Vamos lá! Vou tentar passar neste post algumas informações
utéis para quem está pensando em se aventurar pela primeira vez na Serra da
Canastra. Descreverei um roteiro sobre dois lugares que visitei recentemente na
companhia da Ana (mon petite amie) e,
no último trecho, com alguns amigos, entre eles meu primo João, companheiro de
estrada e praias no sul da Bahia. Mas antes de iniciar, saliento algo
importante: este é apenas um dos caminhos possíveis com acesso a algumas
cidades e cachoeiras, existem outros. A Serra da Canastra é gigantesca, por
volta de 200 mil hectares (1 hectare corresponde a 100 mil metros quadrados).
Há mais ou menos uma centena de cachoeiras e cascatas (não estou exagerando).
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Ana e a lendária cachoeira |
Ato 1
Rumo à Cachoeira Casca
D’anta
De Uberaba-MG à São Roque de Minas. Saímos cedinho de Uberaba e
a ideia era trafegar pela parte norte da Serra. Rodamos pela BR 262, rodovia
boa, porém pista simples de mão dupla e cheia de caminhões. É preciso ter
paciência nas curvas. A primeira cidade é Araxá (120 km de Uberaba), mas nem
chegamos a adentrá-la; é possível passar por fora da cidade, contornando-a. A
algumas dezenas de quilômetros de Araxá você continua seguindo na mesma rodovia
até o Posto Java e, em menos de 3km depois, vira-se à direita para a LMG 827.
Estrada pavimentada estreita e muito arborizada, felizmente vazia. Os morros
são muitos. Tem-se a impressão de que você já está no meio da serra. Até à
cidade de Pratinha (é uma microcidade, hein) viajamos 25km em asfalto,
estreito, mas asfalto, depois disso, truta, é só terra. Isso o pessoal da cidadezinha
fez questão de nos informar. São 40km até o próximo município, Medeiros. Ok que
a estrada possuía boas condições de rodagem, contudo estávamos a bordo de um
Uno Mille. Não sei se sabem, mas esse carro é mais potente do que uma Ferrari e
sobretudo em estrada de terra. Melhor ainda se tiver uma escada em cima e um
adesivo da firma colado na porta, bom, aí vira um Avião Mirage.
Nos perdemos um pouco no caminho porque vão aparecendo
muitas vias e você acaba ficando confuso qual delas é a maior. Dois
entregadores de leite em um caminhão-baú nos ajudaram quando pedimos
informações enquanto rodávamos ouvindo um rock rural na estrada errada. Eles
estavam com destino a felicidade, não péra, digo, justamente a Medeiros (de
onde era a placa do caminhão). Enfim, Medeiros-MG é outra microcidade. É em seus
arredores que se localiza a nascente geográfica e real do monstruoso Rio São
Francisco – que vai cortar parte da Serra da Canastra, adentrar a Bahia e
desaguar lá na divisa entre Sergipe e Alagoas. Estamos chegando? Calma aí, ô burrinho
do Shrek. Tem chão ainda! De Medeiros a São Roque de Minas, são mais 60km em
estrada de terra, entretanto, num trechinho final ela torna-se asfáltica.
Chegamos na hora do almoço em São Roque e as lombrigas já lutavam MMA a essa altura do campeonato, os parcos biscoitos que levamos não deram nem para o
cheiro. Mas antes mesmo de chegar a São Roque você avista de longe uma
cachoeira até grandinha da pista, é a Cachoeira do Cerradão (nessa não fomos).
Ao adentrarmos a cidade um morador nos convenceu a ir a um certo restaurante. Nos
demos mal. Não era amor, era... cilada, cilada, cilada. Comida relativamente
cara e bem ruinzinha. Já a cidade tem lá seu charme, igrejas e casarões antigos
sobre uma topografia de morro (ideal para a prática de quebrar os dentes numa
bicicleta sem freio). A área do município cobre parte da Serra da Canastra.
