado do barzinho ali no vilarejo, foram os três reais mais bem investidos da minha vida. Limpo, satisfeito e feliz o calango voltou para o cerrado.

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16 de mar. 2017