Energias renovadas e lombrigas pacificadas, é hora de pegar
a estrada até Vargem Bonita: um distrito de São Roque que nos dará acesso à
cachoeira tão sonhada. Aqui neste trecho você pode escolher. Opção um: 13km de São Roque
a Vargem Bonita pela estrada de terra. A outra opção é rodar 23km em rodovia asfaltada. Optamos
pelo último. Depois mais 22km de Vargem Bonita até a entrada da Cachoeira
Casca D’anta. E dá-lhe terra! Mas desta vez o caminho possuía umas partes mais
complicadas de atravessar. Um carro com chassi baixo por exemplo teria ficado
encalhado. O recomendável é com tração 4x4, mas avistamos, além do Uno
diabólico e jipes e camionetes, outros carros populares trafegando por lá.
Nestes 22km você nota na estrada vários outros lugares para acampar, pousadas,
entradas para outras cachoeiras menores, vendas do famoso queijo canastra e de
cafés produzidos na região (na volta paramos em um lugar destes e
experimentamos e compramos um queijo e um pacote de café). Também é possível
observar e se encantar com a parte mais famosa da serra, o desenho das chapadas
naquele ponto assemelha-se a uma caixa ou baú, talvez venha daí o nome
“canastra”.
Finalmente chegamos! Havia muitos carros no estacionamento
improvisado pela guarita do Parque Nacional da Serra da Canastra, que controla
a entrada cobrando 10,00 reais de cada pessoa pelo acesso à trilha da cachoeira.
São uns cinco minutos de caminhada leve até a queda, mas a gente acabou parando
várias vezes para tirar fotos. E essa parte é muito curiosa porque a cada vinte
passos as pessoas vão ficando paulatinamente maravilhadas com a imponência da
cachoeira e seguem se surpreendendo até o desfecho final. O curso da água
percorre mansamente por algumas piscininhas naturais cercadas pelas rochas, ali
onde alguns turistas resolvem tomar um banho desde já porque o calor é intenso
e você está suando em bicas. A trilha é coberta por uma mata e te protege do
sol até às pedras que cercam o poço principal, produzido pela forte queda
d’água. Ao chegar e se deparar com a magnitude arrebatadora da cachoeira, fica-se paralisado por alguns instantes e vem aquela sensação de que você é
somente uma formiguinha no mundo, ou melhor, você é um “cachorrinho de
estimação” da formiguinha, ou, para ser mais preciso, apenas uma “pulga do
cachorrinho de estimação” da formiguinha. Creio que foi a segunda vez que me
veio esta sensação à mente quando diante de um colosso da natureza (a primeira
foi ao lado do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, ali na Praia Vermelha). A
Cachoeira Casca D’anta tem este nome devido a árvores com princípios medicinais
da região e nas quais as antas se coçavam para curar de enfermidades. A
natureza é realmente uma coisa espetacular. São 186 metros de queda livre. É a
maior cachoeira da Serra da Canastra, a quinta maior do Brasil, mais alta do que um prédio de 50 andares.
A torrente de água jorra de um vão dos chapadões da serra, como se estivesse
rasgando-a no meio, e cai provocando um som que dá para ouvir de longe e uma
profundidade inimaginável no poço de águas escuras e geladas. O volume de água é
tamanho e a força tão grande que respingos te acertam a longa distância nas
pedras, formando-se um lindo arco-íris. Para tornar tudo ainda mais mágico, estas
são as águas do Rio São Francisco. Não muito longe dali está localizada a
nascente histórica deste rio, navegado pela primeira vez, em 1501, por Américo
Vespúcio* – o célebre mercador e navegador florentino cujo nome do continente em que vivemos o homenageia.
Eu e a Casca D'anta |
Ato 2
Cânions de Furnas
Saímos da Casca D’anta e seguimos em direção a São José da
Barra-MG, pequena cidade próxima à qual a família de Ana tem um rancho,
localizado às margens de um braço do Rio Grande. Sem contar a serra, os lugares
ali em volta tornaram-se pontos turísticos por causa da formação do lago da
Usina Hidrelétrica de Furnas, obra histórica do governo Juscelino Kubitschek
entre fins dos anos 50 e início da década de 60. Nos arredores do Rio Grande existia
um vilarejo conhecido como Velha Barra. Este foi completamente submerso quando
as compotas da usina foram fechadas pela primeira vez, após sua inauguração,
ocorrida em 1963. Por isso construiu-se uma nova cidade: São José da Barra,
apelidada então de Nova Barra. A poucos quilômetros dali, durante a construção
da hidrelétrica, ergueu-se uma vila mais próxima à usina a fim de servir como
moradia para os funcionários da empresa: trata-se do distrito de Furnas-MG.
Dois dias depois de chegar da aventura na cachoeira, acompanhados
por amigos (Deivid, Morgado, Taís e meu primo João) que vieram de Goiânia para
passar o réveillon com a gente, fomos aos Cânions de Furnas. Diferente da Casca
D’anta, o acesso é rápido, fácil e grátis, basta seguir pela MG 050 de Furnas
com destino a Capitólio (outra cidadezinha no pé da serra). Se quiser fazer
outro roteiro, na direção oposta você poderá localizar a Cachoeira da Filó e,
depois de um curto caminho de terra à direita, a Cachoeira do Paraíso Perdido. Os Cânions
de Furnas têm se tornado um ponto turístico bastante procurado ultimamente e
não é por menos, o visual do lugar é realmente paradisíaco. Não tenho total
certeza, mas é muito provável que o volume e o curso de água ali presentes
não são completamente naturais, tratando-se de uma consequência da criação da
usina. Inclusive os cânions, cortes de rochas do minério quartzito foram provocados
em alguns pontos pela erosão e em outros (como na estação hidrelétrica) por
bombas de dinamite. De todo modo, os cânions compõem um cenário digno de Hollywood.
As pessoas estacionam os carros (e havia inúmeros neste dia) em acostamentos da
rodovia, caminham por um trieiro curto e em breve estão à beira de um
precipício espetacular. Do alto observa-se a movimentação de lanchas e jet-skis
rasgando o verde azulado das águas do lago de Furnas.
Eu e minha fantasia de turista nos Cânions de Furnas |
Após contemplarmos a vista do alto, caminhamos novamente
rumo à pista, descemos por um conjunto de pedras entre as quais desfila um córrego
raso a partir do qual formam-se inúmeras cascatas, poços e pequenas quedas d’água até
descer por uma cachoeira e se lançar ao lago. Os moradores conhecem o lugar
como Cascatinha e isso faz algum sentido se levarmos em consideração as
formações rochosas que ali são encontradas, ora cascatas menores, ora degraus
que parecem ter sido esculpidos por um artista talentoso. No entanto encontrei
outras fontes intitulando o lugar como Cachoeira Diquadinha. Pouco importa. No
mesmo complexo (se assim o pudermos chamar), sob a rodovia encontra-se uma
canaleta fluvial em que passa a água da chuva e também de onde origina-se o
córrego anteriormente descrito. Atravessamos este canal que, aliás, judiou
bastante de nossos pés pois foi construído à base de concreto grosso e britas. Do
outro lado, você descobre mais e mais formações rochosas e poços semelhantes aos
que tínhamos visto e que parecem se estenderem ao infinito. No dia em que fomos
havia bastante gente. Famílias, crianças, idosos, pessoas fazendo churrasco,
pessoas se dependurando numa corda amarrada a árvores e brincando de Tarzan em cima das piscinas mais
fundas. Voltamos exaustos mas felizes pelo que vimos e vivenciamos.
Estivemos em outros locais, mas nada comparado a estes dois
que descrevi. Serra da Canastra, até a próxima!
Ana, Deivid, Morgado e Taís na Cascatinha. |
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* Foi também Américo Vespúcio quem batizou o rio, uma homenagem a São Francisco de Assis. Ao navegar até à Cachoeira Casca D’anta, a expedição
europeia de 1501-1502 concluiu que a nascente do rio era ali mesmo, na Serra da Canastra, mais precisamente no
município de São Roque de Minas (por isso chamada de “nascente histórica”). Até
pouco tempo atrás todos pensavam assim, entretanto estudos mais recentes
demonstraram que a “nascente geográfica” está localizada em Medeiros-MG, aonde corre
sob o nome de Rio Samburá até desaguar num ponto e transformar-se de vez em Rio São
Francisco.
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18 de jan. 2017
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18 de jan. 2017